Tortura psicológica

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Flashback on

10 anos atrás..

— O lago está congelado Marie não tem perigo.

— Tem certeza? Eu não sei nadar John e se quebrar?

— Não vai, eu te seguro confia em mim.

Minha mãe disse que estaria fora o dia todo e eu não queria deixar Marie em casa, nosso pai estava piorando e ele ficava agressivo comigo quando bebia daquele jeito. O lago estava congelado e a neve já estava alta demais provavelmente a camada de gelo estava grossa e não quebraria fácil, peguei o pequeno trenó que construí eu mesmo durante o verão e fiz Marie se sentar nele enquanto eu puxava.

— Mais rápido John!

Ela gargalhava a medida que as rodas derrapavam sobre o gelo, queria fazer ela se sentir feliz depois que nosso pai me bateu depois de beber ontem a noite. Ele era muito mais rígido comigo e ela sabia disso e sempre se culpava por ser a filha favorita, mas isso não era sua culpa.

Na quinta volta que fiz com o trenó eu ouvi o craquelar do gelo e Marie gritou pra que eu parasse mas eu continuei.

— John! Tá quebrando para!

— Só mais uma volta! Não vai acontecer nada.

Por causa da minha teimosia na sexta volta o gelo se partiu e nós dois caímos no lago congelado, a sensação era de mil facas atravessando minha pele, eu sabia nadar mas estava tão frio que eu perdi Marie de vista. A vi se afogar bem mais a frente e tentei nadar até lá, mas meu corpo estava doendo de frio e o desespero começou a me consumir, quando consegui chegar onde ela estava seu corpo já não estava mais na superfície, foi tudo muito rápido.

Eu tentei mergulhar pra encontrá-la, desci até onde consegui perdendo o fôlego precisando subir de novo pra respirar, eu não a encontrava. Desci outra vez com meu coração acelerado e meu corpo colapsando, ela não estava ali.

Eu não queria sair da água antes de encontrá-la, mas eu estava perdendo a consciência, estava muito frio e minhas pernas estavam ficando dormentes, me arrastei até a borda sem conseguir parar de chorar, minha irmã estava no fundo de um lago congelado e a culpa era minha.

Flashback off

Dia atual.

Quando eu entrei naquele quarto foi a mesma sensação de vazio, minha intenção ao me tornar padre era me torturar como eu merecia, ignorar todos os prazeres da vida e me machucar vendo os outros jovens da minha idade vivendo uma vida que eu não poderia viver.

Mas eu estava errado, o melhor jeito de me machucar era sentindo.

Porque Marie não podia mais sentir e eu me sentiria culpado e a culpa dói muito mais que qualquer outra coisa.

Maria tem me feito sentir e por isso eu quase estou enlouquecendo, ela me diz sem medo coisas que eu não quero escutar, ela faz eu me sentir no pedestal cada vez que me toca mas quando nos separamos a realidade de tudo vem a tona e eu me sinto um lixo.

Isso é tortura.

Eu pedi pra ela me torturar porque Maria melhor do que ninguém sabe como é viver uma vida que não quer e eu confio nela pra isso.

— Maria você quer mais da lasanha?

— Não senhor eu estou satisfeita, obrigada. Na verdade eu queria pedir uma coisa..

— Pode dizer.

— Eu tô muito feliz por vocês terem me acolhido, eu nunca tive uma família de verdade então vocês são muito especiais pra mim, e eu queria pedir...ah desculpa eu não sei se devo...

— Querida você pode pedir o que você quiser, como você disse nós somos sua família agora.

Ela pareceu envergonhada mas eu sabia que era fingimento, ela não era tímida pelo menos não dessa forma.

— Bem eu...queria pedir pra ser tratada como filha de vocês, na forma de chamar e agir...isso seria muito importante pra mim.

Eu esperaria tudo menos aquilo, meus pais a encaravam chocados e minha mãe começou a chorar como se Marie tivesse revivido ali mesmo. Meu pai foi o primeiro a se levantar e vir até Maria do outro lado da mesa e abraçá-la, minha mãe se juntou a ele logo depois enquanto eu continuava paralisado.

— Querida é claro que podemos adotar você, não importa que você já seja uma mulher praticamente, nós estamos e sempre vamos estar de braços abertos pra te receber.

Todo esse carinho não era pra ela, Maria soube aproveitar muito bem o amor que meus pais sentiam pela minha irmã morta e doía, doía muito saber que eles preferiam ela do que eu.

— Então, acabamos de ganhar uma filha?

Nunca tinha visto meu pai tão emotivo, eu sei que assim como eu ele se culpa pela morte da minha irmã mas querer substituí-la já era demais pra mim.

Sai da mesa antes de terminar a comida, tinha um nó na minha garganta que não queria se desfazer, já doía muito naquela época sempre que deixavam evidente suas preferências por ela mas agora dói muito mais por saber que eles gostam mais de uma estranha do que mim.

Eu estava aqui a vinte e dois anos, eles não notaram?!

Bati a porta do quarto querendo apenas tirar isso da minha cabeça mas sem que eu esperasse Maria apareceu no meu quarto e veio pra cima de mim, eu estava transtornado pela raiva e ela sabia, senti ela me dar um tapa na cara me fazendo encará-la segurando a raiva para não retribuir.

— Você viu? Eles me preferem.

— Sai daqui.

— Que ridículo, você é filho deles mas parece que quem foi adotado foi você.

— Sai daqui!

Ela bateu no meu peito me fazendo cambalear para trás, minhas costas atingiram a parede me fazendo agarrar seus braços pela dor que senti.

— Você é tão patético John, olha só pra você..chorando porque não tem atenção do papai.

Ela riu sarcástica e me deu outro tapa na cara desta vez me fazendo chorar de verdade, minha mente estava uma bagunça intercalava entre a realidade do presente e o passado era como se a própria Marie estivesse aqui me julgando e eu já não podia me aguentar de pé.

— Você nem mesmo é um homem de verdade, me deu nojo beijar você. Que tipo de padre é tão mesquinho a ponto de quebrar os votos por alguém que nem conhece, porisso que sua família tem vergonha de você. Devia ter morrido no lugar da Marie.

Aquilo foi a gota d'água pra me fazer desabar, cai sentado no chão sem conseguir me erguer novamente meu choro já não era controlado e meu corpo tremia. Senti as mãos de Maria acariciando meu cabelo e logo depois seus braços me envolveram em um abraço.

Ali naquele chão frio ela me ninou como uma criança que acabava de ter um pesadelo e eu me permiti chorar tudo que podia sobre seu peito. Ela fez exatamente o que eu pedi pra fazer, estava me torturando de propósito e eu não a odiava por isso pelo contrário, eu estava me apaixonando por ela.

— Tá tudo bem agora...já acabou..

Ela parecia um demônio quando se determinava a fazer alguma coisa, mas agora em seus braços é como se eu estivesse no céu abraçando o próprio Deus.

Ela segurou meu rosto entre as mãos secando minhas lágrimas que ainda caíam e sem hesitar ela me deu um longo e demorado selinho, eu retribui no mesmo instante porque parecia o certo a se fazer.

— Obrigado, Maria..

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