CAPÍTULO UM

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                       NARA SHIVA

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                       NARA SHIVA

         De uma hora para outra, o tempo mudou. Eu olhei para o céu  vi que estava se formando um temporal intenso e talvez passageiro, como sempre são as chuvas aqui em Salém, a reserva onde nós lobas vivemos e que costumava ser liderada por meu pai antes da divisão. Um dia, eu encontrei uma humana acidentada e me uni a ela, passando de loba a bruxa. Após outras lobas também sofrerem essa mutação, meu pai dividiu a reserva ao meio. De um lado, os lobos comuns. Do outro, as lobas fêmeas que ganharam dons de bruxa. Eu sou a alfa da alcateia híbrida e possuo poderes diferentes de tudo que se viu até hoje.

         Desde então, muitas coisas aconteceram. Descobrimos outros mundos, outras magias, e nos tornamos também guerreiras. Em um desses mundos paralelos, fui mortalmente ferida por um demônio que usava flechas de freixo, madeira cultivada nas estufas do Tártaro e a única arma capaz de tirar a vida de uma loba bruxa. Foi justamente nessa época que uma guerreira vinda do futuro me trouxe de volta à vida.
Essa loba é minha alma gêmea e companheira de muitos anos. Por isso fez uso da lei mais antiga do nosso povo, a lei que une almas que se completam e são destinadas a se tornarem uma só. Eu fui reivindicada e renascida, sou uma loba laçada. Ou melhor, como os humanos costumam dizer: sou casada no católico e no civil.
Temos novos dons, somos mais violentas e também, na grande maioria, Hermafroditas — lobas que podem gerar filhos mais evoluídos do que nós e com novos dons. Assim nasceram as guerreiras que segundo as escrituras lutarão na grande batalha.

        Minha filha Nalum, de 14 anos, possui o dom de ficar invisível. É impiedosa com a espada, pode ler mentes e implantar memórias nos outros. Ela também tem total controle sobre as cobras venenosas e asas de penas iguais às minhas, camufladas na pele. Nalum herdou os mesmos dons da mãe.

     Minha beta Esther também gerou duas guerreiras. O casal de gêmeas tem dezessete anos e serão as líderes do pelotão de morte.
Com a Lilith da Nyxs, minha parceira do futuro e mãe da minha única filha, ela teve três filhos no total: Ameth, que é trans, Ingrid, que pode hipnotizar e implantar memórias, além de possuir asas de morcego, e Jamil, um bruxo com asas de pele.

      Aldrava e Morgana tiveram uma filha chamada Manon, uma bruxa dos infernos com alma de anjo. Aos dezessete anos, é ótima com espadas e tem dons de magia negra, além de poder ver dentro da cabeça de pessoas que morreram há menos de 72 horas.
Gilles e Melisandre têm as trigêmeas e Angel, um anjo de asas cor de mel que controla o fogo e o ar, com o dom de hipnotizar ao  tocar a trombeta e também de parar o tempo, colocando alguns humanos para dormir na hora da batalha. Angel nasceu na grande noite e também tem dezessete anos.
Winnie e Israfil tiveram na grande noite um único filho chamado Ramiel, um anjo que controla o vento e o mar.
Na mesma grande noite, Agatha e Kira tiveram Zenon, um bruxo que usa magia negra, e Awa, capaz de viajar entre os mundos.

     Ananya pariu uma única filha gerada no ventre chamada Heloise — ou Helô para os íntimos —, médica e anjo com asas de penas.

     Acrescentadas à alcateia, vieram Celeste, ex-amante de Amkaly de mãos divinas que desistiu do relacionamento por não querer uma relação aberta; Israfil, anjo e padrinho da minha filha; Nahemah, filha do príncipe das trevas que quer uma segunda chance de ser livre; Miriam, que veio de um mundo paralelo ou multiverso como queiram chamar, trouxe junto um povo místico e feérico; e por fim Raquel, o anjo que nos ensinou a forjar espadas e qualquer tipo de arma mortal.
Devido a novos dons, foi preciso criar duas academias preparatórias para treinar as guerreiras. A academia de guerra era a que eu estava indo, treinar um pouco esgrima e enviar uns e-mails. Estavam se aproximando os exames de aptidão, onde eram testadas a capacidade de lutar e se concentrar, a agilidade e a frieza. Se a candidata saísse bem, ganhava o direito de receber uma arma trazida do outro mundo para substituir a de madeira que todas detestavam.
A academia não ficava muito longe, mas com o tempo mudando rapidamente parecia ser em outra galáxia. Um vendaval subiu, arrastando folhas secas e gravetos do chão, que ficaram dançando no ar. Outra rajada de vento forte veio, nem sei de onde, encheu meus olhos de areia e me cegou por instantes.
Baixei a cabeça em desespero, esfregando o olho. Eu só piorei a situação. A cada tentativa de abrir ardia ainda mais. Foi então que um cheiro que mexe com minha alma me deixou igual cachorro vira lata quando uma cadela de luxo passa por perto, sem saber se encara ou se foge. Assim estava eu, naquela situação lamentável. Uma mulher de quase dois metros choramingando por um cisco no olho.
― O que aconteceu, Nara? Por que está se contorcendo assim, com a mão no olho? ― Nyxs perguntou, realmente preocupada. Por estar contra o vento, não tinha percebido sua chegada, mas sua voz, macia e melodiosa como a da minha companheira do futuro, era inconfundível. Um dom herdado da sua mãe Ameth.
― Acho que a poeira do mundo todo invadiu meu olho. ― Falei, ainda tapando o olho. Nyxs abaixou minha mão, disfarçando um sorriso.
― Deixa eu dar uma olhada.
― Toda vez que descubro o olho dói para cacete. ― Me queixei, ainda de cabeça baixa.
― Me deixa ver, anda! Tira a mão, se não eu não posso ajudar.
Paciente, ela retirou minha mão que estava praticamente pregada no rosto. Assim que a brisa tocou meu rosto foi como se começasse tudo outra vez, mas antes que eu pudesse fechar o olho, que já estava bastante irritado e começando a lacrimejar, ela segurou minha mão para me impedir de tapá-lo outra vez.
― Espera, vou fazer uma coisa que vai resolver!
Nyxs ficou na ponta dos pés, seu corpo todo colado no meu, despertando partes em mim que estavam adormecidas. Cada músculo e terminação nervosa reconheceu seu corpo e meu desejo oscilou como um vulcão acordando. Tentei manter a concentração na dor, para não agarrar a garota e ser acusada de assédio.
Nyxs abriu bem meu olho e soprou duas vezes. Ela me olhava com aqueles olhos prateados incríveis que possuíam nuances dos meus olhos circulando em toda íris, o azul-escuro tornando-os únicos.
― Está passando? ― Fiquei sem fala quando senti sua boca bem próxima à minha. Nyxs tinha uma boca linda, hálito cheiroso e quando sorria formava duas covinhas em cada lado do rosto, além de uma permanente no queixo, tão fundo que parecia ter sido furado com prego Cabral, mas lindo sem igual.
― Está passando, mesmo que ainda esteja incomodando. Mas já está bem melhor. ― Consegui dizer.
― Eu aprendi com minha avó Esther, que sempre faz isso comigo. Eu tenho uma tendência a cair coisas dentro do meu olho desde pequena. Minha vó sempre diz que eu a deixo de cabelo em pé.
― Exagero, Esther sempre foi neurótica desde que nasceu. Quando cresceu, virou psicopata, e agora com você virou lunática. ― Nyxs gargalhou alto e até eu mesma ri da brincadeira. Isso fez seu corpo tremer e nós percebemos que ainda estávamos abraçadas. Nessa hora um trovão ribombou na mata, nos assustando e obrigando a procurar um local para escapar da chuva que já começava a cair.
― Estava indo aonde, com esse tempo ameaçando chuva? ― Perguntei, só para fugir do silêncio.
― Para academia de guerra, treinar um pouco mais a espada. Eu não estou muito segura de quando é feita a troca do tamanho e peso. ― Respondeu, sem tirar os olhos de mim.
― Espada!? ― Confesso que fiquei apavorada. Essa mulher linda afirmar que estava treinando espada era o mesmo que dizer que provavelmente estaria mudando os gostos, e isso poderia me incluir no pacote. ― Eu pensei que usasse arco e flecha. ― Falei, com medo da resposta.
― E é, mas arco e flecha passou a ser minha segunda opção. Eu optei pela espada, minha vó fala muito de como foi a luta que vocês enfrentaram no outro mundo e quero estar pronta se um dia for preciso usar uma espada. Quero empunhar tão bem quanto puxo a flecha da minha Vorpal Blade. ― Ela respondeu, e mais uma vez ficamos em silêncio olhando a chuva engrossar. Nyxs sorriu de canto, mostrando aquelas covinhas na maçã do rosto, a mesma covinha que tantas vezes beijei. Eu gostaria tanto de saber o que ela estava pensando. Se tivesse um pouquinho mais de coragem, eu devolveria seus olhares.
― Medrosa!
Quando ela falou isso confesso que quase caí. Será que ela estava lendo minha mente? Não estávamos em forma de lobo, ela não sabia da nossa ligação.
― Eu medrosa? Não entendi de que estou sendo acusada. ― Dessa vez eu a encarei, aguardando a resposta.
― Claro, prefere ficar embaixo de uma planta, se molhando com os pingos, ao invés de se jogar de vez na chuva e ir correndo para onde quer chegar.
Eu imaginei que as palavras tinham sentido duplo, mas olhando para seu rosto lindo cheio de inocência, me senti uma pervertida. Embora Nyxs não fosse mais nenhuma criança, tinha se desabrochado. Estava uma loba linda. Ela sorria de canto de forma encantadora.
― Vamos apostar  uma corrida. Quem chegar por último é a mulher do padre! ― Ela me empurrou e saiu na chuva, tomando uma certa distância, mas eu rapidamente emparelhei. Empurrei ela para o lado e tomei a dianteira.
― Desonesta, não vale empurrar!
― Prefiro ser a mulher da freira, da madre superiora. Do padre, nunca! ― Respondi, já correndo na forma de loba.
―Quem é a desonesta? Foi você quem me empurrou antes de desafiar para a corrida e ganhar dianteira!” ―Acusei, falando pela mente.
―Desonesta, sim, senhora, na forma de lobo não vale.”
―Você não falou as regras, portanto não pode reclamar, perdedora.― Zombei.
Passou por mim uma loba incrível de pelo prateado com fios leves de azul da cor exata dos meus olhos. Veloz, quando consegui acompanhar já estávamos em frente à academia. Voltamos à forma humana e nos vestimos rapidamente.
― Não vai entrar? ― Perguntou, pendurada no portão, metade dentro, metade fora.
― Não, vou treinar na magia, e resolver umas coisas. Se a Nalum tiver por aí, leve ela para casa.
― Porque na volta da Magia você não passa aqui para pegar nós duas? Aí eu te dou a chance para a revanche e voltamos as três como lobas, o que acha?
O que eu acho é que estava a ponto de não resistir a seu sorriso, por isso mesmo me afastei correndo. Ainda podia ouvir ela gritando:
― Vou ficar esperando!
                      

🏳️‍🌈Bruxas e Guerreiras vol.03Onde histórias criam vida. Descubra agora