Coagida

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Depois de ontem e de toda interação que tivemos eu pensei que estava tudo bem, ela foi pro quarto dela e hoje pela manhã só desceu para o café porque minha mãe a chamou, e por falar em chamou não quero nem comentar do jeito como eles estão agindo com ela.

— Filha você precisa comer..

Filha...é dessa forma que eles a chamavam agora, nem mesmo escondiam que estavam tentando substituir Marie.

Mas por outro lado eu estava preocupado, Maria estava mal e eu sei disso porque não está usando maquiagem como todos os dias, suas olheiras estão visíveis e ela está usando um moletom gigante que cobre quase todo o seu corpo.

— Eu tô sem fome, posso subir?

— Tem certeza de que não quer comer? Se quiser eu posso fazer outra coisa pra você.

— Eu estou bem obrigada, só tô um pouco desanimada..

— Tá tudo bem eu não vou insistir, se precisar de mim pode me chamar..

Ela nem se quer olhou pra mim, tenho certeza de que nossa conversa de ontem ainda estava rodando sua mente tirando o fato de que a fiz me machucar também.
Terminei o café com o mesmo clima de todos os dias, meu pai lia o jornal e minha mãe arrumava algumas coisas na casa e nenhum deles se preocupava em saber como eu estava.

Eu devia estar acostumado, mas desde que Maria chegou eles tem ficado cada vez mais distantes comigo.
— Vocês vão na festa da cidade?

— Vamos.- minha mãe respondeu ainda entretida no que fazia.

— Acho que eu também vou esse ano...estava pensando em ajudar a decorar faltam dois dias e....

— Eu vou subir, tenho muita coisa pra fazer.

Meu pai se levantou da mesa sem se dar ao trabalho de terminar de me escutar ele sempre fazia isso, minha mãe foi pra cozinha como se o assunto tivesse terminado e eu fiquei ali, sozinho.

Era como se eles estivessem me ignorando de propósito mas sempre foi assim..

Ignorei o nó na minha garganta e subi em direção ao meu quarto mas quando passei pela porta da Maria eu ouvi ela chorar. Eu queria deixá-la em paz pra que pudesse pensar um pouco mas ouvir ela chorar sempre doía meu coração e o pior é que dessa vez ela está assim por minha culpa.
Bati na porta devagar e abri esperando sua permissão para entrar.

— Eu posso?

Ela secou as lágrimas depressa se sentando na cama e assentindo, parecia estar tão mal eu nunca a vi desse jeito. Estava pálida e com os olhos inchados e vermelhos.

— O que aconteceu? Tudo bem?

A puxei para deitar no meu colo e ela se acomodou ali suspirando alto segurando minha mão.

— Eu tô bem...só tô menstruada.

— Nunca vi minha mãe chorar desse jeito quando tá menstruada, me diz se tá tudo bem mesmo.

— Eu só tô cansada..

Ela voltou a chorar forte como se não quisesse falar então eu respeitei e não perguntei mais nada, continuei acariciando seu cabelo até seu choro acabar mas ela apenas dava longas pausas e voltava a chorar.

— Me espera um pouco aqui, eu já volto.

— Onde você vai?

— volto em um minuto eu prometo.

Ela não é a Marie eu sei disso, mas quando era viva e estava triste eu sempre tinha meu próprio jeito de alegrar a minha irmã e talvez funcionasse com Maria também. Fui até a gaveta de doces no meu quarto e peguei várias barras de chocolate, fui até meu armário pegando uma caixa que escondi por muitos anos mas que ainda tinha meu próprio "kit de teatro". Marie adorava isso e eu não fui capaz de jogar fora quando ela morreu.

Era uma ideia infantil eu sei, mas situações desesperadas pedem.....

Quando voltei pro quarto ela já tinha conseguido conter seu choro, entreguei a ela as barras de chocolate e ela me olhou confusa. Quando ergui os bonecos dos três porquinhos ela começou a rir talvez achando ridículo mas ainda sim era uma risada.

— O que é isso?

— Um teatro de marionetes, coma os chocolates e aproveite o espetáculo.

Me ajoelhei aos pés da cama de forma que apenas os bonecos ficassem visíveis, e com as mãos comecei a movimenta-los enquanto contava a história. Eu adorava o som da sua risada a cada coisa idiota que eu fazia, contava a história do mesmo jeito que fazia pra minha irmã dez anos atrás e por mais memórias que eu tivesse disso eu gostava de lembrar.

Espiei suas reações vendo os bonecos e os olhos dela brilhavam se divertindo com aquilo, Maria era tão pura e inocente mesmo sendo do jeito dela e eu adorava isso. Quando a peça terminou ela me aplaudiu ainda rindo, fiquei feliz por saber que deu certo mas logo minha felicidade foi embora quando notei que meu pai também me olhava na porta.

Ele não disse nada, apenas sorriu fraco para Maria a vendo feliz naquele instante e saiu de lá sem dar a entender o que estava pensando.

— Você é um ótimo ator.- Maria disse me fazendo voltar a atenção a ela com certeza ela percebeu a tensão entre nós.

— Tenho meus dons, não gosto de me gabar.

— Obrigada...- seus olhos tinham uma sinceridade ao pronunciar essa palavra.— Mas já que você fez os três porquinhos pode fazer a chapéuzinho?

— Seu pedido é uma ordem.

Brincamos por um bom tempo, as memórias estavam indo e voltando me fazendo recordar do passado e só agora percebo que são dez anos e não dez dias, que a vida continua mesmo ela não estando aqui...Aquele sorriso que Maria dava a cada fala estúpida dos fantoches, cada risada gostosa que soltava isso era vida. Eu estava fazendo ela feliz por alguns momentos e eu me senti tão bem por fazer isso.

Quase uma hora depois voltamos a conversar mas sem tocar no assunto do porquê ela estava triste, apenas falamos da festa de fim de ano da cidade e não demorou muito pra ela dormir, parecia tão cansada mas ainda sim sua beleza era algo de outro mundo.

Estava distraído observando seus detalhes quando o celular dela vibrou sobre a cama, eu não deveria invadir sua privacidade desse jeito mas peguei o celular em um impulso vendo a mensagem de um número desconhecido, era uma foto que alguém a enviou de uma casa completamente queimada e logo acima em uma mensagem que ela já tinha visto uma outra foto dos corpos dos seus pais carbonizados.

Quem mandou isso com certeza estava tentando fazer mau a ela e agora eu entendo o que aconteceu pra que ela ficasse assim. Novamente seu celular vibrou em outra mensagem que dizia:

"Você foi a culpada disso"

Deus, quem é o psicopata que está fazendo isso? Apaguei a mensagem para que ela não pudesse ver isso, não faço ideia de quem seja mas ela talvez saiba e se continuar vendo essas coisas pode ficar pior...

Eu vou descobrir quem é porque eu não vou permitir que ninguém faça mau a ela.

Desejo proibido Onde histórias criam vida. Descubra agora