- Quer ligar para alguém, seus pais ou advogado? – o senhor perguntou lhe estendendo o telefone sem fio e ela assentiu minimamente, endireitando-se na cadeira.
- Obrigada. - agradeceu quase em um sussurro, tomando o telefone em mãos.
O seu coração pedia que ligasse para os pais adotivos, porém a sua razão e sede de vingança gritavam por apenas um nome. Rapidamente ela digitou os números que sabia decor, aguardou um pouco e logo reconheceu a voz feminina do outro lado da linha.
- VAI PRO INFERNO! - gritou com a voz carregada de raiva e desligou o telefone.
Beatriz olhou para o senhor a sua frente e respirou aliviada. Agora sim sentia-se leve, com aquela sensação de dever cumprido. Há muito tempo quis gritar essas três simples palavras para a amiga, mas não o fazia por medo devido as constantes ameaças recebidas diariamente. Durante anos teve que tomar o máximo de cuidado, ser cautelosa. Até tentou afastar-se, mas sempre algo a levava a voltar a estaca zero.
- Pode me algemar – ela estendeu as mãos - Diga a meus pais que a filha deles morreu, não permita que saibam o que fiz. Os envergonharia, foram muito bons comigo.
- Não os prive de estar ao seu lado, com um bom advogado pegará apenas alguns anos, bem menos que sua amiga.
Beatriz respirou fundo e encolheu os ombros, fechou os olhos e o rostinho assustado de Júlia lhe veio a mente.
- Não demorem, por favor. Júlia não merece a mãe que tem. – sussurrou.
Em questão de minutos viaturas estavam ali e uma delas levou Beatriz algemada, como uma criminosa. Sentiu-se um monstro, agora sim pagaria por todas as maldades que cometeu desde criança, inclusive com a colega loirinha de olhos azuis do orfanato, a qual ela nunca esqueceu o nome e o semblante assustado. O mesmo olhar que Júlia a fitava quando levava as pequenas refeições.
Enquanto Beatriz era levada a delegacia para o início dos procedimentos processuais, Júlia olhava fixamente para as paredes cobertas de teias de aranha e úmidas do cubículo em que estava trancada.
Seria aquilo um castigo por todas as suas brincadeiras? Porque havia pessoas tão cruéis? Porque tanto ódio e revolta no coração? Porque? Porque?
Não recordava-se quantos dias haviam se passado, nem de longe pareciam ser os dias coloridos que tornaram-se sua vida desde que Anahí estava nela. Era como se alguém tivesse passado uma borracha sobre tudo o que havia vivido, e agora era negro, sem vida, sem nada.
Júlia abriu os olhos vagarosamente e a encontrou sentada rindo. Assustou-se com o que ela tinha ao lado. O que aquela bruxa faria? Seu sexto sentido lhe dizia que o perigo apenas aumentava.
- Bom dia Julinha! – ela disse sarcástica e gargalhou - Trouxe um presentinho para você! - chutou o rolo de arame que havia em seu lado - Adivinha o que acontece com meninas mal criadas?
Júlia pôs-se em pé e empinou o nariz tentando não demonstrar que estava com medo, levou as mãos a cintura e a encarou.
- Eu não tenho medo de você! – exclamou - Pode me amarrar, fazer o que você quiser. – a menina deu de ombros - Vão descobrir e você vai ir presa!
Bárbara riu descontroladamente.
- E quem vai te salvar? A tonta da Anahí?
- Minha mamãe não é tonta! – gritou.
- Anahí não é sua mãe!
- É como se fosse, porque a que me colocou no mundo é um monstro. – rebateu raivosa, cerrando os punhos.
O eco do tapa zumbiu nos ouvidos da menina.
Deitada no chão gelado, encolhida com as mãos para trás em posição fetal, com frio e dores pelo corpo, sentindo sua resporação falhar, Júlia chamava baixinho por aquela que desde o início desejava como mãe. Porém onde ela estaria?
Bárbara a segurou firme nos pulsos e enrolou o pedaço de arame. Júlia trincou os dentes, buscando suportar a dor. Gotas de sangue começavam a sair de seus pulsos e involuntariavelmente lágrimas rolaram sobre sua face.
- Porque me odeia tanto? – perguntou com a voz embargada.
- Porque você nasceu – Barbara respondeu com amargura - E acredite, foi a pior coisa que aconteceu em minha vida.
Estaria sonhando ou aquilo tudo era real? Porque seu pai a detestava tanto a ponto de mandá-la para o internato onde a mulher que a odeia é a diretora?
- Eu sou a sua mãe Júlia. E você é igualzinha a mim. – Bárbara falou rindo enquanto Júlia negava com a cabeça sem parar.
- Minha mamãe se chama Anahí. – Júlia falou baixo e quase sem forças.
Jamais poderia se igualar aquela bruxa que atendia pelo nome de Bárbara. Dizem que mãe é aquela que te dá amor, carinho sem esperar nada em troca, e isso ela tinha com Anahí.
Tudo parecia bem mais escuro do que o normal. Sua visão embaçou e as pálpebras ficaram pesadas. Novamente tentou soltar as mãos presas nas costas, porém o que sentiu foi algo escorrendo em seus pulsos, logo sua visão ficou embaçada.
E foi então que ela a viu sorrindo, lhe estendendo a mão. Júlia não hesitou e correu para abraçá-la. Ela estava ali, a protegendo e do seu lado. Podia perfeitamente sentir o seu cheiro, aquele perfume adocicado que tanto gostava e davam a Anahí um ar mais angelical. E de repente se viu sozinha em meio a escuridão. Apavorada correu de um lado para outro até Bárbara aparecer segurando pedaços de arame, gargalhando escandalosamente. Olhou para seus pulsos e eles sangravam. E então desmaiou e o silêncio tomou conta do lugar.
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Um Anjo Caiu do Céu
Fiksi PenggemarEm busca de um emprego, ela acaba caindo de para quedas na casa de Alfonso Herrera. Anahí é contratada para cuidar das três filhas de um dos homens mais cobiçados da cidade. Mas há um problema: as filhas de Alfonso são terríveis e já expulsaram...