CAPÍTULO 4

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"As grades do condomínio são pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que tá nessa prisão. Me abrace, me dê um beijo, faça um filho comigo, mas não me deixe sentar na poltrona num dia de domingo [...] É pela paz que eu não quero seguir admitindo." - O Rappa

ELISABETTA

Eu estava calma, na medida do possível. Estava dormindo menos, treinando mais, minha mãe e meus amigos diziam que eu estava mais agitada, mas eu me considerava sob controle. Estava tudo fluindo bem, até que o comandante proferiu as palavras que estávamos esperando.

— O filho da puta tá na favela. — disse sério — Vai ser hoje.

Sem afobação, todos começaram a se equipar, conforme o treinamento e as ordens do coronel e minhas. Eu segurei os dois cordões de miçangas grossas em minhas mãos e me ajoelhei na frente de Aaron, que estava sentado aguardando pelo próximo comando. Era uma ação tradicional, que eu fazia sempre que saía do batalhão para uma operação. Encostei minha testa na cara do cão e o encarei olhos nos olhos. Como sempre, Aaron nem mesmo piscou enquanto me encarava sério. Eu nunca saberia explicar, mas o nosso elo era inquebrável e inseparável. Não importa o quanto ele tenha que fazer em uma operação e o quanto ele tenha que farejar, ele sempre sente quando eu estou em perigo e sempre corre pra mim a tempo.

— Saímos juntos mais uma vez, filhão. — eu sorri e dei alguns tapinhas em seu lombo

Me coloquei de pé e ergui os dois cordões de miçangas nas mãos. Guia de proteção de Exu e guia de proteção das 7 linhas. Eu não costumava ser muito religiosa. Minha mãe sempre gostou de assistir à missa, minha avó sempre curtiu uma curimba, minha tia é pastora de uma assembleia de Deus. Entretanto, quando eu tinha dezessete, quase dezoito anos, um acontecimento na minha vida me jogou nos braços da espiritualidade e eu me agarrei a Deus de uma maneira diferente. Minha avó cuidou de mim no barracão que ela costumava frequentar e devo dizer que cuidar da minha alma lá, ao mesmo tempo em que uma excelente terapeuta cuidava da minha mente aqui em fora, literalmente salvou minha vida. Eu jamais deixaria de reconhecer isso. As guias não são um escudo pra não morrer, mas sim uma forma de não morrer sozinha. Eu sei que tem alguém cuidando de mim.

Colocando as guias no pescoço, eu faço uma prece silenciosa e bato o pé direito três vezes no chão. Respiro fundo, sentindo o vento no meu rosto e encaro o céu escuro da noite de quarta-feira do Rio de Janeiro. Coloquei as guias por dentro da farda, as escondendo, e afaguei a cabeça de Aaron mais uma vez, enquanto a equipe mista inteira se reunia.

— Senhores, a hora chegou. — Coronel Nascimento fez sua voz se espalhar pelo galpão — A gente vai chegar devagar, sem afobação. Vamos esperar pelo sinal do Mathias e tudo seguirá conforme o plano. Vai ser tranquilo, eu tenho total confiança nos senhores.

— Operações Especiais!

Era um grito uníssono programado, já que ambos os batalhões não eram da polícia convencional. Eu respirei fundo, vendo todos olharem para mim como se esperassem por um incentivo também. Até mesmo aquele soldadinho do BOPE que falou das minhas pernas e eu o coloquei em seu lugar. Descobri que é o soldado Pereira.

— Como eu disse, senhores, eu não aceito perder ninguém. — digo séria, minha voz tomando amplitude e alcançando a todos os presentes — Nós vamos entrar, pegar o que queremos e sair. Todos juntos.

— Operações Especiais!

— Embarcar! — o grito do coronel foi firme

As equipes se dividiram de acordo com seus comandos, soldado Pereira indo junto com Mathias. Eu troco olhares com Nascimento e não o reconheço. Agora ele não parece nem um pouco com o homem gentil que me tirou pra dançar e nem com o maluco insistente que pediu meu número de telefone. Ele era um policial, o caveira chefe. Um homem muito bonito, trajado de demônio. Entrei na viatura principal da BAC, que já era destinada a mim. Aaron foi colocado no banco de trás junto com Zero-Três e Eurípedes assumiu o volante. Zero-Três já estava acostumado com os rituais tradicionais entre Eri e eu. Meu melhor amigo me olhou e eu o encarei de volta, olho no olho.

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