"Tudo doía no corpo de Gerard. Doía tanto que ele achou que era aquilo, que aquela era a sua hora de partir. Quando optou por fazer a cirurgia de retirada de mama, ele não achou que seria tão difícil depois. A dor era tão intensa que os médicos haviam o colocado para tomar morfina, e mesmo assim ainda era horrível. Sem falar nas febres e nos enjôos constantes que sentia, que, diferentemente da dor, não podiam ser resolvidos pelo tal medicamento. Seus seios recém operados também não estavam bonitos, pois as cicatrizes ainda eram muito aparentes, mas o rapaz ainda sentia orgulho deles. As cicatrizes eram só marcas de sua liberdade alcançada, e ele estava feliz com elas.
O quarto do hospital em que Gerard estava era mais claro do que ele gostaria que fosse, mas Anthony sempre lhe dizia que faria bem ver a luz do sol durante sua estadia no lugar. E, como o garoto não podia se levantar direito, ele não tinha escolha, senão deixar as cortinas abertas. Era realmente gratificante, no entanto, quando as janelas eram descerradas e por elas passava a brisa fresca da manhã, fazendo os cabelos de Gerard se balançarem e seu corpo, muitas vezes febril, se refrescar e se renovar. Ele podia enxergar o jardim do hospital pela janela, e todo aquele verde lhe dava uma sensação de paz em meio àquela tempestade que era o seu corpo recém-operado.
Os dias de Gerard se resumiam a desenhar a paisagem que havia pela janela sempre que tinha condições para tal. Às vezes, seu corpo encontrava-se tão fraco que não havia como mexer um dedo sequer, mas haviam alguns dias que ele até conseguia ir sozinho ao banheiro, também. Aquele era um desses dias bons, e o rapaz encontrava-se fazendo o esboço de uma menininha brincando no jardim, provavelmente paciente de câncer, dada a falta de cabelos em sua cabeça, que estava adornada por um lencinho colorido que deixava sua face pálida bem mais viva. Ela deveria ter oito ou nove anos, Gerard achava, e era impressionante como a menina sorria e ria enquanto rolava pela grama do jardim, mesmo estando em uma condição tão ruim. E era mais impressionante que aquela garotinha serviu como inspiração para ele acreditar que tudo ficaria bem.
Ele pensava que a juventude tem muito a ensinar aos adultos.
A porta do quarto se abriu devagar e silenciosamente, tanto que Gerard só notou que não estava mais sozinho quando Anthony apareceu em seu campo de visão, o fazendo desviar sua atenção do desenho que fazia e sorrir para o idoso. Ele trazia um lanche em mãos, mas sabia muito bem que o garoto não comeria por causa das náuseas constantes e da falta de apetite. Era engraçado, porque Anthony nunca desistia de fazê-lo comer e já havia até esperneado uma vez pela recusa do mais novo. A verdade era que aquele senhor era uma verdadeira criança por dentro, e Gerard achava essa característica encantadora — característica essa que ele mesmo infelizmente já não tinha mais.
— Bom dia — Gerard cumprimentou o homem, que depositou a bandeja de comida em uma mesinha e se aproximou do rapaz, sentando-se na beirada da cama e dando-lhe um beijo no topo da cabeça.
— Bom dia — repetiu Anthony, olhando alguns segundos para o mais novo, como se o analisasse silenciosamente. — Você parece melhor hoje. Acha que consegue comer?
— Consigo — Gerard respondeu, fazendo um sorrisinho aparecer na face do senhor. Então, ele completou a frase: — Mas eu vou acabar vomitando tudo depois.
O sorriso no rosto de Anthony se extinguiu, dando lugar a uma expressão de angústia e preocupação que Gerard odiava ver. Suspirando, o rapaz disse:
— Mas eu posso tentar comer um pouco...
— Eu não gosto de te ver assim, Gee. Você está muito magro, não está comendo nada... Me pergunto se a cirurgia foi um erro...
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Metamorfose || {frerard}
Fanfiction"Como 95% das pessoas que moram no Brooklyn, Gerard estava lá por um motivo ruim. E não, ele não era criminoso, drogado, traficante, ou qualquer merda do tipo. Ele seria um rapaz normal de vinte e sete anos para a sociedade - isso, se ele tivesse um...