Balançaram o meu ombro e forcei minhas pálpebras pesadas abertas. Pisquei algumas vezes para empurrar o sono para longe e quando os foquei, encontrei o rosto de um homem de cócoras na minha frente.
- Está perdido? - ele perguntou e depois de um momento, quando sua fala fixou no meu cérebro, balancei a cabeça afirmativamente, sem saber como explicar o que eu estava fazendo ali. E, honestamente, eu não estava mentindo - Você fala? - ele perguntou, curvando um lado dos seus lábios.
- Sim - programei minha voz para sair ainda mais rouca do que ela era naturalmente.
Me sentei, meu rosto ficando a alguns centímetros do homem. Seus cabelos eram compridos, chegando a tocar seus ombros, em um tom castanho escuro, assim como seus olhos pequenos, e barba emoldurava seus lábios. Estava escuro e isso foi o que deu para reparar, além do chapéu com a imagem de uma caveira desenhada e quando ele se colocou de pé e estendeu a mão para mim, notei os vários anéis em seus dedos. Não queria ser rude, mas não poderia confiar em qualquer um, então ignorei sua mão me colocando em pé sozinha e peguei minha mochila, a jogando sobre o ombro.
- Qual seu nome, garoto? - ele perguntou, me analisando com os olhos estreitos.
- Ian - murmurei, desviando o olhar
- Sou Stefan, tripulante de um grande navio e precisamos de alguém para ajudar em nossas... expedições. Estava voltando para lá quando o encontrei aqui, está interessado? Mas vou avisando que deve ser corajoso e não ter preguiça de pegar no pesado - o homem parecia realmente estar falando sério, mas tive que perguntar para confirmar.
- Está falando sério?
- Pareço estar brincando? - na verdade ele parecia, pois apesar da pose de seriedade havia uma pitada de diversão em sua voz, mas eu guardei essa parte para mim - E então? - ele perguntou novamente. Um navio? Seria um bom jeito de fugir daqui, mas a questão de trabalhar era o maior obstáculo. Entretanto eu era jovem e inteligente, poderia aprender as tarefas.
- Eu aceito - contestei firmemente, mas enquanto caminhávamos para o gigante transporte marinho pensei que tipo de expedições eles faziam. O segui e escutei atentamente as regras de sobrevivência no mar, o que eu teria que fazer, como, por exemplo, manter o navio limpo. Stefan, apesar de sua aparência desleixada e suas roupas imundas, se havia mostrado um homem agradável e não consegui guardar isso para mim.
- Você é legal - comentei despreocupadamente. Ele me olhou e sorriu.
- Tome cuidado, nem todos são assim. Com você é novato, fique perto de mim. Serei seu supervisor, já que o encontrei - me orientou e eu apenas acenei com a cabeça.
Quando chegamos no porto, avistei de longe um enorme navio ancorado, com velas altas e uma bandeira chamativa com uma caveira idêntica a que estava no chapéu do homem ao meu lado. Tremi na base, travando meus calcanhares no chão.
- Não tenha medo ou as coisas serão difíceis para você. Se quiser desistir, está em tempo - Stefan disse seriamente. Pensei em realmente pegar minha mochila, minhas botas e minhas roupas surradas, correr dali, voltar para o aconchego da casa de papai e me enfurnar em meu quarto, onde eu estaria segura. Mas que graça teria isso? E eu não cheguei até aqui para desistir.
⚈⚈⚈⚈
De longe o navio parecia grande, mas de perto era uma verdadeira monstruosidade, me fazendo recuar um passo. Permiti que meus olhos vasculhassem cada centímetro da embarcação e a vontade de gritar e sair correndo era uma ideia tentadora. O que eu estava fazendo aqui? Porém, não era o tamanho, mas sim a aparência que me deixava tão desorientada. Era em um tom escuro que envolvido na escuridão da noite não consegui discernir se era marrom ou preto, as velas eram altas e bandeiras balançavam violentamente através do sopro do vento.
- Ande garoto - Stefan disse e caminhou na minha frente, não notando a minha provável palidez e o quanto eu estava me esforçando para manter meus pés em movimento. Gritar e sair correndo era uma ideia tentadora e no tempo em que caminhamos do beco até aqui ela já havia passado pela minha cabeça incontáveis vezes.
Senti um tremor passar pelo meu corpo como uma corrente elétrica quando meus pés tocaram a rampa de madeira que encaminhava para a entrada no navio. Fiquei desesperada quando olhei para frente e não encontrei Stefan, olhei para os lados e não havia nenhum sinal dele. Merda, ele havia me deixado ali para enfrentar os meus dragões sozinha. Respirei fundo e decidi que não iria me deixar abalar por nada. "Eu consigo fazer isso, sou uma mulher forte e corajosa, não será um bando de homens que me botarão para correr", pensei comigo mesma o tempo todo enquanto colocava um pé na frente do outro.
- O que pensa que está fazendo? - uma voz funesta soou e um homem enorme surgiu na minha frente assim que alcancei o topo da embarcação.
Dei um passo para trás e arregalei meus olhos com a aparição. O senhor que estava com as pernas ligeiramente abertas e os braços cruzados no peito, imóvel na minha frente como uma estátua, usava um traje não muito trivial. Na cabeça, um lenço era a única coisa que escapava através das bordas do chapéu, indicando que provavelmente era careca, vestia uma blusa branca encardida, de manga comprida desabotoada no colarinho e um colete por cima. Sua calça era da mesma cor do colete em um tom de azul escuro desbotado e sua barra estava sendo coberta por um par de botas negras.
Assim como Stefan, portava anéis em todos os dedos e uma argola dourada estava pendurada solitária em uma de suas orelhas, a caveira no chapéu era igual a que estava na bandeira pendurada no topo do mastro do navio e foi só então que a realidade bateu em mim como um soco no estômago. Eu estava em um navio pirata.
- O gato comeu sua língua moleque? - o homem perguntou com um sorriso debochado, mostrando seus dentes amarelados, me provocando uma onda de asco e tive que me segurar para reprimir uma careta. Eu não deixaria que ele achasse que me amedrontava apesar de ser a pura realidade, porém, ele não precisava saber disso. Dei um passo para frente, erguendo o queixo e abri a boca para dar uma resposta merecida.
- Ele está comigo - alguém disse e quando nós dois olhamos Stefan já passava pelo homem e me puxava pelo braço.
- O que diabos está fazendo, seu idiota? - vociferou o grandalhão atrás de nós, mas Stefan apenas se dignou a rir um pouco e continuar seu caminho para mais fundo no navio.
- Precisávamos de alguém para manter isso aqui em ordem - foi a resposta calma que o homem que segurava meu braços proporcionou ao outro furioso que mantinha os passos firmes em nossa traseira - e espero que não haja mais discussões. Apenas o capitão poderá desembarcá-lo.
E com essa resposta, o silêncio tomou conta, isso se descontasse os passos que ecoavam na madeira e o uivo do vento que transitava perto dos ouvidos. Enquanto caminhávamos, vários pares de olhos nos engoliam e eu tinha dificuldades para respirar. Será que nenhum homem ali parecia um pouco normal? Eram esquisitos e perturbadoramente feios, com expressões atrozes que me congelaram até a medula. Apesar de estarmos caminhando rápido, notei que todos usavam praticamente a mesma roupa e acessórios. Pensando bem, Stefan parecia ser o mais simpático, tanto em modos como em aparência, apesar de não poder ser qualificado como bonito. Quando chegamos em uma cabine, Stefan a abriu e praticamente me jogou lá dentro.
- Eu não disse para tomar cuidado com os outros? Mantenha-se perto de mim - brigou, com o cenho franzido - e essa será a sua cabine, permaneça aqui até que eu volte - sem tempo para contestar, ele saiu e fechou a porta atrás dele. Joguei-me na pequena cama de solteiro que ali havia e olhei em volta, não havia praticamente nada ali, a não ser uma cama e agora eu e minha mochila imunda.
- Eu estou realmente ferrada - murmurei e me joguei de costas no colchão que não era tão macio como eu pensava.
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ღ Perigosa Atração
RomanceLuciana Hamilton, filha do poderoso duque de Westwick, era a favorita do papai e por isso sempre foi mantida presa na enorme casa da família ou vigiada de perto por inúmeros guardas-costas, longe dos olhares famintos dos homenzarrões da cidade. Poré...