Sarah

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" – E se eu cortasse o meu cabelo?

Foi assim que Gee quebrou o quase silêncio no quarto de Mikey, que estava se entretendo com a HQ do Batman que havia comprado no dia anterior enquanto ouvia The Smashing Pumpkins na caixa de som. Ele olhou para seu irmão, que se observava no espelho do cômodo com uma careta no rosto, parecendo insatisfeito e pensativo, e disse-lhe:

A mamãe e o papai te matam se você fizer isso.

E é por isso que eu pedi a sua opinião, e não a deles.

Michael suspirou e fechou a revista que antes lia, sentando-se na cama do quarto e encarando o mais velho por alguns segundos, ponderando, antes de perguntá-lo:

Cortar até onde, mais ou menos?

– Ah, eu não sei… Talvez aqui, um pouco acima dos ombros. Eu queria cortar bem curtinho mesmo, mas, como eu nunca fiz isso, vou pegar leve – respondeu Gee, colocando a mão no lugar citado, logo abaixo de seu maxilar.

– Hum… – Mikey murmurou, observando o cabelo comprido de seu irmão, que já estava quase batendo em seu cóccix, e, depois de pensar por algum tempo, respondeu: – Sei lá. Você ia ficar parecendo um homem.

Por um motivo que Michael não entendeu, Gee desviou o olhar do dele e corou, antes de respirar fundo e dar de ombros, dizendo:

– E daí? Cabelo cresce mesmo! Se eu não gostar, espero crescer e não corto mais. E não é porque vai me deixar "parecendo um homem" que quer dizer que vai ficar feio.

– Eu nunca disse que iria ficar feio – argumentou Mikey. – Só disse que você ia ficar parecendo um homem. Mas não se preocupe, você não ficaria horrível se você se parecesse com um. Você daria um ótimo homem… Isso é um elogio, eu juro!

– Você acha mesmo? – Os olhos de Gee brilharam em expectativa, ao que ele tentava lutar contra o sorriso esperançoso e contente que queria surgir em seu rosto.

– Bom, por enquanto, sim. Você tem a voz pra isso. Todo cara com quatorze anos tem essa voz de taquara rachada que você tem.

Depois de falar isso, Mikey ganhou uma travesseirada do irmão, mas tudo o que ele fez foi rir de sua própria piada. Gee também se juntou a ele, mesmo tentando fingir que estava irritado, e os dois gargalharam juntos até que tudo o que sobrasse fosse suspiros alegres e um ar risonho no quarto. Então, o mais novo voltou a falar:

– Não, mas, falando sério agora: eu não acho que você deveria fazer isso, Gee. Eu sei que você tem total noção de que os nossos pais não deixariam, então eu sei que você vai acabar cortando seu cabelo escondido, o que vai ser ainda pior. Eles vão te deixar de castigo pra sempre!

– Você é muito exagerado, Michael – falou Gee, revirando os olhos. – Eu e os nossos pais já temos brigado muito nesses últimos tempos. Que diferença faria?

– Mas por que você quer tanto cortar o cabelo?

– Bem, eu… Sei lá, Mikey. Acho que você ainda é muito jovem pra entender, mas é que, chega uma certa idade em que a gente meio que sente que não temos uma individualidade. Eu só quero me descobrir, entende? Descobrir do que eu gosto, do que eu não gosto, descobrir quem eu sou! A gente cresce sendo uma extensão dos nossos pais, mas, quando crescemos, temos uma necessidade de nos separar desse "cordão imaginário" que nos prende a eles.

– Bom, eu gosto de ser uma extensão dos nossos pais. Eles são legais.

– É… Você ainda é pequeno demais para entender – concluiu Gee, sorrindo levemente. – Não se preocupe, um dia você vai. Só… Só me prometa uma coisa, okay?

Metamorfose || {frerard} Onde histórias criam vida. Descubra agora