XXIII. Uma Falta de Concentração

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Radulf voltou na direção da cama quando Idris passou a mão pelos cabelos, colocando-os para trás, e ele fez questão de repetir o questionamento do rei, apontando muito especificamente para a janela por onde o ladrão tinha escapado. Até podia ter suavizado a expressão com as artimanhas de Dargan, mas ele voltou a disposição mais séria quando se aproximou da cama para poder puxar a adaga que ainda estava fincada na cabeceira da cama e colocá-la de volta ao suporte na cintura.

"O que aconteceu aqui, Idris?", Radulf devolveu a pergunta do rei, ficando de pé ao lado da cama, a expressão ainda mais insatisfeita ao lembrar do ladrão fugindo, as janelas se fechando como por mágica, e o homem ainda chamando o rei pelo nome. "Ele levou o relicário!"

Idris passou a mão pelos cabelos de novo para tirar os fios da frente do rosto e antes de responder, estendeu a mão para a mesa ao lado, pegando o relicário para mostrar para Radulf.

– Ele não teve a intenção... – e abriu a joia para mostrar que havia duas alianças ali dentro, olhando-as por um tempo antes de fechar a joia de novo e colocá-la no cômodo ao lado.

Radulf respirou fundo, parecendo muito exasperado, e passou as duas mãos no rosto até Idris lhe encarar de volta para poder gesticular outra vez: "Não interessa qual a intenção, interessa o que ele fez, Idris".

– E você quer puni-lo por isso?

A resposta de Radulf veio em gestos muito mais intensos: "É claro que ele tem que ser punido! Como ele ousa! Todas as vezes! Ele até entrou no quarto da Seren...!"

– Ele não imaginava, Radulf. Que era importante...

"Como não?! Era da rainha!", o conselheiro insistiu, mas a expressão pesarosa de Idris lhe fez perder um pouco do ímpeto, até baixar as mãos ao lado do corpo para ouvir uma resposta que já devia ter imaginado.

– Quem imaginaria que o rei assassino sanguinário de Arcallis realmente se importava com a rainha dele?

Radulf até pensou em responder algo, mas não havia palavras em sua mente para contestar aquilo. Sabia qual a imagem que todos no reino e fora dele tinham de Idris, sabia até da quantidade de pessoas que achavam que ele mesmo tinha matado a rainha, não tinha como culpá-lo por encontrar uma pessoa – por mais odiosa que fosse – que parecia ter entendido que aquilo não era verdade, mesmo através de algo tão simples quanto uma peça de joia velha.

O conselheiro levou uma das mãos até o rosto, massageando o espaço entre os olhos, para só então mover as mãos de novo, numa pergunta que era quase retórica "O que está acontecendo ultimamente com você, Idris?", e suspirou, apoiando as mãos na cintura. Já ia mover as mãos de novo para falar de assuntos do reino quando foi pego de surpresa pela voz baixa do regente.

– Talvez eu esteja cansado... de ficar sozinho, Radulf.

Radulf desistiu de seguir com outros assuntos e encarou a expressão do rei com certa descrença. Não esperava ouvir aquilo de Idris em uma vida, e as poucas vezes em que ele tinha sido tão sincero tinham sido há tantos anos que ele sequer conseguia lembrar. Era surpreendente que o infeliz do ladrão tivesse causado algum tipo de impacto em Idris, e aquilo lhe deixou com uma irritação renovada.

"Mas tinha que escolher o ladrão?! Sério?!", Radulf gesticulou com mais vontade, até tirando uma expressão um tanto incrédula de Idris, que nem tinha como responder àquilo. Mas pensar no fato de que alguém tinha se aproximado dele voluntariamente e sem medo era, realmente, uma novidade que trouxe uma expressão mais suave para o rosto do regente, que Radulf observou com muito cuidado. "Você está diferente, Idris", ele adicionou.

– Isso é ruim?

Radulf o encarou por uns longos segundos em silêncio, antes de responder com um "ainda estou decidindo".

Um Silêncio de 15 AnosOnde histórias criam vida. Descubra agora