IV. Um Estranho Nu

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Wafula fazia parte do exército de Arcallis desde que se lembrava por gente. Já fazia tantos anos e tinha estado em tantas guerras que era difícil retomar com precisão quando tinha começado aquela empreitada, até porque, mais de vinte anos atrás, Arcallis era só invasão, guerra, peste, destruição e coisas que tornavam o reino um lugar bem difícil de se viver.

Mas ele podia retomar com mais precisão a época em que o jovem herdeiro de Arcallis tinha começado a treinar, em seus meros treze anos de idade, demonstrando ótimas habilidades com a espada e ainda mais, reformulando aquela magia que tinha protegido o reino por inúmeras gerações. E podia lembrar ainda mais daquela época porque era ele o responsável por evitar que Idris e Radulf se matassem, já que Radulf era um ano mais velho que Idris, estavam no exército ao mesmo tempo, e Radulf vivia para implicar com a magia ofensiva do herdeiro do trono.

Mais de vinte anos de convivência tornavam uma amizade bem firme. E mais do que amizade, o dever com o reino em que nascera era também crucial e importante. Por isso que ele, mesmo beirando as quatro décadas de idade, continuava como general das tropas reais, enquanto Radulf tinha assumido muito adequado o posto de Conselheiro do rei, que funcionava em muito como o representante de Idris no reino. E era por esse motivo que, depois de uma tentativa de invasão nas fronteiras efetivamente evitada, ele e Radulf estavam ali, no castelo real de Arcallis, para cuidarem dos assuntos administrativos do reino e prepararem uma reunião do conselho na capital, com os aristocratas, nobres, outros comandantes e discutirem toda a burocracia e logística de comércio, proteção, gastos.

Mas a última coisa que Wafula esperava encontrar no portão principal do palácio era um homem coberto em poeira, pelado, com um travesseiro cobrindo a frente, aparentemente fugindo do interior do castelo, o que era ainda mais estranho. Para ele, era uma visão no mínimo engraçada, para Radulf, que vinha também cavalgando logo ao seu lado, era motivo para julgamento e quem sabe, prisão. Mas o homem foi mais rápido em fugir antes de dar explicações, e Wafula ainda olhou o caminho pelo qual ele fugiu, com a bunda a mostra antes de desaparecer pelos portões do castelo.

– O castelo está mais interessante do que eu lembrava. Você conhece esse cara, Rad?

Radulf apenas lhe encarou de volta e fez um sinal negativo com a cabeça. Ele desceu da montaria bem a tempo dos criados aparecerem para guiarem os cavalos até o estábulo. Radulf era alto, com uma expressão constantemente fechada que refletia a personalidade séria demais, os cabelos pretos indo até a altura dos olhos também escuros e a pele clara, apenas levemente bronzeada pelo sol. Ele tinha o porte de um homem que estivera no exército a vida toda também, mas ao lado de Wafula, parecia quase um adolescente, já que o general, em seus mais de dois metros de altura, fazia qualquer um ao seu lado parecer uma criança.

Os tamanhos contrastavam tanto quanto a personalidade, mas mesmo que Wafula fosse maior, era menos assustador do que Radulf com sua personalidade acessível e extrovertida, cumprimentando todos os criados por quem passava dentro do castelo, ao longo de um corredor que tinha magicamente se reconstruído à medida que eles andavam.

No trajeto ao longo do castelo, os dois foram abordados pelo chefe dos criados que informou que o rei os encontraria no próprio quarto, o que não era incomum quando eles apareciam bem cedo. E o caminho já era muito conhecido dos dois também. Wafula ainda seguiu cumprimentando os criados e dispendeu um cumprimento bem mais caloroso para o jovem criado que cuidava das refeições do rei.

– Seti! Como você cresceu, garoto! – ele deu um tapa generoso no ombro do rapaz que se curvou uns quarenta e cinco graus sobre o carrinho de comida que levava para o quarto do rei.

– Ah, general, é bom vê-lo de novo. – Seti riu sem graça, sentindo a dor no ombro. Olhou para Radulf de expressão ainda fechada e fez uma reverência quase completa para o outro. – C-conselheiro.

Um Silêncio de 15 AnosOnde histórias criam vida. Descubra agora