CAPÍTULO 14

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"Somos um barco no meio da chuva, um edifício no meio do mundo, fortes e unidos como a imensidão. Um passeio no meio da chuva, longos dias e noites a fora. Agora podemos ver na escuridão." - Ana Carolina

ELISABETTA

Ouvindo a voz de Ana Carolina nos fones sem fio, eu sorri ao me lembrar mais uma vez do domingo que tive. Eu me abri para o Beto de maneira espontânea, contei pra ele de onde eu vim e o que eu vi, contei sobre Henrique, sobre o noivo que me abandonou. Eu nunca fui uma pessoa de emoções abertas, mas me abri pra ele sem nem pensar nos riscos. Eu acho engraçado o jeito que ele fala as coisas que, se outro homem falasse, seria motivo de apanhar de mim. Beto é diferente e, por mais que eu não seja uma pessoa fácil, preciso admitir que estou viciada nele e que esse vício vai muito além do sexo intenso que temos. Dois encontros e eu estou me sentindo como uma adolescente apaixonada, como quando eu era noiva. Eu acho que nunca amei ninguém de verdade, embora tenha tido alguns relacionamentos. Por isso, quando Ana Carolina canta Dois Edifícios No Meio do Mundo, eu entendo perfeitamente cada linha que ela diz.

Eu que sonhei por tanto tempo em ser livre, me prenda em seus braços. É o que eu te peço.

Eu sempre priorizei minha liberdade, mas agora estava me vendo falhar nesse objetivo. Eu estava rezando para que Beto não seja do tipo que abandona quando vê o perigo e que ele me segurasse e não me soltasse nunca mais.

BETTA!

— Ai!

A caneta caiu da minha mão quando eu me assustei e senti um peteleco na minha orelha, que fez um dos lados dos fones de ouvido caírem em meu colo. Eri estava rindo, saindo de trás de mim e passando para a frente da minha mesa. Estávamos no batalhão desde quando o comandante nos chamou. Temos um esquema de blitz para montar nos principais pontos que ligam o Rio e tentar evitar que outra carga chegue aqui. Já eram quase oito da noite, alguns dos meus oficiais estavam do lado de fora da minha sala, em seus estandes e outros no intervalo. Minha sala é uma redoma de vidro, composta por uma mesa de madeira maciça, uma televisão que vive no canal de notícias e no volume baixo e alguns armários de arquivos em ordem alfabética. Consigo ver toda a movimentação do lado de fora, graças ao vidro. A mesa do Eri fica com as mesas dos outros que são divididas por meias paredes de drywall. Sobre a minha mesa, além de uma placa escrito MAJ LIMA e meu computador, há um porta lápis com canetas, lápis e canetinhas e uma caneca preta grande, onde costumo tomar café. A caneca diz EQUIPE ALPHA, com os nomes dos meus oficiais e de Aaron e, do outro lado, uma foto minha fardada e sorrindo ao lado do cão. Eles me deram de presente há alguns anos.

— Porra, Eurípedes. — eu resmunguei pegando de volta a caneta e o fone que caiu — Quer me matar do coração, caralho?

— Eu bati continência na porta e te chamei cinco vezes. — ele diz ainda rindo — Você que tá aí sorrindo feito uma boba e cantarolando Ana Carolina.

— Eu tô traçando alguns possíveis pontos aqui no mapa, marcando pra averiguar depois — respiro fundo

— Eu vim te oferecer ajuda.

— Eu aceito. — murmuro jogando um dos bloquinhos de post it para ele, junto de uma canetinha — Dá uma olhada ali no mapa da Zona Oeste pra mim, eu tô terminando o da Zona Norte.

— Eu posso saber o que tá te fazendo rir sozinha, com cara de besta? — ele pergunta indo até o grande cesto com o mapa em questão

— Eu tava lembrando do domingo que eu tive. — desconectei meus fones e os guardei — Foi muito bom.

— Você nunca chega atrasada e se atrasou hoje. — ele comenta — Deve ter sido bom mesmo.

— Eu não dormi em casa. — conto — Estava com o Beto e o filho dele.

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