Capítulo Trinta e cinco.

433 49 80
                                    


JOÃO ROMANIA.
17 de junho de 2019. — últimas horas.

Me sinto cada vez mais pressionado. Todas as matérias que eu enviei para o meu pai nos últimos dois dias foram descartadas por ele, sempre com a desculpa de que não estavam boas o suficiente, ou não eram chocantes o suficiente.

A questão é que eu já não sei mais o que escrever. Estou em uma posição difícil, com medo de perder meu cargo e tudo o que eu construí até aqui, além de tudo o que eu quero construir ainda.

Eu não estou tão perto assim do meu sonho e, perder meu cargo, era o fim de tudo para mim. Eu teria que começar tudo de novo, do zero. Teria que procurar outra empresa para trabalhar, porque ainda não tenho autonomia o suficiente para trabalhar sozinho.

Mas então, para onde eu iria? Para outro jornal? Um concorrente? O que pensariam de um jornalista, filho de Alexandre Romania, migrando para o jornal concorrente? Eu nunca seria levado a sério naquela empresa.

Bato meus dedos no teclado do notebook, tentando pensar no que não consegui nos últimos dois dias. Meu pai ainda não havia dado sinal hoje, mas era questão de tempo. Eu sempre sou o primeiro a chegar na empresa, mas hoje em especial, eu cheguei quatro horas antes de todos.

E quatro horas não foram o suficiente para mim.

A pressão me trouxe um grande bloqueio de escrita, e com ele, medo. Raramente isso me ocorria, e por isso, eu não sabia como lidar.

Como lidar com um problema assim, com ameaças do próprio pai?

Eu nunca relacionei muito o trabalho com a família. Para mim, meu pai era o meu pai em casa, mas na empresa, ele era o Alexandre Romania.

O meu chefe.

Que tem o poder de me rebaixar ou me demitir.

Mas eu sabia que as duas coisas estavam se misturando aos poucos. Meu pai nunca havia tido esse comportamento comigo, e agora, eu o achava um completo estranho.

Me pergunto se ele também age assim com outros funcionários.

Espero que não.

Ouço batidas na porta e logo vejo meu pai, entrando sutilmente em meu escritório.

Ele estava estranhamente calmo.

Estranhamente.

— Escreveu algo pra mim? - pergunta, cauteloso.

Me ergo na cadeira, com a garganta fechada de tanto nervosismo.

Esse cargo é tudo para mim.

Tudo.

— Escrevi. - minto, sorrindo amarelo. Ele ergue as sobrancelhas, pousando com as mãos em minha mesa.

— Mande para o meu e-mail, é sua última chance. - afirma, seco.

— Eu não vou te decepcionar. - asseguro, fingindo procurar algo nos documentos do computador.

A verdade, é que eu nem tinha ideia do que mandar para ele.

Reviro as pastas e planilhas, em busca de uma ideia rápida. Talvez o medo me guie para o melhor caminho no momento.

De repente, levanto os olhos para Alexandre, que me encara de volta, esperando que eu envie o documento.

— Eu vou só revisar, pode ir para a sua sala ler.

Ele coloca as mãos nos bolsos e se retira em silêncio, com postura de superioridade.

Eu me sinto pequeno, vencido.

Era minha última chance, ou eu perderia meu cargo.

Me lembro da minha conversa com Pedro, em que ele me disse que iria morar na Inglaterra. Pedro está assinando a papelada com o Chelsea às escondidas, e ninguém, além de nós dois, sabe disso.

Meus dedos teclam o computador com agilidade, me deixo levar pela intensidade das minhas emoções e pensamentos, sem usar a razão.

Eu precisava de uma matéria e Pedro iria morar longe de mim.

Eu estava com meu cargo em jogo, nossos encontros acabariam e nós nunca teríamos a oportunidade de ser o que eu tanto quero que sejamos, a não ser, que ele tivesse um motivo para ficar.

A não ser que o Barcelona não aceitasse o contrato.

Minha respiração fica ofegante com a rapidez em que minhas mãos se mexem, frenéticas como um furacão. Quando percebo, já tenho uma matéria inteira.

Uma matéria inteira com um conteúdo que deveria ser sigiloso.

Não penso muito, apenas envio para o e-mail da empresa e afundo meu rosto nas mãos, em choque com o que acabei de fazer.

Já não tinha mais volta.

Nesse instante, eu posso ter acabado de estragar os planos de Pedro.

A culpa me consome por inteiro. Me levanto da cadeira, levemente tonto. Tranco a porta do escritório e me permito chorar pelas próximas horas.

Talvez ele nunca me perdoasse, não quisesse mais olhar no meu rosto pelos próximos meses ou anos. Eu teria que lidar com isso.

Mas como se lida com a indiferença de alguém tão querido por nós?

Eu não tenho ideia.

No dia de hoje, eu mesmo me surpreendi com minhas próprias ações. É chocante como o medo e o desespero interferem diretamente na maneira de agir das pessoas. Eu vivi isso hoje, pedacinho por pedacinho, e não gostei nem um pouco.

Além de tudo isso, eu fui antiético.

Eu enviei uma matéria que não poderia ser enviada, sobre alguém que eu gosto. Eu enviei uma matéria sigilosa sobre o Pedro.

Com certeza, eu não cumpri o meu trabalho.

Eu nunca me perdoaria por isso.

                                            ✶

N/a: tô com um leve bloqueio de escrita :( espero que não tenham achado tão ruim assim. obrigada pelos 10K, beijos!

Entrelinhas De Barcelona | pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora