Capítulo Seis.

404 33 9
                                    


JOÃO ROMANIA.
9 de maio de 2019.

Meu voo de volta para Barcelona foi tranquilo, consegui dormir por algumas horas e deixei de lado minha preocupação com o meu trabalho por um momento, foi gratificante. Com os olhos fechados e uma boa música nos ouvidos, imaginei como meu pai ficaria orgulhoso de mim e da minha matéria.

Claro que, não era minha primeira matéria que estourava desse jeito, mas toda conquista, pra mim, era um grande passo para o meu futuro.

Meu futuro sempre foi a minha maior prioridade. Desde o fundamental, eu me inscrevia todos os anos no máximo de extracurriculares possíveis, possuía as notas mais altas de sala e até de show de talentos eu participava para ganhar mais medalhas e troféus.

Minha mãe sempre esteve orgulhosa de mim, claro, mas nunca deixou de se perguntar por que eu me cobrava tanto. A verdade é que, quando se tem um pai perfeito em tudo o que faz, a cobrança vira algo automático, como se eu precisasse ser uma versão dele.

Mas eu não queria ser apenas uma versão dele, eu queria ser melhor.

Quando eu entrei no Diário de Barcelona, minha intenção não era ficar por muito tempo, porque eu precisava apenas adquirir experiência. Após um ano, eu mandei muitos currículos, mas nunca obtive respostas, então, consequentemente, me senti preso ao jornal do meu pai.

Eu ainda me sinto preso, na verdade. Minha relação com a família é de se invejar, mas minha vontade de ter mais independência, as vezes fala mais alto.

Trabalhar no jornal do pai, receber salário que vem da sua própria família, não foi o que eu planejei por anos na escola.

Eu lembro como se fosse hoje: O dia que eu fiz o meu bom e velho Cartaz de Planos.

Até hoje, esse cartaz está guardado nas minhas bagunças na casa dos meus pais.

O Cartaz de Planos era muito simples: No centro, um belo desenho de um João Romania versão palito, com cabelos cacheados e sorriso largo. Várias setas rondam o 'João palito', cada uma com um desejo para o futuro. Um desejo que eu teria a obrigação de realizar.

Em cima da cabeça do bonequinho, havia o meu maior sonho: Ter um jornal independente.

E é por ele que eu luto todos os dias.

Até agora, não me sinto tão perto de alcançá-lo. Apesar de ter matérias de sucesso e o Diário de Barcelona ser o mais conhecido da cidade, não era o que eu queria.

Eu não queria viver na sombra do meu pai.

Balanço a cabeça, afastando os pensamentos que me rondavam naquela tarde.

Eu não posso me deixar levar novamente com pensamentos negativos.

Largo minha bolsa em minha cama, sorridente ao ver meu gatinho, Vicente, deitado em meu travesseiro.

— Com muita saudade do papai? - pergunto convencido, sorrindo quando o gato se levanta e se aninha em mim.

Deposito um beijo na cabeça do Vicente e percorro pela casa, procurando meus outros gatinhos. Chicória estava escondida e Quito e Santiago brincavam na cozinha, me recebendo com miados felizes.

— Oi meus amores. - digo animado, me sentando no chão.

Eu sempre tive essa mania de conversar com meus gatos como se eles realmente fossem me responder. Deitado no chão, conto para eles como foi a viagem e coloco a ração para os quatro.

Sou interrompido por batidas na porta, então caminho até ela com um sorriso nos lábios, pois já sabia de quem se tratava. Meu sorriso se alarga quando vejo que estava correto. Renan e Giovana estão me esperando com abraços calorosos e sorrisos.

Cumprimento meus amigos e permito que entrem em minha casa.

— Achei que iam pegar madrugada hoje. - digo confuso, porém feliz.

— Eu também, mas seu pai me dispensou. - Giovana joga os ombros. — A parte de variedades já estava cheia de coitados hoje.

— A de política também. - Renan completa, se jogando em meu sofá.

— Sério João Vitor, esse lugar é insuportável sem você. Seu pai vira o demônio. - Giovana reclama, deitada no chão ao lado do Quito.

— Giovana! - repreendo.

Eu sabia que meu pai era durão na empresa, porque comigo ele também sempre foi. Mas a versão dele quando estou fora parece ser pior, já que resta mais trabalho para os que ficaram, inclusive para ele.

— E ele não fez nada na empresa além de te xingar e tomar aquele café gelado dele que tem gosto de morte. - meu amigo fala, suspirando.

— Ainda nem consegui falar com ele. - confesso, preocupado. — A matéria está sendo um sucesso, mas em compensação, o tal Tófani está quase explodindo de tanta raiva de mim.

Me recordo da sua atitude no hall do hotel e das suas falas raivosas, me desencadeando uma risada.

— Vocês acreditam que ele queria que eu apagasse a matéria? - digo incrédulo, me sentando na poltrona e cruzando as pernas.

— Acredito, um jogador famoso como ele, só tinha como surtar mesmo. - a mais baixa responde, rindo baixo.

— E eu já estou escrevendo outra sobre o jogo, e citei ele duas vezes. - comento, indiferente. Renan e Giovana se encaram antes de rir. — Ah gente, eu não tenho culpa que ele foi crucial para o time dele perder.

— Eu não assisti o jogo, mas se você está dizendo, eu acredito. - Renan murmura, encarando o celular em suas mãos.

— Juro! Mas essa matéria nova é sobre o Liverpool e a vitória deles, não senti necessidade de citar tanto o Tófani. Dois comentários foram o bastante.

— Você é estranhamente imparcial, acho que não dá problema. - minha melhor amiga diz.

— Eu também acho, eu só citei os fatos. - jogo os ombros. — Mas e aí, quem quer pizza?!

— Eu quero! - os dois respondem ao mesmo tempo, rindo em seguida.

Entrelinhas De Barcelona | pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora