XVII. Um Convite Atencioso [XLIX]

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A ousadia do cavaleiro que liderava a comitiva de Na'im foi louvável, inesperada até para Radulf e Idris, mas muito sensata. As lendas da magia do castelo corriam não só os reinos do Sul, mas todos os reinos do Continente e talvez até os reinos bárbaros de além-mar, então o receio dele não era infundado. Mas a escolha de palavras certamente tinha sido infeliz.

― Devo assumir que são invasores então? ― o questionamento veio de Idris, e embora o cavaleiro tivesse se esforçado para se manter estável, a expressão vacilou num engolir em seco. Aeliana que ficou obviamente mais alarmada.

― Não somos, vossa alteza! Eu prometo, não somos seus inimigos. Perdoe a escolha de palavras do meu guardião, ele só está preocupado com o meu bem-estar. ― a princesa tomou a frente, pousando a mão no braço do cavaleiro ao seu lado. ― Nós aceitamos o convite atencioso, vossa alteza.

― Princes-

― Está tudo bem, Vaihere. ― a princesa reforçou. ― Nós viemos em paz. Não somos invasores. Estou certa de que nada poderá nos atingir aqui se formos fiéis às nossas intenções.

― Estou certo de que vieram em paz, princesa Lisellot. ― Idris que reforçou, voltando-se então na direção de Andras. ― Andras, faça os preparativos para a escolta da comitiva até o castelo.

― Imediatamente, vossa alteza. ― respondeu Andras, fazendo uma reverência para Idris e Radulf logo em seguida, antes de se retirar.

Sem um intérprete oficial, Radulf ainda fez um par de gestos para Idris, que foram observados com bastante curiosidade pela princesa e pelos guardas, até que o regente concordasse com um breve aceno de cabeça.

― Como o Conselheiro explicou, estamos em uma situação delicada com Táhir no momento. O Lorde Branimir está lidando com assuntos diplomáticos, portanto, eu acompanharei a sua estadia em Arcallis por agora. ― Idris deu um passo a mais na direção de Aeliana, e num gesto que foi inesperado até para Radulf, ele estendeu o braço direito, oferecendo o suporte do antebraço para a jovem.

A atitude do regente era apenas esperada dentro das normas sociais entre a realeza. Afinal, Idris podia ser o regente mais poderoso e temido do continente, em contraste a Aeliana, uma princesa ainda não coroada do reino vizinho, mas naquele momento, dentro da sala, só o regente tinha um cargo politicamente equivalente a adolescente. Era engraçado para Radulf perceber que Idris ainda tinha algum resquício dos modos da realeza depois de tantos anos recluso. E mais engraçado ainda foi ver as reações pontuais e até exageradas da princesa e dos guardas que a acompanhavam.

Aeliana ficou tão inerte que Radulf achou que ela ia desmaiar, o rosto completamente pálido depois da proposta do regente. O guarda pessoal dela mais uma vez engoliu em seco, de um modo bem indiscreto, e Radulf viu o suor escorrendo no canto da testa dele. A comitiva de Na'im certamente não estava preparada para qualquer tipo de interação entre reinos, mas aquilo só reforçava como eles não eram uma ameaça com a qual ele devia se preocupar.

― Princesa Lisellot? ― Idris que chamou a atenção da jovem paralisada, depois de um tempo considerável com o braço estendido esperando pela resposta dela.

A adolescente quase pulou onde estava com o chamado de Idris. Ela que engoliu em seco daquela vez, um som exageradamente alto, que fez com que o rosto dela ficasse avermelhado pelo constrangimento.

― D-desculpe, e-eu... não queria ofender... v-vossa Alteza. ― ela respondeu, curvando um pouco o rosto, as duas mãos unidas na frente do corpo. ― E-eu... sei que... não é permitido... tocar no regente de Arcallis.

Radulf arqueou uma sobrancelha para a menina. A última coisa que ele esperava da princesinha inexperiente era que ele soubesse de costumes tão específicos do reino. Não que Idris ligasse muito para eles, e talvez Radulf devesse lembrá-lo de que ele devia sim, manter as aparências, mas era difícil se fazer ouvir sem voz. E a resposta de Idris foi mais rápida.

― Está tudo bem, princesa. Como convidada real de Arcallis, eu que devo seguir os protocolos da nobreza. ― a resposta de Idris foi mais pontual do que Radulf gostaria, mas não lhe surpreendeu, afinal, o regente sempre tinha sido bem avesso às tradições que o colocavam num pedestal divino.

Não era de todo mal, desse jeito, se a princesa de Na'im visse como Idris não era o regente assassino que todos conheciam, ela podia se encantar mais pelo rei e contribuir para a vingança de Radulf. Talvez o sorriso dele tivesse ficado evidente demais quando Aeliana sentiu o rosto queimar ainda mais antes de aceitar a oferta do regente, pousando a mão com cuidado sobre o antebraço dele, porque a reação imediata de Idris foi lançar um olhar estreito em julgamento para o conselheiro.

Idris saiu da sala primeiro guiando a jovem princesa, olhando sempre para frente enquanto a garota lhe lançava olhares de esguelha esporádicos, prendendo a respiração a cada passo que dava como se pudesse morrer ali ao lado do Anjo da Morte de Arcallis. Mas ela não morreu, nem qualquer um dos guardas que a acompanharam nos longos corredores do palacete até a entrada, o grupo todo se movendo como um chamariz de atenção para o fato de que Idris estava tão nobremente acompanhado de uma princesa de um reino vizinho. Quem sabe os rumores fossem além dos limites de Arcallis mais rápido do que Radulf esperava?

Embora a situação toda fosse um grande entretenimento para Radulf, ele não se prestou a acompanhar o grupo. A sua diversão continuava sendo subsidiada pela preocupação com os ânimos de Táhir ao norte, e isso logo lhe fez voltar aos afazeres enquanto Andras tomava conta da delegação de Na'im na companhia de Idris.

Considerando que Wafula estava liderando os treinamentos e convocações dos recrutas que estavam ficando cada vez mais numerosos na capital, talvez fosse mais indicado que ele saísse do seu posto para avaliar a situação do acampamento de guerra ao norte de Zahi, o maior de Arcallis desde a última grande guerra contra o Norte. E nem fazia cinco anos que tinham enfrentado a batalha árdua.

Radulf estava no meio de uma carta para um dos comandantes do Norte quando ouviu o estrondo da porta de seu escritório se abrindo sem a menor delicadeza.

― Como é que você conseguiu aquilo?! ― a pergunta sem contexto de um Wafula muito abismado fez sentido para Radulf sem que ele nem mesmo precisasse perguntar detalhes. ― Sério? Você viu, não viu?? O Idris saiu daqui de mãos dadas com uma menininha?! Qual foi a chantagem?!

"Não sei do que você está falando", Radulf respondeu, a ponto até dos gestos parecerem cínicos, e a resposta de Wafula foi só uma risada muito entretida.

― Olha, dessa vez você se superou para descontar no ladrão, Rad. Essa foi boa, o que não vai faltar por aí são rumores do Idris andando de mãozinha dada com uma menininha do reino vizinho.

"É o mínimo a se esperar, não é? Ele ainda tem modos para tratar com a realeza de outro reino", disse Radulf, finalizando a carta muito breve para Urien, um dos comandantes de fortaleza com quem ele costumava trabalhar estratégias de guerra. "Além do quê, ele precisa conhecer bem a princesa Lisellot, se os dois vão fazer uma aliança matrimonial".

― Claro, por que nã― Wafula mesmo deteve o comentário, contorcendo a expressão numa careta confusa, como quem estava tentando desvendar o último gesto que Radulf tinha feito. ― Como é a história? Eu acho que não conheço esse sinal aí não, Rad.

"Como não? Nós dois somos casados, você deveria conhecer muito bem", o conselheiro respondeu, mas antes que Wafula pudesse tirar proveito daquela declaração muito direta, ele terminou de assimilar o comentário anterior.

― O Idris não vai gostar nada disso, senhor pai maluco.

Wafula já estava preparado para o golpe rápido que veio em sua direção com a ousadia de chamá-lo de "maluco", por isso desviou rápido do golpe na direção de seu rosto e segurou o pulso do outro, puxando-o para perto com um braço firme em volta da cintura.

― Já disse pra deixar dessa violência, Rad.

"Você que pede", Radulf reclamou, estreitando os olhos, mas sem fazer o menor esforço para se livrar dos braços do outro. Mas a expressão de Radulf mudou logo para uma muito entretida e Wafula não adivinharia o que veio a seguir nem em duas vidas inteiras: "E o Idris concordou".

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Um Silêncio de 15 AnosOnde histórias criam vida. Descubra agora