I. Um Selo de Proteção

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Radulf estava no exército há mais tempo do que conseguia lembrar. Já lutara em inúmeras batalhas e tinha passado perto da morte mais de uma vez, inclusive, pelas mãos das pessoas mais inesperadas. A sua longa carreira lhe conferia habilidade, conhecimento, títulos, e principalmente a certeza de que tinha vencido todas as suas batalhas sozinho, por mérito próprio.

Ao menos até aquele instante.

Havia alguns anos que Arcallis não tinha uma ameaça de invasão de qualquer uma das fronteiras. Mas com uma regência nova, os sulistas estavam desesperados para colocar as mãos nas rotas de comércio e principalmente nas minas do reino. Eles atacaram sem piedade, e a disputa prosseguiu tão insistente por mais de um mês que o próprio rei de Arcallis foi obrigado a deixar o castelo e ir defender a fronteira com uma coisa que Radulf odiava desde sempre: magia ofensiva.

Infelizmente, era eficaz, e as tropas inimigas recuavam. Odiava admitir aquilo, mas era o que tinha mantido a paz em Arcallis nos últimos dez anos. Enquanto Idris controlasse sua magia e deixasse as guerras nas mãos de seus comandantes, estava tudo bem. Enquanto ele usasse a magia para evitar que a guerra prolongasse, até podia engolir. Mas o que Radulf não podia admitir de modo algum era saber que aquela magia odiosa estava dentro do próprio corpo, protegendo-o de ataques hostis a ponto de que, pela primeira vez em vinte anos de carreira militar, um inimigo que chegou muito perto de lhe atingir com a ponta de uma lança foi jogado para trás por uma força invisível, sendo desarmado imediatamente e lhe dando espaço para se defender com folga.

Ele não tinha detido aquele inimigo. E embora estivesse vivo e com todos os membros, quase intocado, se sentia derrotado.

Com o cessar fogo da batalha, o que aconteceu muito mais rápido agora que o rei estava na linha de frente, Radulf retornou ao acampamento de guerra com um objetivo muito claro em mente. Os passos firmes o guiaram direto para a tenda do rei, que tinha retornado pouco antes com as roupas sujas de sangue como símbolo óbvio de que ele tinha derrotado muitos inimigos de uma só vez.

O fato de entrar na tenda a passos firmes e bater contra a lona da entrada foi suficiente para chamar a atenção do rei, que tinha despido só a jaqueta externa e estava lavando o rosto para tirar o excesso de sangue que escorria na pele e nos cabelos. Idris pegou uma toalha para limpar o rosto e se voltou para o companheiro de guerra de longa data.

– Radulf, a situação já está sob controle, estou voltan-

Ele mesmo parou de falar ao finalmente encarar a expressão furiosa do outro. Radulf não podia falar e depois de tantos anos de convivência, nem precisava. Os gestos transmitiam seus pensamentos com precisão e ele já estava tão acostumado a se comunicar daquele jeito que nem sentia falta da própria voz. Ao menos não até aquele momento, porque certamente só um grito a plenos pulmões seria capaz de expressar o que ele estava sentindo naquele instante por ter sido ajudado por aquela magia. A mesma magia que tinha lhe garantido a perda da voz mais de dez anos atrás, e pelas mãos do homem que estava bem a sua frente.

– Então o selo ativou, eu mal senti no meio da batalha...

Idris falava como se pudesse ouvir cada uma das palavras gesticuladas em ódio pelo outro. E Radulf não parou, a ponto de se aproximar, continuando com uma sequência de gestos que poucas pessoas entenderiam.

– Seu selo não é hostil. Não vai matar seus inimigos, só está aí para lhe proteger em situa-

O rei foi obrigado a se calar quando sentiu a roupa agarrada e puxada com firmeza pelo outro. Radulf estava com as mãos ocupadas, mas Idris conseguiu ler com clareza nos lábios do outro as palavras "como ousa".

– Primeiro, eu não quero que você morra, Radulf. – Idris só sentiu o puxão na roupa ser mais forte. – Segundo, não fui eu que quis colocá-lo.

Um Silêncio de 15 AnosOnde histórias criam vida. Descubra agora