Primeira tentativa

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Acordei assustado com a luz da janela atingindo meu rosto, meus olhos se abriram repentinamente quando notei onde estava. Eu tinha dormido na cama dela e nem me lembro quando peguei no sono, Maria chorou até as duas da manhã quando finalmente dormiu fiquei observando ela por um tempo e logo depois eu também não aguentei o cansaço.

O silêncio do quarto era reconfortante, eu estava abraçado a ela em uma conchinha e estava tão quente que eu não queria sair, a neve lá fora já era alta e mesmo com aquecedor a casa estava fria, continuei ali com ela sentindo o cheiro do seu cabelo. Eu nunca dormi com ninguém antes, exceto pela Marie mas ela era minha irmã então não contava muito.

Maria começou a se mexer despertando e meu coração se acelerou por eu ainda estar abraçado a ela, mas quando ela abriu os olhos não disse nada e não fez nada como estava fazendo a semana toda. Ela suspirou alto e se cobriu ainda mais ficando em silêncio, parecia estar tão pensativa.

— Você tá melhor?.- ela apenas assentiu sem dizer nada e ali eu soube que ela estava mentindo.— Me desculpa..

— Pelo que?

— Ontem..você foi sincera comigo, me disse tudo aquilo e eu..não fui compreensivo.

Ela se virou pra mim, olhando fundo nos meus olhos, acho que queria que eu a visse de verdade desta vez sem joguinhos. E eu a vi..

Tão doce, tão sensível e meiga...ah Maria se você fosse você o tempo todo...

— Eu gosto de você..- meu coração estava disparado e eu não sabia porque.— E não quero que tenha uma vida miserável como a minha.

— Eu sei, mas eu quero ter essa vida miserável.

Ela baixou seu olhar com um pesar que eu desconhecia, seus braços me envolveram em um abraço confortável que eu retribui no mesmo instante.

— Eu não sei seus motivos mas...porfavor não faça isso com você mesmo..você não merece isso.

Eu entendo que ela tenha uma visão ruim do que é a igreja, tudo o que passou com o pai todos os traumas mas na verdade não era um martírio. Pra mim em específico era mas, se olhar de fora deveria ser um lugar de paz.

— Não é tão ruim quanto parece. Se você quiser eu posso te mostrar.

— Me mostrar?

— A vida na igreja..sem ser uma experiência ruim é claro.

— Você quer me converter?.- ela soltou um riso abafado contra meu peito me fazendo rir junto a ela.

— Não, eu quero te mostrar que não estou em sofrimento como você pensa.

Eu estava sofrendo sim, mas teria que convencê-la que não. Eu queria tudo que um jovem da minha idade quer, mas por puro masoquismo eu me privei e vou continuar me privando disso.

— Eu aceito isso se você aceitar ver meu mundo também.

— Maria...

— John é uma troca justa. Eu tenho traumas da igreja e você sabe, nada mais justo do que você ver um pouco do que eu vejo também.

Ela me olhou novamente ficando a centímetros do meu rosto, meus olhos desceram a sua boca vermelha natural me deixando hipnotizado eu não podia negar isso a ela.

— Tudo bem, eu aceito...

Eu teria que me esforçar muito para não gostar do que ela me mostraria, afinal eu nunca fui em festas a não ser as da igreja, nunca tive amigos nem mesmo na igreja e nunca me esforcei em ver o lado de fora. Foram dez anos de privações e por mais que eu tenha aceitado isso agora eu não me envolveria demais.

                       ..................

Depois que nos levantamos Maria quis tentar seguir meus passos, não fazia ideia de onde começar a mostrar ela o lado bom da igreja então quando ela decidiu fazer o que eu fazia o dia todo foi um alívio. Ela orou comigo no café da manhã e meus pais a olharam surpresos, depois fomos até a igreja e ela me ajudou a organizar tudo que eu tinha deixado lá no dia anterior enquanto se desculpava com os coroinhas pelo que causou na última missa.

Ela estava realmente se dedicando e isso eu não poderia negar.

— Ajoelha.

— Isso me pareceu sexual.

— Maria...

— Desculpa, força do hábito.

Ainda estávamos na igreja só que desta vez sozinhos, queria mostrar a ela a única coisa que eu realmente gostava de fazer nessa minha vida miserável. Nos ajoelhamos no banco de frente ao altar, o silêncio era a melhor parte porque derrepente o mundo ficava quieto e só sobrava nos dois ali.

— Você acredita em Deus?

— Não.

— Tudo bem, finja que existe um gênio da lâmpada que também é um conselheiro e diga a ele mentalmente tudo o que você sente e tudo o que você deseja pro seu futuro.

— Como uma fonte dos desejos?

— Quase isso...tente.

Ela cruzou as mãos como se estivesse em uma oração e fechou os olhos respirando fundo. A observei fazer o que eu já fiz diversas vezes e era satisfatório saber que ela sentiria o mesmo alívio que eu sentia depois de fazer isso.

Era como uma meditação, Maria tinha uma expressão séria e continuava de olhos fechados podia ver ela engolindo seco o que deveria estar pensando e falando em sua mente. Aquilo era uma oração por mais ateia que ela fosse foi gentil da parte dela tentar, e quando ela abriu os olhos estavam turvos de lágrimas como se realmente tivesse sentido tudo aquilo.

— Como se sente?

— Vai ficar chateado se eu disser.

— Prometo que não.

— ... Eu entendo o porque gosta disso...mas todas as vezes que desabafo sobre minha vida e que penso sobre meu futuro eu só....só quero morrer.

Eu não esperava por isso, deveria ser um lugar de alívio e não de tortura.

— Minha vida foi..péssima..eu não gosto de lembrar de tudo que eu passei e não tenho esperanças pro meu futuro John..

— Me desculpa, eu pensei que gostaria disso.

— Eu sei, mas esse é o ponto eu não gosto da igreja porque me dá falsas esperanças. Eu não acredito em Deus então no que eu supostamente deveria acreditar? Em mim? Eu não tenho conserto John.

— Não diz isso, você pode conseguir tudo o que quiser da vida.

— Não posso conseguir o amor dos meus pais, e não posso ter de volta uma família por mais ruim que fosse...obrigada por tentar me mostrar John mas isso não é mesmo pra mim.

Ela se levantou dali saindo da igreja quase correndo mas aquela frase continuou na minha cabeça, Maria era muito mais profunda do que eu pensei, ela tem várias camadas de dor e sofrimento que eu jamais vou entender.

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