27.3 - Reparando regressões

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Alison

Passei quase meia hora em ligação com Caleb, o intrigando com a minha vida. Por motivos que ainda estavam um tanto quanto enevoados na minha cabeça, ele se mostrou muito interessado em cada detalhe que eu tive a compartilhar sobre Noah.
Ele me disse que só havia o visto uma vez, naquele dia da confusão na oficina do tio de Danny, mas era totalmente compreensível que a memória dele fosse bem vívida em seu cérebro, Noah não tinha uma aparência, exatamente, "esquecível", e este era parte do meu problema com ele.
Entretanto, por mais atraente que fosse, depois que relatei como minha mais recente interação com ele havia se desenrolado, tanto Caleb quanto eu concordamos que era muito bom que ele estivesse de partida amanhã.
Eu havia dito aquilo tudo sem temer represália alguma, Noah não me assustava ou verdadeiramente representava qualquer tipo de ameaça, no meu ponto de vista, mas era só mais fácil levar a vida o evitando. Queria eu saber disso meses atrás, quando me envolvi com ele pela primeira vez, mas já estava feito. Agora era só questão de seguir em frente.
Me despedi de Caleb, cedendo a seus pedidos para que passasse a noite com ele hoje e avisando que só iria encontrar Kat e me certificar de que não precisava de ajuda com mais nada agora, ou com a pós-festa, e já estaria a caminho de sua casa em um Uber.
No entanto, foi aí que o problema se instaurou: onde estava Kat?
Caminhei tranquilamente por todo o espaço enfeitado da Heaven's, entre as pessoas animadas na pista de dança, pela área de jogos, onde a maioria dos garotos continuavam muito entretidos, nos balcões de comida, nas cabines e estandes de fotos... nada.
Mas ainda não estava preocupada, haviam as áreas de descanso para funcionários, o cinema ainda fechado, seu escritório, as escadas escondidas para o meu loft... e nada!
E então eu estava mandando mensagens que sequer chegavam, fazendo ligações que apenas não completavam, perguntando para algumas pessoas, mas ninguém sabia de muito.
Ouvi alguns poucos "eu a vi com a irmã dela", mas eu ainda estava do lado de fora, no celular, quando Diana saiu com algumas de suas amigas, enérgicas e estridentes como ela. Kat não estava entre elas e ela não sairia sem me avisar antes, algum responsável precisava ficar até o final e ela teria que me avisar, se precisasse se ausentar, porque eu era sua imediata.
Uma possibilidade então me passou pela cabeça e senti meu rosto esquentar com o mero pensamento, não querendo que a imagem tomasse forma na minha cabeça. Mas logo percebi que não havia fundamento, pois Blake estava no mesmo lugar que esteve sentado a noite toda, agora bem engajado em alguma conversa com Mackley, então... sem "rapidinhas"
. Mas ele poderia saber de alguma coisa. Eu realmente não queria incomodá-los...
Somente considerar me aproximar daqueles dois era desconfortável, mas eu estava sem mais opções para procurar ou perguntar e já alcançando certa gravidade na preocupação.
Então, me concentrando em respirar normalmente, mas sem o mesmo nível de controle em meus passos tortos e destrambelhados, eu os alcancei, pigarreando para me certificar de que minha voz não sairia afetada, ou algo do tipo.
O que já foi o suficiente para ambos me olharem.
— Olá, querida! Finalmente veio dar atenção aos convidados VIPs? — Mackley brincou, sorrindo para mim. Só consegui acenar em resposta, com um riso frouxo.
— Oi, ahm... Vocês... — Mais um pigarro esquisito. — Vocês... viram a Kat? Ela não... não está me atendendo.
Por seja lá qual for a razão, Blake pareceu tão, ou ainda mais incomodado do que eu, respondendo de uma só vez:
— Ela precisou dar uma saída, acho que daqui a pouco está de volta.
— Ah... sim. — Não entendi o porquê da inquietação e me assustou um pouco não ter a mínima ideia do que faria Kat "dar uma saída" sem sequer me mandar uma mensagem antes, mas... me confortava um pouco saber que alguém foi notificado de sua ausência. Eu só esperava que esta saidinha dela não demorasse demais. — Obrigada.
Eu já estava pronta para sair dali o mais rápido que podia para deixar de atrapalhá-los, mas ouvi Mackley me chamar assim que comecei a me virar.
— Sim? — Forcei um sorriso amigável, esfregando as unhas em minhas palmas suadas.
— Você, por acaso, não usa mais o Instagram?
Necessitei de alguns bons segundos para aceitar que não tinha ouvido errado a pergunta repentina e de quase um minuto inteiro para superar a fúria que Blake lançou para ele com os olhos.
Mackley, no entanto, ignorou ambas as reações e reforçou:
— Então, não usa?
— Eu, ahm... ahm... — Não usava mais rede social nenhuma desde o incidente daquela foto minha e de Blake, que caiu nas mãos do público geral, criando conclusões absurdas. Eu, honestamente, não quis mais saber de interações virtuais com estranhos depois daquilo, foi humilhante! — não. Não uso mais.
Não me atreveria a questionar o motivo de sua pergunta.
— Ah... que pena. Deveria dar uma olhada qualquer hora, fiquei sabendo que algumas coisas legais estão viralizando por lá.
— Mack, cala a boca — Blake resmungou, sua voz, tenebrosamente grave.
— Só uma dica. — O guitarrista despreocupado piscou para mim.
Sorri, sem saber mais como reagir.
— Ok. Obrigada.
E então eu estava me afastando, indo até outra fileira de bancos na área de jogos.
Observando em volta com atenção ao menor sinal de Kat, em qualquer ponto, meu radar acabou se dando conta de uma outra ausência, tanto agora, como quando estava a procurando por aí.
Dennis. Eu não havia visto sua cabeça loira uma só vez desde que havia entrado e, da mesma forma que aconteceu com Diana, eu teria notado a saída dele do lado de fora, por mais distraída que estivesse.
Uma percepção horrível começou a me acometer ao ligar os pontos: O rapaz no pé de Kat quase em toda oportunidade que teve, a irritação constante dela com sua irmã pelo que havia acontecido no ano passado e por todas as provocações, o desconforto visível de Blake quando perguntei sobre o paradeiro de Kat... Ai, não...
Por isso ela não havia me avisado nada. Ela estava em algum canto tendo uma péssima recaída com o seu ex traidor!
E, enquanto isso, Blake não apenas havia presenciado a coisa toda, como também estava aqui, deixado de lado sem sua companheira feminina.
Eu queria tanto poder conversar com ele... explicar que ele precisava ter paciência com Kat, porque ela havia tido sua farta cota de sapos e agora provavelmente era difícil para ela apenas compreender que havia encontrado o príncipe. Queria tanto lhe implorar para não desistir dela e oferecer as chances que ela precisava para cair em si!
Mas a verdade era que, antes de tudo, ele estava estranho comigo. Desde que havia voltado da viagem, as coisas... não eram mais as mesmas. Ele não me mandava mais músicas, não tirava sarro dos meus "gostos modernos", não me abraçava nem para tirar uma foto, não me ligava mais para me contar sobre seus sonhos mega detalhados e repetitivos...
Olhei para ele ao longe, de novo, muito focado em seu melhor amigo.
Poxa... uma semana já havia se passado.
Uma vez, decidi, me levantando. Eu ousaria tentar apenas uma vez.
Mackley cutucou seu ombro, apontando para mim com o queixo, quando me viu aproximar de novo.
Blake se virou, sem nada expressar.
— Oi, hm... você está ocupado? Eu... queria conversar com você, só por um minuto.
—... Claro. Pode ser.
— Eu vou dar uma olhada nas gatinhas por aí. — Mackley saiu rápido, antes que alguém pudesse responder qualquer coisa.
Blake indicou o banco agora vazio ao seu lado.
— Quer se sentar?
— Na verdade... se não for incômodo, a gente pode... pode subir até a minha casa? Tem algo lá que eu quero te mostrar.
Pensei ter visto um certo vislumbre de um sorriso em seu rosto, mas o deixei de lado quando sua mandíbula se contraiu.
Colocou-se de pé num só impulso.
— Não é incômodo nenhum, vamos lá.
— Certo.
Assim, entre inúmeros empurrões, "licenças" e "desculpas", seguimos para a saída de emergência mais distante da Heaven's, onde também ficava uma das áreas comuns para funcionários. O espaço era equipado com um sofá, uma máquina de salgadinhos, duas mesas pequenas com suas devidas cadeiras, a própria saída que levava para a rua de trás e, enfim, as escadas caracol de metal que levavam até o andar de cima.
Soube que Blake ainda estava em meu encalço por pura sensação, pois durante todo o percurso, e com o minuto inteiro que minhas mãos trêmulas levaram para destrancar a grade de metal instalada no corredor, ele permaneceu em silêncio absoluto.
Encostei a grade fechada depois que ele passou e então estávamos andando até as portas duplas do loft. Uma vez dentro, acendi as luzes, lhe dando espaço.
— Fique à vontade e... desculpe a bagunça — pedi, escolhendo sofrer mais tarde por ele estar presenciando os pedaços de tecidos que foram espalhados e esquecidos pelo chão, enquanto eu costurava as calças de linho que estava usando agora.
Porém, Blake não parecia incomodado, sorrindo levemente.
Apenas comecei, antes que as palavras se perdessem:
— Então, ahm... eu queria primeiro te pedir desculpas. Por estar fazendo isso só agora, eu quero dizer. — Cocei minhas palmas de novo. — Eu sei que já faz uma semana, mas... dia cinco foi seu aniversário e, não, eu não esqueci e te chamei aqui porque tenho um presente pra você. Não tive oportunidade de te dar antes, mas, enfim... te chamei aqui agora para isso. Desculpa mesmo. — Decidi que fui bem, apesar das pausas e repetições nervosas.
As feições de Blake aos poucos se transformaram em um misto agradável de alegre e surpreso.
— Alison, não... não precisava se incomodar. Eu pensei que você sequer soubesse do meu aniversário.
Minha cara involuntariamente se entediou.
— Até parece que eu não saberia.
Ele arqueou as sobrancelhas, rindo conforme se lembrava do meu posto de fã número um.
— Ah, verdade. Sinto muito.
Gesticulei, pedindo que esquecesse.
— Enfim... — Andei até a parede ao lado da porta esquerda, perto de onde ele estava parado, apontando para o quadro grande coberto ali no canto, ainda no cavalete. — É este aqui.
Agora o sorriso dele se abria incandescente, feito o sol às três da tarde.
— Você pintou um quadro pra mim?
— Sim, mas... — Mordi uma pelinha do lábio em hesitação. — eu não tenho mais certeza se foi uma boa ideia. E super entendo se você não gostar, eu só... tive o impulso de pintar e acho que deveria ser seu.
— Acho que é literalmente impossível eu não gostar. Me deixa ver meu presente logo, Alison! — Ele se aproximou, parecendo um tanto quanto ansioso.
— Ok — murmurei ainda não muito confiante, mas logo tratando de puxar o tecido branco de cetim que o cobria.
A pintura azulada se revelou junto do choque crescente em seu rosto.
Blake andou para os lados, se abaixou, esticou o pescoço, olhou de perto, se afastou... cada mínimo detalhezinho da tela parecia ser seu foco, mas... novamente, silêncio absoluto. Meu lábio inferior sangrou um pouco, de tanto que o mordiscava, e minhas palmas ardiam, pelo tratamento com as unhas.
— Era pra ser o seu sonho — comecei a explicar, não aguentando mais. — Aquele do chalé inundado que você me contou, mas... uma outra versão dele.
Sem endireitar sua cabeça pensa, que admirava o quadro, os olhos de Blake pularam para mim.
— Que versão? — perguntou, ainda inexpressivo.
— Uma que eu imaginei após a inundação... sabe? — Eu mesma me coloquei para admirar o que tinha retratado.
A parede de vidro que ele mencionou não mostrava nada além de um grande corpo d'água aquecido pela luz do sol. Agora o violão, as almofadas grandes e o tapete, que era tudo o que ele dizia enxergar em seus sonhos, estavam encharcados, pesados pela água, grandes poças em volta de tudo e pelo assoalho de madeira. Mas o tapete estava bem esticado sob a luz do sol, pintei a superfície das almofadas em tons mais vivos, para indicar que secavam aos poucos, e o violão estava... "reparado". Cordas estavam estouradas, o braço estava quebrado, mas emendas com fita reforçada prateada o seguravam no lugar, e, principalmente, as poucas gotículas que escorriam pelo instrumento refletiam a luz do sol, trazendo um bonito contraste entre o alaranjado suave e os tons azuis que havia utilizado na tela.
Podia dizer que estava particularmente feliz com o meu trabalho, mas...
— Não tenho certeza se esta foi uma boa imagem para eternizar, mas, depois que me contou, a ideia não saía mais da minha cabeça. A intenção era mostrar que nada estava estragado em definitivo. Mesmo que você não goste tanto do sol, mesmo que pense que abusou da imagem com a sua música, mesmo que o sonho não seja mais tranquilo... ainda há conserto para tudo, sabe? A inundação não precisa ser a ruína. — Levantei um ombro, num pedido de desculpas silencioso. — É só uma interpretação.
Blake piscou, absorto, e então, ainda me subjugando à carência de reações, ele apenas andou até mim.
Próximo. Muito mais do que esteve em dias.
E o que faltou em palavras e expressões, ele compensou com a sensação que temi nunca mais sentir. Seus braços embalaram meu corpo, me aconchegando contra o seu, devagar e tranquilo e eu... só pude suspirar.
Nem sequer tentei resistir ao impulso de abraçá-lo de volta, era mais do que me preocupar se estaria cruzando limites, era mais do que repensar minhas atitudes, era mais do que me sentir nervosa por ser ele, era só... aquele casulo maravilhoso que seus abraços formavam. A satisfação e a tranquilidade eram deíficas, tudo o que eu precisava para tudo ficar sempre bem.
Não sabia que tipo de magia era esta que ele tinha, mas não era algo a ser explicado. Em toda oportunidade que me cedesse, eu somente aproveitaria.
Fechei meus olhos, quando os senti marejarem.
— É a coisa mais linda que alguém já fez pra mim — murmurou, contra o meu cabelo. — Eu confiei a você um tormento muito específico, mas jamais esperaria que algo pudesse ser feito pra me sentir melhor com isso, então... muito obrigado. Você é... a melhor, somente isso. A melhor.
Droga, as lágrimas iriam escapar...
— Hmm... — Não conseguia emitir mais nada sem que minha voz soasse emocionada. Me concentrei na mão enorme que esfregava minhas costas com calma e limpei a garganta, para conseguir desejar: — Feliz aniversário atrasado. Fico feliz que tenha ficado feliz.
— Muito feliz, obrigado. É o segundo melhor presente que já ganhei. — Seu esterno inflou, quando ele respirou fundo. — O primeiro é a Beth.
Sorri contra seu tronco, os olhos ainda cerrados.
— E como ela está?
— Preguiçosa, comilona... brincalhona... debochada — citou devagar e pude ouvir o sorriso em sua voz.
— Então ela está perfeitamente bem. — Quem não estaria, tendo Blake como dono? Eu estava colada nele há poucos minutos e me sentia no céu.
— Está, sim. — Sua mão parou um pouco, conforme hesitou, mas não se demorou. — Você deveria vir visitá-la qualquer hora...
— Só me diga quando e eu estarei lá.
— Amanhã mesmo, se você quiser.
Abri os olhos de repente, a realidade me despertando.
Minhas mãos se fecharam no tecido grosso de sua jaqueta e eu me forcei a afastar um pouco.
— Amanhã eu não posso... meu amigo vai vir aqui pra gente trocar algumas dicas de arte. Mas é só amanhã, qualquer outro dia eu posso. Qualquer outro — reforcei, a esperança o encarando olho a olho.
Se não estivesse tão ansiosa para finalmente me encontrar com Danny, provavelmente teria cancelado tudo para não perder a oportunidade de conhecer o lugar onde Blake morava, por mais rude que isso fosse. Era algo que toda fã sonharia em fazer e não me excluía desse título. Provavelmente nunca iria.
Mas eu queria muito me aproximar de Danny, queria demais! Meu coração priorizava isto com o mesmo vigor.
A tranquilidade de Blake, entretanto, rechaçava minha batalha interna como se ela não fosse nada.
— Terça, então. — Levantou um ombro, resolvendo. — Mack vai passar uns dias na cidade e a gente sempre acaba brincando com alguns instrumentos, então... — Minha boca caiu aberta.
— Ah, eu iria adorar ver isso!
— Achei que gostaria. — O sorriso dele se fez mais presente nas linhas que se formavam nos cantos de sua boca, do que realmente em um sorriso. Mas então elas sumiram de repente, quando ele disse: — Chama o meu irmãozinho pra vir também. Eu sei ele não anda saindo muito...
— Ok! — concordei rápido, com a ideia apenas cintilando na minha cabeça: — E a Kat? Posso chamar a Kat também?
Sobre a coisa toda com Dennis hoje, eu conversaria seriamente com ela na primeira oportunidade que tivesse, mas mais aproximação sempre seria uma boa. E isso também incluía a estranheza entre Caleb e ela.
Sim, isso teria que ser resolvido. Quer fosse só uma impressão ou não, não tinha como deixar isso para lá.
— Pode trazer quem você quiser, gatinha.
Algo dentro de mim se derreteu. Gatinha!
Eu não tinha percebido até este momento o quanto havia sentido falta disso também.
Ele sorriu, me soltando de vez e dando dois passos para trás.
— Muito obrigado pelo presente, Alison. — Se virou até o quadro, removendo-o do cavalete e o admirando. — Realmente não precisava se incomodar, mas eu tô bem feliz que se incomodou. Quanto tempo levou pra fazer?
— Em torno de duas horas. — Ele arqueou as sobrancelhas, parecendo atônito. — É assim quando estou inspirada. Até desenhei, cortei e costurei um vestido também, naquele mesmo dia. Aquele verde, lembra? Que eu usei no dia da exposição do Caleb.
— Ah, lembro, mas... — Franziu as sobrancelhas grossas, olhando para o quadro, e eu percebi sozinha a confusão na linha do tempo que havia acabado de criar na sua cabeça.
— Eu ia te dar a tela de presente antes, mas não sabia que ia te ver no dia da exposição, e logo depois o Caleb me animou com a ideia repentina da viagem, então...
— Ah, entendi. — Assentiu, voltando-se para o quadro.
— Mas eu tinha preparado algo pra te dar no dia mesmo do seu aniversário, depois que o Caleb me avisou que você vinha nos buscar em Atlantic City, só que... — Gesticulei, deixando de lado. — Bom, você se lembra do que aconteceu aquele dia.
Me olhou, interessado.
— Você tinha preparado algo além do quadro?
— Sim, mas era só um desenho feito às pressas. Já que eu estou te dando um presente atrasado, eu prefiro te dar este, que está muito mais bem feito.
— Mas... o que era, o outro desenho? Você ainda tem?
Me desnorteei um pouco.
— Ah, eu... acho que sim. Deve estar na minha bolsa ainda.
Seu rosto se alegrou.
— Posso ver?
— Hm, ok.
Subi os três degraus onde ficavam minha cama e meu guarda-roupa, e o abri, encontrando minha bolsa de crochê com facilidade. Folguei a cordinha que a segurava fechada e esvaziei todo o conteúdo dela na cama, a chuva de cotocos de lápis, papéis amassados e embalagens de doces se espalhando pela colcha.
O desenho que havia improvisado para Blake na praia foi fácil de identificar, era o único que havia propriamente dobrado antes de guardar.
Abri a folha, olhando para o desenho realista e bem sombreado de Beth, a gata frajola de Blake, e admito que me lembrava dele com bem menos carinho do que merecia. Se eu tivesse removido as rebarbas da folha, colocado em uma moldura e apenas entregado para ele no exato dia de seu aniversário, seria uma lembrança legal.
No entanto, como disse, se era para atrasar, que fosse com algo mais apresentável.
— Aqui. — Virei o desenho para ele, que me olhava com expectativa, para então sorrir com o mesmo fascínio nos olhos que demonstrou pelo quadro em suas mãos.
— Uau, isso é demais! Tá igualzinho a ela!
— Eu... copiei de uma foto do meu celular. Ela deve ter crescido mais e já está estragado agora pelas marcas de dobradura, mas... bom, o quadro é um presente melhor.
Blake aceitou a folha, admirando os detalhes e então me olhou.
— Eu compro de você. Quanto você quer por ele?
— O quê? Não, de jeito nenhum! — Até parece que aceitaria o dinheiro de Blake Lowell!
— Você desistiu de me dar, mas eu quero — explicou, categórico. — Então eu compro. Quanto?
— Blake, não! Pelo amor de Deus, não! — neguei, balançando as mãos no ar. — Se você gosta tanto assim, pode ficar. Era pra você mesmo.
— Tem certeza?
— Absoluta. — Exalei uma risada, um pouco abismada. — E obrigada por apreciar tanto a minha arte assim.
— Foi o que disse, você é a melhor. Eu que agradeço por... tudo isso. — Mostrou o quadro e a folha como se fossem igualmente preciosos. — Bom, eu... já estava querendo ir, então... vou colocar tudo no carro e chamar o Mack.
—... Ok. — Segurei o ímpeto de lhe negar isso, dizendo para ficar, tipo... para sempre!
Agora ele parecia genuinamente alegre com seus presentes, havia me abraçado de novo, me chamado pelo apelido carinhoso... foi quase como era antes. Mas será que permaneceria desse jeito, conforme os dias passassem? Eu não gostava dessa incerteza. As coisas com Evan já haviam regredido até o ponto da completa decepção, eu não aguentaria se o mesmo acontecesse com mais alguém de quem gostasse.
E com Blake era sempre tão... difícil. Eu sei que ele nunca foi menos do que amigável comigo, mas acho que nunca me sentirei cem por cento segura do que posso e o que não posso dizer.
Por outro lado, esta ainda era a minha "uma tentativa" e ela estava ocorrendo muito bem. Não seria tão ruim assim se eu apenas tentasse mais um pouco, seria?
Vamos lá, Alison, normalize, normalize!
Comecei com a primeira coisa que me veio a cabeça:
— Blake, eu... eu posso te recomendar mais músicas qualquer hora? Você me deu aquele cubo e estou sempre me apaixonando por várias músicas diferentes que você já tinha salvado nele... — Olhei em direção ao meu móvel de cabeceira, onde o mencionado cubo e a minha boneca princesa repousavam sobre o livro e o caderno que não havia mais tocado desde o término com Evan. — E só quero retribuir, eu acho.
Blake pareceu distante por um momento, mas logo estava assentindo, com um sorriso fraco.
— Vou esperar ansioso pelas suas recomendações.
— Legal. — Um pensamento brincalhão passou pela minha cabeça, o observando, e eu não fui capaz de mantê-lo quieto: — Eu estava pensando em te mandar algo dos Backstreet Boys, mas acho que você já está bem familiarizado...
Ele franziu o cenho por um segundo, parecendo não entender, mas então seus olhos caíram para suas próprias roupas brancas e ele emitiu uma sonora e gostosa gargalhada, balançando a cabeça.
— Alison Cansoli, como você se atreve?
Encolhi os ombros, mordendo minha própria língua.
— Tudo bem, também tenho algumas ótimas do Justin Bieber... depois eu decido.
Ele assentiu, seu rosto bonito retorcido em divertimento.
— Faça isso e eu te mando Jo Stafford, só pra você se lembrar com quem está falando.
— Jo, quem?
— Exatamente.
Nós dois rimos e, internamente, eu estava mesmo procurando alguma música do Bieber que gostasse, por pura curiosidade com sua resposta.
Com isso, já estávamos de saída. Ajudei Blake a descer as escadas com o quadro e, pegando o atalho pela saída dos fundos, o acompanhei até o seu carro no estacionamento, o ajudando a cuidadosamente colocá-lo no porta malas de maneira segura, sem risco de causar danos à pintura durante a viagem.
O desenho ele já havia dobrado nas marcas feitas e colocado no bolso da jaqueta.
Me despedi, dizendo que faria o favor de encontrar Mackley lá dentro e o avisaria que ele estava o esperando no carro, mas... no primeiro passo que dei depois de acenar, Blake tomou minha mão na sua e me puxou para outro abraço.
Outro longo, quente e delicioso abraço...
Permanecemos presos nele por uns cinco minutos, mas por mim eu ficaria por toda a eternidade. Um abraço de Blake por dia e eu viveria feliz.
Nos despedimos de novo, depois dele agradecer mais algumas vezes, e aí realmente entrei para procurar seu amigo.
E, graças a Deus, logo depois de me despedir dele também, eu encontrei a minha amiga!... Que teve a cara de pau de parecer preocupada comigo quando me viu.
— Onde você estava? Te procurei por toda parte!
— No meu loft, com o seu "não-namorado" tentando animá-lo com presentes, já que você esqueceu dele. — Cruzei os braços e ela meneou, parecendo não entender. — E você, Kat, onde estava quando eu realmente te procurei por toda parte?
Seus ombros caíram, quando ela exalou com força.
— Tomando um ar também.
— Ah, é? E o Dennis se chama oxigênio agora? Porque só dessa forma "tomar um ar" poderia se assemelhar com "dar uma rapidinha com o meu ex idiota".
Minha amiga arqueou as sobrancelhas, tendo a indecência de rir.
— Kat, isso não é engraçado! Blake ficou super sem graça quando eu perguntei a ele onde você estava! Isso foi triste e não precisava ter acontecido.
Kat abriu a boca algumas vezes, antes de simplesmente negar com a cabeça.
— Amiga, você obviamente tem sua própria versão na cabeça, então vou te deixar com ela por enquanto. Amanhã a gente conversa sobre isso direitinho. — Ela penteou minha franja com os dedos e puxou algumas mechas alisadas do meu cabelo para cima dos meus ombros, logo depois pousando suas palmas neles. — Mas uma coisa eu te garanto agora: Blake não tem motivos para ficar sem graça, porque nada aconteceu com Dennis.
— Kat, eu não sou idiota. — Lancei meu olhar mais condenável. — Ele sumiu ao mesmo tempo que você e, olha só... — Encontrei Dennis sem dificuldade alguma, apontando. Ele agora jogava hockey de mesa com algum desconhecido ao longe. — Agora que você está de volta ele também está bem ali! Estranho, não?
Cruzei os braços, a desafiando a discutir, e percebi quando sua confiança esmaeceu, enquanto trocava o peso em seus pés.
Mas o momento foi breve e ela estava fingindo cinismo de novo.
— Juro que isso é pura coincidência. — Deu de ombros, numa tranquilidade que não sentia.
Parte minha sempre se feria um pouco quando ela jogava essas atuações para cima de mim. Eu entendia que para o resto do mundo ela tinha essa necessidade boba de interpretar personagens impecáveis, mas eu era sua melhor amiga e, a esta altura, ela deveria saber que não precisava de nada disso comigo. Mesmo se ela estivesse casada com Blake e tivesse o traído na sua frente, eu poderia até não gostar de sua atitude, mas jamais viraria as costas para ela. Doía saber que sua confiança em mim possuía este limite implícito.
— Eu não acredito que está mentindo pra mim, Kat — foi tudo o que meu desapontamento me permitiu dizer e sua pose despreocupada foi se desfalecendo, camada a camada, bem diante dos meus olhos.
— Ali, eu... sinto muito — disse, entendendo que não podia dizer nada diferente. — Mas, olha, pense dessa forma por enquanto... — Suspirou. — Se eu estiver mesmo mentindo para você é porque tenho um bom motivo.
— Isso é besteira! — recusei no mesmo segundo.
— É e não me orgulho nem um pouco disso. Mas... preciso que você me compreenda, amiga. Por favor, só faça isso...
Queria ser só um pouquinho mais dura e apenas continuar a socar a tecla do "estou brava e decepcionada", mas, novamente, eu não gostava de regredir com ninguém.
— Vou confiar em você — decidi meu meio termo. — Mas isso não quer dizer que estou feliz com o que você fez. É mais do que Blake, Kat. Esse cara te fez algo imperdoável, que até hoje te faz sofrer. Você precisa se valorizar!
Ela assentiu minimamente e suas feições tristes partiram meu coração. Mas pelo menos eram verdadeiras.
— Você está certa, eu... você está certa. Me desculpe.
— Está tudo bem. — Foi minha vez de afagar seus braços nus. — De verdade.
— Obrigada por confiar em mim — agradeceu, sua voz fraca.
— Sempre, sua boba. — Tomei sua cintura num abraço de reconciliação, o qual ela devolveu com veemência, demonstrando o quanto precisava disso.
E com a situação parcialmente sob controle, finalmente consegui fazer o que queria a quase uma hora atrás, que era me certificar de que ela não precisaria mais de mim, mas... acabei mandando uma mensagem para Caleb dizendo que estava cansada demais e ficaria em casa mesmo.
Ele me respondeu com uma carinha triste, mas entendeu, me desejando boa noite.
Ao chegar no topo das escadas, soltei um longo e exausto suspiro. Precisava muito dormir... a noite havia sido turbulenta.
Mas não poderia esperar nada diferente, mesmo sem drama algum. Nunca fui do tipo festeira.
Principalmente sem o Caleb.

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