Capítulo 2

882 131 103
                                        

Olhei para a corda iluminada na minha frente, a corda bamba era minha parte preferida, que também é conhecida como arame. Eu estava fazendo o solo aéreo, enquanto outras bailarinas faziam acrobacias por meio da dança, com bambolês e bolas de plástico gigante lá embaixo. Respirei fundo e coloquei meu pé direito sobre a fina corda. Ao meu lado a plateia esperava ansiosa.

Quis tentar algo novo, que poucas faziam, então cheguei ao meio na corda e vir-me-ei para meu público, fazendo uma reverência. Eles acharam que tinha acabado e bateram palmas, esperei essas cessarem e então pulei ouvindo todos soltarem exclamações de surpresa e medo, ao mesmo tempo. Ao voltar à corda, deixei que a parte de trás dos meus joelhos a tocassem e eu ficasse de cabeça para baixo. Balancei-me e toquei de posição algumas vezes.

Ao fundo, vi meus tecidos acrobáticos descendo pelo teto da lona circense. A luz parou de focar em mim quando eu saltei mais uma vez. Era hora de mudar de lugar sem que o público notasse.

Saí da corda bamba e correndo cheguei até meus tecidos, enquanto isso, as outras bailarinas faziam como um espetáculo típico de teatro e com os palhaços vestidos de príncipe de madeira, eles interpretavam a história.

Ergui-me até encontrar uma altura boa e esperei a luz voltar para mim, mas durante o tempo em que isso não acontecia prendi meus olhos na plateia. A sensação de fazer uma centena de pessoas sorrirem era incrível. Varri o local com meus olhos bem devagar, até que eles se fixaram numa garotinha que não prestava atenção nas meninas e sim em mim. Ela conseguia me ver? Não era impossível, mas quando eu não estava sendo iluminada, o foco do público, obviamente, virava-se para quem recebia a luz. Mas não com ela, a garotinha notava-me mesmo que não fosse eu a fazer o espetáculo naquele momento.

Segurei seu olhar e percebendo que eu a olhava de volta, ela cutucou a pessoa ao seu lado, um homem que ironicamente usava um terno amassado e tinha seus cabelos negros desgrenhados. Ela apontou para mim quando ele lhe deu atenção, meus olhos se voltaram para ele com certo divertimento.

Ele não estava "apropriado" para um evento circense. Eu evitava fazer isso, mas ainda assim não conseguir segurar meu cérebro de fazer uma história fictícia com base naquele homem. Talvez fosse um advogado, divorciado, aquela garota deveria ser sua filha, que ele vê de 15 em 15 dias, e hoje é um desses dias, ela insistiu muito e eles vieram ao circo, ele havia saído logo após o trabalho e não teve tempo de trocar de roupa. É, poderia ser uma boa história.

Os dois não pararam de me olhar, mas eu tinha que continuar com minha apresentação. Vi as meninas montarem a pirâmide humana e os palhaços se posicionarem atrás delas. Os garotos da pirofagia, que faziam atrações com fogo, apareceram ao lado do palco, e enquanto cada uma das bailarinas se jogava para trás, eles lançavam fogo no ar.

Enrolei meus pés no tecido para que pudesse girar com mais facilidade e quando a luz voltou a mim, eu soltei-me. Fui girando como uma bailarina em uma caixinha de música, porém de cabeça para baixo e com os braços soltos.

Aquele sentimento de liberdade me atingiu, era esse que eu sentia sempre que estava no circo, e depois de mês sem senti-lo era como se fosse algo totalmente novo e maior.

Deslizei pelo tecido chegando quase à base e voltei a me enrolar, olhei de soslaio Alex se aproximar com um sorriso. Ao meu lado as meninas batiam nos bongos e os garotos imprimiam sopros no trompete. Fiz algumas graças no ar e então o barulho parou. Sorri e me lancei contra o pano ao qual eu estava enrolada, desci até próximo ao chão e no final segurei nos ombros de Alex para ajudar a sustentar meu corpo enquanto minhas pernas estavam esticadas no ar, em uma perfeita abertura.

As pessoas se levantaram eufóricas e aplaudiram, Alex me girou e me ajudou a descer. Os 40 componentes daquela apresentação se juntaram ao picadeiro e nós agradecemos a presença de todos ali. Numa última olhada para o público, meus olhos encontraram os do homem, fictício — ou não — pai da garotinha. Sorri mais abertamente e ele retribuiu, me saudando com seu sorriso brilhante. Foi então que a cortina se fechou na minha frente, me deixando com o vislumbre daqueles olhos castanhos, em tons de mistério.

A Um Solo do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora