Conforme os dias foram passando, Karol foi se acostumando a casa, a rotina da familia, até mesmo deu um toque dela no quarto. Ainda tinha picos de cansaço, mas estava cada día mais animada, passava as tardes aprendendo culinária com Antonella, ou jogando com Léo quando ele tinha folga dos treinos, as vezes também o ajudava com alguns trabalhos da universidade. Quando Bruno estava em casa, passavam um tempo conversando diversidades, ela passou a aspirar sonhos novos, muito diferentes dos que ela tinha antes. Todavia ainda não tinha coragem para sair além dos portões, mas descobriu no jardim um mundo a parte, o qual ela nunca havia dado a atenção. Que lindo era poder ver as flores brotarem, as abelhas passearem nelas, as joaninhas dando aquele toque vermelhinho em meio ao verde. Detalhes que fazia muito tempo que ela não percebia no mundo, já nem se lembrava do que eram redes sociais, pela primeira vez em muito tempo ela se sentía viva, desfrutando de cada instante. Aprendeu que a rotina a ajuda a dominar as horas do dia, o que baixou muito seus episódios de ansiedade. Como podia em tão poucos dias a vida ter virado, ao ver dela pro sentido certo, contudo ela havia se esquecido um pouco do motivo de ela estar ali.
Era domingo a noite, Antonella estava lavando a louça do jantar enquanto todos ajudavam com outras coisas, quando ao olhar no calendário para verificar os compromissos da semana, percebeu algo bem importante já nas primeiras horas da segunda.
- Karol, você precisa descansar bem essa noite, porque amanhã de manhã vamos na dra. Lúcia. - informou Antonella ainda olhando o calendário para ver se precisava dar mais algum aviso.
Ao ouvir o alerta de Antonella, foi como se Karol tivesse recebido um banho de água fria, ela ficou estática com os jogos americanos nas mãos, Léo percebeu, os pegou de suas mãos com cuidado e vendo que ela não esboçou nenhuma reação a perguntou:
- Você está bem?
Marejada ela disse sim gestualmente. Antes que Léo pudesse dizer algo, Bruno o segurou em um dos ombros lhe dizendo com o olhar que deixasse com ele. Passando por Karol a segurando com delicadeza no braço Bruno a pediu:
- Vem comigo até o sofá.
Ela o acompanhou, Bruno a sugeriu se sentar, o que ela fez devagar, ao olhar bem pra ela e captar o que estava acontecendo ele a perguntou:
- Você havia se esquecido não é?
Ela colocou um lábio sobre o outro tentando conter o choro e Bruno seguiu:
- Esqueceu que está gerando um bebê, mas está tudo bem, você vai gostar da médica ela é um doce de pessoa.
Karol tomou coragem e exteriorizou:
- A última vez ... foi muito... difícil...
- Eu acredito que deva ter sido, mas a Nella vai com você, vai estar lá todo tempo... - consolou Bruno.
- Eu tenho receio de sair, tenho medo de me reconhecerem... - seguiu Karol.
- Não tenha medo, você vai sair daqui de carro, vai sair dele apenas para entrar na clínica e doutora já vai estar esperando vocês. - interrompeu Bruno a segurando uma das mãos.
- Sim carinho, eu me certiquei de fazer tudo a melhor maneira para não expor você. - complementou Antonella contornando o sofá.
- Inclusive já organizei com a Mamma, eu vou na frente, você vai deitada no banco de trás, depois ela vai me deixar na Universidade porque não tenho as primeiras aulas. Assim ninguém vai ver que tem outra pessoa no carro. complementou a conversa Léo se juntando a eles.
Karol olhou para os três, eram tão atenciosos com tudo, ela tentou mas não conseguiu achar uma palavra melhor e os disse:
- Obrigado.
Os três se olharam e Antonella seguiu:
- Dessa vez vou aceitar, mas já te disse que não precisa agradecer... bom, melhor você ir descansar, precisa dormir bem!
- Tudo bem... - concordou Karol.
Bruno a ajudou a se levantar, todos se desejaram boa noite, Antonella e Leo foram na frente indo para seus quartos e Karol foi rumo ao seu com Bruno logo atrás a acompanhando. Depois de entrar no quarto Bruno a disse da porta:
- Vai dar tudo certo, você vai ver, a noite você me conta como foi?
- Sim... - respondeu Karol o sorrindo com os lábios em seguida.
- Durma bem, até amanhã.- desejou Bruno fechando a porta em seguida.
Karol arrumou as cobertas na cama, se sentou, suspirou, era impossível não se lembrar da reação de sua mãe ao descobrir tudo, ainda que ela mesma tivesse tomado ciência no mesmo momento. Ela se deitou se cobriu e ficou olhando para o teto pensativa, tentando desviar das lembranças e das ideias ruins, de tanto buscar esse equilíbrio em sua mente, acabou adormecendo.
Na manhã seguinte Antonella acordou Karol bem cedo, meio embevecida pelo sono, ela foi por sua higiene, depois trocou de roupa e foi até a cozinha onde todos já estavam prontos e tomando o café. Tinha uma atmosfera engraçada em que pareciam estar em uma operação muito secreta.
Após o café, Bruno saiu para a oficina, Léo e Antonella ajustaram tudo no carro, Karol se deitou atrás como o combinado e dali partiram rumo a clínica.
Karol achou que seria bom ir deitada porque poderia dormir mais um pouquinho, mas foi todo o contrário, ela estava ansiosa, mil duvidas passavam por sua cabeça, mas antes que ela pudesse aclarar qualquer uma delas, eles chegaram a clínica.
- Era bem perto... - comentou Karol em voz alta no banco de trás.
- Sim bem pertinho, não tem ninguém ao redor carinho, você já pode se sentar. - indicou Antonella.
Léo ficaria no carro, adiantando um trabalho, Antonella desceu do veículo junto a Karol e as duas entraram no espaço.
A sala estava vazia, o que promoveu certo alívio em Karol, tanto que Antonella pode perceber seu relaxamento e sua respiração profunda.
Passado alguns minutos em que Karol balançava os pés pra frente e prá trás sentada na cadeira a doutora foi encontra-las.
- Bom dia! Olá Antonella, como está? E os meninos? - perguntou muito animada Lúcia.
Era uma senhora de cabelos curtos castanhos, de média estatura, usava uns óculos em formato de gatinho transparentes com correntinhas douradas que ornavam bem com o seu rosto redondo, tinha uma fala muito mansa e animada, que deixou Karol mais tranquila.
Da sala da recepção foram para o consultório, Antonella e Karol se sentaram em frente doutora enquanto Antonella falava como andavam seus filhos.
- Então Ruggero vai ser papai, me lembro como se fosse ontem do nascimento dele, chorava bem forte, indícios que que certamente faria algo que usasse a voz. Que pena ser tão complexa a situação que ele não possa saber.... - comentou Lúcia seguindo conversando com Antonella.
"Ruggero vai ser papai", essa frase revirou Karol por dentro, porque ela era uma verdade inata, ela queria poder contar, queria poder dividir isso com ele, mas haviam mais circunstâncias negativas do que positivas nas probabilidades.
- Eu gostaria de fazer uma eco agora, pra ver como está tudo e partir daí. Assim organizo todo o pré natal e vocês já ficam com a datas todas agendadas. - disse Lúcia.
- Creio que é melhor até para lhe dar parâmetros, certo Karol? - perguntou Antonella percebendo Karol distraida.
- Ahn? - disse Karol dando atenção.
- Vamos fazer uma eco agora pra eu ver como você está. - informou Lúcia.
Karol respirou fundo e disse:
- Tá bom...
Ela sabia que não poderia fugir do exame, contudo Antonella a passava muita segurança com o olhar, além da doutora ser muito atenciosa e profissional.
Saíram do consultório as três juntas e foram para a sala no final do corredor para o exame de imagem. A sala era de cor quente e parecia bem acolhedora, muito diferente da que Karol tinha ido a última vez. Sem delongas Karol se pôs deitada na maca, Antonella ficou sentada ao seu lado lhe fazendo breves cafunés.
Em instantes a doutora avisou sobre o gel, assim que colocou uma porção sobre região baixa da barriga de Karol, ela se contraiu e reclamou:
- Poderiam fazer um gel menos gelado.
- Estou de acordo e sempre comento isso nas reuniões do conselho de obstetrícia, porém até hoje não encontraram um que seja quente e eficiente para a transmissão, mas creio que logo devem encontrar. - contrapôs docemente Lúcia.
A doutora ficou olhando para tela alguns segundos e logo a virou para que Karol e Antonella pudessem ver. Karol levou um dos punhos fechados tampando a boca, passou a controlar respiração enquanto olhava a tela, Antonella pegou sua outra mão para apoia-la e Lúcia disse:
- 10 semanas completas, está a escala de desenvolvimento, está tudo bem, no contraste os órgãos estão se formando bem, o coração está batendo bem firme e forte - ela faz uma pausa, respira fundo e se emociona - Oh meu Deus...
- O que foi Lúcia?? - perguntou Antonella, não ficou preocupada porque a doutora usou um tom de ternura, mas teve curiosidade.
Karol ficou apreensiva, segurou com mais pressão a mão de Antonella, até que Lúcia contou:
- Está igualzinho ao seu menino Antonella, me lembro de quando você veio fazer a primeira eco do Ruggero, estava igualzinho. Ainda não consigo ver o que é, não quero dar um palpite, mas que esta igual ao papai está.
Karol ficou com o olhar fixo para baixo, friccionando os lábios lentamente, seus olhos encheram de água, mas ela conseguiu conter, fechou os olhos por alguns instantes, os abriu olhou para a tela de novo e perguntou:
- Ele esta crescendo direitinho?
- Está sim, os braços, as perninhas estão bem formados, nesse período todas as cartilagens já estão formadas e os ossos também, os músculos vão ganhando forma, os dentes de leite vão se formando na gengiva, os órgãos vão se fortalecendo e ele já tem - verifica - 3,7 cm, do tamanho de um morango pra te dar mais referência. - responde Lúcia, removendo o gel em seguida e concluindo o exame.
"Morango, tinha que ser essa a referência" pensava Karol enquanto baixava a blusa e se sentava.
Antonella ampara Karol para descer da maca, não que ela precisasse, mas porque queria que ela se sentisse sendo cuidada, que havia alguém com ela.
- Bom Karol, você está bem, seu bebê também, nos vemos no próximo mês, mas já vou solicitar um hemograma, pra monitorar as dosagens vitaminicas e minerais. Não se preocupe o laboratório é aqui mesmo e vamos manter a discrição. No mais os cuidados normais, nada de carregar peso, se esforçar demais, emoções desproporcionais e alimentos crus.
Karol concordou com a cabeça, ela e Antonella se despediram da doutora e retornaram ao carro.
Karol entrou no veiculo já se deitando no banco de trás, Antonella entra no carro ao mesmo tempo, coloca o cinto e liga o veículo, Leonardo fecha o notebook onde estava fazendo o trabalho, o guarda na mochila, e com sua mãe partindo rumo à universidade para deixa-lo ele pergunta:
- Deu tudo certo?
- Deu sim, a doutora ficou abismada de como o bebê é parecido com o seu irmão quando eu estava o gestando.
- Bom é filho dele, tem que ser mesmo. - Olha para Karol atrás - Você tá bem? - comenta e pergunta Léo.
Karol gestualmente diz que sim.
Ele se virou no banco pra poder olhar para sua mãe e para Karol ao mesmo tempo e seguiu:
- Já sabem o que?
- Ainda não filho, é muito pequenininho, somente na próxima consulta creio que vai ser possível saber. - respondeu Antonella.
- O que você prefere Karol, menino ou menina? - perguntou Léo.
Karol estava com o olhar perdido, ainda absorvendo todo o exame e as palavras da médica, mas ouviu a pergunta e respondeu:
- Não sei, só quero seja saudável e que fiquemos bem...
Antonella chamou a atenção de Léo com o olhar e disse:
- Karol, pode descansar agora, durma um pouco, porque a universidade é meio longe e depois tem a volta, então aproveite pra relaxar.
Karol tentou, mas só conseguiu dormir depois que Léo ficou na Universidade, dormiu todo o trajeto até a casa, ao ouvir o portão abrindo ela acordou, meio sonolenta, se sentou assim que Antonella estacionou na garagem.
- Tudo bem? - perguntou Antonella a olhando pelo retrovisor.
- Uhum... - respondeu Karol.
Desceram do veículo, entraram na casa, Karol não sabia muito o que fazer, até Antonella a pedir ajuda para preparar o almoço que seria rápido porque a comida era apenas para elas. Karol queria se sentir útil o máximo que pudesse e começou a ajudar Antonella, pegando ingredientes no armário sob indicação.
- Não carinho, esse pacote é uma proteína do Rugge, é o pacote de trás.
- indicou Antonella.
Ao ouvir o nome dele, todo o exame veio a sua mente outra vez, se sentiu desvalecendo, ela só conseguiu pegar o pacote de sarraceno, o pousou no balcão o qual se apoiou por alguns instantes tentando entender o que estava acontecendo, porque sentia como se tivessem passando aquele gel gelado novamente e disse seguido de um soluço contido:
- Nella eu queria mesmo te ajudar, mas eu preciso me deitar...