Cap. 66: A Triste Despedida Dos Bonecos

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Levaram-me até o quarto, ignorando meus gritos abafados.

Enquanto subíamos as passarelas, tentei avistar o estúdio onde Ônix, supostamente, estava trancado. Mas os monstros de preto me impediram, obrigando-me a andar em linha reta.

Quando a porta do quarto se fechou, permaneceram no cômodo, esperando que Antonella também chegasse. Então, com dois guardas segurando meus braços, empurraram-me para o banheiro.

- Acho bom você ser uma boa menina, e tomar banho e se vestir direito. Se não, serei obrigada a trocá-la em público, e será um belo show. - a cobra horrorosa gargalhou, assim que bati a porta do banheiro com toda a força.

Lá dentro, finalmente sozinha e solta, tirei a mordaça da boca e joguei-a no lixo. Depois, pude me desesperar.

Para que não ouvissem meu choro, abri a torneira da banheira e entrei ali, deixando de lado o choque térmico. A água começou a esquentar, e meus músculos doloridos relaxaram. Foi só nesse momento, que pude berrar a vontade.

Chorei tanto, mas tanto, que provavelmente metade do líquido na banheira era de minhas lágrimas. Enquanto percorria os olhos pelo meu próprio corpo, só conseguia pensar na desgraça que era. A marca da Sociedade, os braços cheios de hematomas (devido ao aperto dos funcionários), as costelas quase aparentes, a pele desumana de tão pálida, o cabelo loiro-esbranquiçado, as sobrancelhas, cílios e pelos cinzentos, tudo isso... me fez perceber que já não era mais eu que estava ali. Que, tanto por fora quanto por dentro, eu realmente parecia feita da mais frágil e estúpida porcelana. Talvez fosse besteira, mas cheguei a derramar algumas lágrimas por causa da saudade dos cabelos castanhos e das bochechas coradas.

Mas, quem me dera aquele ser o maior problema. Quem me dera ter só aquilo como motivo para sofrer. Não, toda a cena não chegava nem a um terço da dor que eu sentia por Ônix. Da tristeza profunda, saudade e medo que sua falta me trazia. Imaginar que ele estava sofrendo, bem próximo ao meu quarto, era... insuportável, diminuindo os sentimentos.

Ah, Ônix... Pensei. Como eu queria jamais ter me apaixonado por você... Mas, bem, eu mentia para mim mesma. Não conseguiria, nem se me dessem a chance, ter permanecido longe do artista. Era o que meu coração (aquele que eu escondia sob camadas de teimosia) sussurrava.

Socaram a porta do banheiro, sinalizando que nem aquele instante de desgraça me pertencia, e precisei levantar e me secar. Enquanto passava os cremes que Bianca havia deixado no banheiro, aproveitei para esfregar um pano úmido no rosto. Enquanto sofria interna e externamente, aproveitei para desinchar o rosto vermelho. O nível extremo do desespero seria permitir a Antonella que me visse daquele jeito. E, de forma nenhuma, eu deixaria aquilo acontecer.

Quando saí do banheiro, enrolada em um roupão macio, encontrei no quarto apenas um vestido verde-água. Ele tinha lantejoulas douradas costuradas na gola, uma barra bordada em linha dourada, e uma saia esvoaçante e armada. Quando vesti-o, percebi que o tamanho era perfeito. Realçava todas as partes certas de meu corpo, e escondia a maioria dos machucados, com mangas longas e repletas de babados. Sentia-me perfeita, exatamente como Luigi desejava. E isso foi o que mais me causou repulsa.

Antonella retornou alguns minutos depois, ainda acompanhada de um guarda. Obrigou-me a sentar na penteadeira e, ao contrário do que eu esperava, arrumou meu cabelo. Ela penteou-o com a escova e, passando a mão pelos fios loiros, resolveu deixá-lo solto.

- Muito bem. Você está prontinha. - comentou, assim que passou para a maquiagem leve.

Me olhei no espelho e... entendi que era a própria definição de boneca. Não agradeci ou falei qualquer coisa, com nojo de dirigir minhas palavras àqueles demônios.

Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora