Em sua introspecção, enquanto os demais seguiam conversando, Karol optou por se retirar, precisava pensar e descansar, então pediu:
- Vocês se importam se eu for me deitar?
- Claro que não carinho, eu já iria sugerir isso a você, está com carinha de cansada. - disse Antonella.
- Está mesmo filha, vai descansar, deixe que cuidamos de tudo por aqui. - inteirou Bruno.
Ela concordou com a cabeça e os desejou boa noite se levantando e indo rumo ao corredor. Chegou no quarto, fechou a porta, foi até a cama se sentando, ficando encostada na cabeceira com as pernas esticadas cruzadas. Ela olhou para céu por um momento, a noite quente de final de primavera, revelava muitas estrelas no céu, as admirou por um tempo, até olhar para si outra vez. Aquele voluminho não era pequeno, mas também não era grande, Karol passou a fazer carinhos com as pontas do dedos sobre o lunar, sua cabeça ficou em branco, ela apenas observava o movimento circular que fazia sobre a região, até que disse baixinho:
- Então você é uma menina... - pousa as mãos sobre o lunar - ... eu sei que você está me ouvindo, porque senti algo diferente quando você ouviu o seu pa... hunf... o seu pai... Eu não sei muito o que dizer, mas prometo que vamos nos ajustando a isso, eu e você... e o ... papai quando for a hora... Eu só quero que você saiba que te escolher foi a melhor coisa que eu fiz. Eu não sei cuidar muito bem de mim, mas estou tendo paciência e aprendendo, então tenha certeza de que vou aprender a cuidar de você também, ainda que eu tenha medos, mas a certeza de que tudo vai dar certo é o que me move... eu vou fazer o possível pra ser a mãe que você precisa que eu seja e vamos conseguir superar os obstáculos que surgirem.
Karol ficou sentindo seu lunar por mais um tempo, até dormir profundamente.
Lá estava ela de novo, caminhando pelas pradeiras, em meio as trilhas de chão batido, o som do rio fluindo, o aroma de eucalipto marcavam o lugar e traziam no cinestésico memórias afetivas tão antigas quanto o próprio tempo. Seguindo sua caminhada, ela o viu sentado no topo da colina provavelmente apreciando a vista. Ela não correu, seguiu no mesmo ritmo, quando chegou perto, colocou a mão sobre o ombro dele muito sutilmente o fazendo olhar pra ela enquanto se sentava ao seu lado.
- Oi... - disse ela quase como um sussurro.
- Oi... - retribuiu a observando com deslumbre - Alguma coisa me disse que te encontraria aqui hoje... - disse ele em mesmo tom, como se fosse só pra ela ouvir.
- Hunf... - respondeu ela lhe fazendo cafuné, deitando a cabeça sobre o ombro dele em seguida, enquanto ele entrelaçava a mão a dela.
Alguns minutos ali, olhando pro horizonte, ela fechou os olhos no intuito de apenas sentir o momento.
Ele por sua vez soltou de sua mão a puxando mais perto de si a envolvendo com seu braço lhe dando um beijo na testa.
- Sinto sua falta... - exteriorizou ela ainda baixinho.
- Eu sinto sua falta o tempo todo... - deixou claro ele a afagando carinhosamente.
Ficaram em silêncio brevemente, nesse lugar o silêncio dizia mais do que centenas de palavras. Ela resolveu quebrá-lo:
- Prometo que vamos nos ver logo...
Ele olhou pra ela com os olhos brilhantes, a sorriu, a puxou para seu colo a fazendo a rir e a abraçou.
- Enquanto isso poderíamos tentar nos ver aqui mais vezes? - perguntou ele.
- Podemos... - respondeu ela.
- Te espero aqui ... - disse ele a fazendo carinho no nariz com o indicador.
- Hunf...eu te encontro aqui... - percebe - O sol está se pondo... - disse ela.
- Não... - reagiu ele.
- Temos que ir, você já sabe como funciona. - disse ela o olhando nos olhos.
Ele segurou o rosto dela com uma das mãos e a beijou suavemente, a soltando em seguida disse:
- Eu não sei se vou conseguir ...
- O que? - perguntou ela.
- Ficar longe... - respondeu ele.
- Você precisa se recuperar e eu também, quanto mais rápido isso acontecer, mais rápido nos encontramos. - deixou claro Karol.
Ele disse com o olhar para ela que compreendia, ela por sua vez enfatizou:
- Preciso que você se cuide, melhore bem, depois nos vemos sim? - perguntou Karol.
- Tudo bem... - respondeu ele.
- Vamos que o sol está indo e temos que ir com ele. - disse Karol se levantando.
Ele se levantou rápidamente e antes que se separassem para retornarem para seus corpos, ele a abraçou e a disse em meio ao abraço:
- Eu te amo.
- Eu também te amo... - retribuiu ela.
No último pedacinho de sol no horizonte, se soltaram e correram para retornar a seus corpos a tempo.
Em Buenos Aires, já passavam das 10 da manhã, o médico entrou no quarto de Ruggero acelerado, o que estava virando uma certa rotina, o informando:
- Olha garoto eu não sei o que acontece nesses sonhos seus, só te digo, continue sonhando, porque cada vez que a enfermagem me diz que você ficou agitado dormindo, seus exames dão saltos de melhoras significativas! E depois desses exames aqui - folheia folhas em uma prancheta - não restam dúvidas do que tenho que fazer.
- Hunf... só lhe digo que são os melhores sonhos que tenho em anos. Mas o que o senhor tem que fazer? - comentou e perguntou Ruggero.
- Te dar alta! - respondeu o médico.
- Sério? - questionou Ruggero incrédulo.
- Sim senhor, vou assinar sua alta agora mesmo, sugiro que você ligue para o seu amigo Lucas e diga a ele pra vir te buscar em 2 horas. - respondeu o médico.
Ruggero sorriu, ele mesmo não aguentava mais ficar ali, o que o fez dizer pegando o celular:
- Vou ligar agora mesmo!
- Você vai ligar sim, mas eu preciso te informar que você vai sair daqui com uma lista de medicamentos que você vai precisar tomar muito regradamente, vai ter que evitar emoções fortes por um tempo. Vou querer você fazendo exames aqui de 30 em 30 dias, para irmos vendo como vai estar sua evolução. Creio que você vá necessitar tomar os medicamentos por cerca de 4 meses, mas depois disso vai estar liberado, apenas com periódicos a cada 6 meses. No mais garoto, você já venceu o impossível. - deixou claro o médico.
Ruggero queria poder contar que não havia sido ele que tinha feito o impossível, e sim Karol, mesmo que em sonho.
Cerca de 2 horas mais tarde Lucas chegou ao quarto, Ruggero estava pronto pra ir pra casa, mas ainda conversava com o médico sanando dúvidas.
- Então posso comprar esse em qualquer farmácia? - perguntou Ruggero.
- Sim, esse em qualquer farmácia, desses somente esses dois vão precisar ser manipulados em função da gramagem. - respondeu - Ah olha só quem chegou a sua carona. - disse o médico.
- Como está irmão? - perguntou Lucas.
- Bem pronto pra ir pra casa! - exclamou Ruggero.
- Isso mesmo, pra casa, com todas as recomendações e pelo amor de Deus só me volte aqui em 30 dias. - pediu o médico.
- Pode deixar doutor, não pretendo voltar aqui a não ser para o exame de rotina. - concordou Ruggero saindo do quarto atrás de Lucas.
Em Pescara, Karol acordou cedo, tanto que nem Antonella havia acordado. Ela foi por sua necessidade, percebeu que o sono não voltaria e foi para a cozinha adiantar as coisas pro café da manhã. Estava animada, cantava baixinho, enquanto arrumava e preparava o café.
Antonella que havia acordado em seguida, vinha pelo corredor escutando a música, ao ver Karol batendo algo a mão em uma tigela, se aproximou a perguntando:
- Acordou cedo foi?
- Na verdade acordei pra ir ao banheiro e depois perdi o sono, resolvi ir adiantando o café da manhã. - respondeu Karol.
Antonella percebeu que ela estava feliz, cantarolava, tinha um brilho no semblante diferente, não pode deixar de comentar:
- Humm, aconteceu alguma coisa porque você está animada e saltitante.
- Hunf... - expressou Karol com um sorrisinho.
- Não vai me contar não é? - perguntou Antonella curiosa.
- Tive um sonho especial... só isso. - respondeu Karol sorridente.
- Já imagino com quem... - exteriorizou Antonella pegando coisas na geladeira.
Foi elas terminarem de que colocar as comidas a mesa para Bruno e Leo chegarem na sala. Léo já foi agilizando os jogos americanos e Bruno as louças. Sempre havia essa cumplicidade em tudo pelas coisas da casa, tinham o entendimento que se todos fizessem sua parte tudo ficaria pronto mais rápido e eles poderiam curtir um tempo de " il dolce far niente", algo muito italiano, mas que diz respeito a você ter tempo para si mesmo, para fazer o que gosta, nem que seja apenas se sentar em uma poltrona macia e sentir o conforto, ou simplesmente não fazer nada, somente relaxar em meio as obrigações. Com o passar do tempo Karol foi compreendendo mais esse conceito, sentindo qual sua importância e aproveitando cada segundo dessa pausa, que sempre proporcionava reflexões sobre si mesma, um momento para que ela pudesse conhecer a si, sem julgamentos, sem remoer o passado, apenas compreendendo quem ela era naquele exato instante. Muitas vezes essa pausa trazia a tranquilidade interna que ela precisava, dotava-se de certezas, administrava as dúvidas e solucionava questionamentos em sua mente. Haviam dias que ela ansiava por essa pausa, pela doçura de não fazer nada, mas fazer tudo, só que por dentro, a doçura de cuidar de si mesma.
Quanto mais os dias passavam mais convicção ela tinha de que havia feito a melhor escolha de sua vida até ali, havia aprendido mais coisas em poucos meses do que em boa parte da vida, o que lhe trouxe a clareza de que não se trata do tempo e sim de prioridades e de como nos tratamos. Ela foi tendo dimensão do quanto se tratava mal, do quanto se autocobrava, aceitava pensamentos negativos e se burlava dela mesma, um total contraste com o presente.
Em Buenos Aires, Ruggero completava 4 dias em casa, se adaptando a uma rotina regrada com os medicamentos, mas ao mesmo tempo com muita criatividade para escrever e compor. Todas as vezes que Lucas chegava em casa o ouvia cantando alguma coisa, ou trabalhando em uma melodia. Um dia chegou em casa e o viu sentado no mezanino da sala, cantando com muita emoção e coração em casa palavra:"Eu juro que ninguém pode vencer esse amor.
E mesmo que nossa dança tenha dado um passo para trás,
Não se preocupe, eu sempre vou dançar com você.
O que importa se o mundo desabar hoje?
Ou o que vai acontecer amanhã?
Não vou sair do seu lado vou ficar.
E prometo te amar mais que ontem.
Vou te beijar bem devagar como da primeira vez.
E deixar o medo pra trás, juntar sua alma a minha, sem separá-las jamais.
Fique, porque eu vou ficar."Quando ele percebeu Lucas o observando, parou de cantar e dedilhou as últimas notas no violão dizendo:
- Não vi que você havia chego.
- Faz um tempinho que estou aqui te ouvindo, está cantando com muita profundidade, percebi que estava sentindo cada nota, cada palavra, por isso não quis incomodar. - contou Lucas.
- Estou um pouco inspirado...- disse Ruggero.
- Da pra perceber, e tenho certeza de que a inspiração tem nome, não é? - perguntou Lucas.
- Admito. - suspira descendo as escadas - Não consigo parar de pensar nela... - respondeu Ruggero.
- Eu sei que se você pudesse estaria a procurando por aí. - disse Lucas.
- Esteja seguro disso. - confirmou Ruggero.
- Bom, ainda não pode e não vou ficar repetindo isso. Mas a canção está bem bonita. Conheço todas as suas músicas, até as que você nunca gravou, mas essa... o jeito que você estava cantando, essa letra, vai render uma senhora música. - constatou Lucas.
- Eu parei de ter medo de dizer o que sinto, de fugir da força que é esse amor que me puxa como um imã... - começou Ruggero.
- Você está sendo sincero, mas segue compondo sem querer. - interrompeu Lucas.
- Desde que me permiti sentir, é como se eu encontrasse um universo novo, que quero desbravar, quero olhar pra ela sorrindo e me apaixonar por ela todos os dias sem dar margem aos medos que tanto me assolaram por tanto tempo. Eu vou ter que lidar com essa distância mais um tempo, mas no momento justo vou poder dizer que a amo daqui ao infinito e mais além.