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Ela tinha escolhido propositalmente a mesa do restaurante próxima a janela. Olhar para a paisagem urbana, transeuntes, carros passando, de certa maneira ajudava a não pensar. Ela não queria pensar. Era isso.

Naquele momento, uma moça alta se sentou a mesa, na cadeira em frente a Thais.

-- Vai embora, então resolveu fazer um mimo pra essa sua irmã velha?

Thais esboçou um sorriso sem dentes e aéreo a Luciana e voltou a olhar pela janela.

-- Que que aconteceu? -- O tom de voz de Luciana mudou completamente com essa pergunta.

-- Nem falei nada e você já quer saber se aconteceu alguma coisa. -- Thais enfim parou de olhar pela janela e voltou os olhos para a irmã mais velha.

-- Eu te conheço a mais de 30 anos e sei quando tem alguma coisa errada. Você me convidou pra almoçar pra me contar alguma coisa. Fala.

Fez-se um silêncio entre as duas enquanto se encaravam, até que Thais rompeu a ligação ao pegar a bolsa e retirar de dentro um pacote, colocando-o em cima da mesa.

-- Que que é isso?

-- Olha! -- Era um pouco irritante essa mania de Thais não dizer diretamente o que estava acontecendo, irritante até pra si mesma. Mas ela não queria dizer aquilo em voz alta, não ainda. Tinha a sensação de que quando dissesse estaria lavrando a sentença, sem condições de recurso. Era idiota, mas era como se sentia.

Luciana pegou o pacote e abriu.

-- Um teste positivo de gravidez? -- Ela pareceu confusa de início, mas quando olhou para Thais, parecia que seus olhos iam sair das órbitas. -- VOCÊ ESTÁ GRÁVIDA????

Thais só sorriu, assentindo levemente com a cabeça e voltando a olhar pela janela.

-- Me responde!!!! Você está grávida? -- Isso fez com que Thais voltasse a olhar pra irmã. Ela nunca deixava as coisas como estavam, sempre queria as sentenças completas. Thais suspirou.

-- Sim, eu estou grávida. -- Era a primeira vez que dizia as palavras em alto e bom som, depois de saber o resultado na casa da Lari no sábado de manhã. Tinham se passado dois dias, mas ela ainda não estava acreditando totalmente naquilo. Até agora. Ela começou a rir de nervoso.

-- Você ri? Ficou doida é?

-- Tô rindo, mas daqui a pouco começo a chorar, pode deixar. -- Era verdade, os olhos de Thais começaram a encher de água, mesmo em meio ao riso. Luciana pegou a mão da irmã por cima da mesa.

-- Não chora não. Desculpa. Desculpa. -- Consolou-a -- Mas como isso aconteceu? Ai meu Deus, não pode ter sido nada horrível tipo, tipo... -- Ela parecia querer evitar falar a palavra que vinha a mente dela.

-- Estupro? -- Luciana arregalou os olhos a menção feita por Thais. -- NÃO! Não foi estupro, não. Foi consentido.

-- Mas quem? Quando? Como? Por que não me contou? -- Eram mais ou menos as mesmas perguntas que Lari havia feito na sexta a noite e depois no sábado de manhã, após o teste dar positivo. Thais suspirou.

-- Lembra que fui em um show de um grupo coreano a uns dois meses atrás? -- Luciana assentiu. -- Então, um dos caras, quer dizer, o cara que eu mais gosto no grupo quis dormir comigo e eu aceitei! -- Thais explicou levantando os braços e ombros e soltando-os logo em seguida, em um dar de ombros.

-- E você ficou grávida transando uma vez só? Meu Deus, que azar! -- Luciana balançou a cabeça pesarosa.

Essa seria a hora que Thais ficaria vermelha se fosse uma pessoa branca. Ela estava de certa forma envergonhada quando disse:

-- Não foi exatamente uma vez só...

-- Você dormiu com ele mais de uma vez? Quantas? -- Thais levantou os dedos da mão, mostrando o número três.

-- Caramba! Três vezes? Mas você saiu com ele mais de uma vez, certo? -- A cara de espanto de Luciana ia ficando pior, quando viu a irmã negando com a cabeça.

-- Eita! Transou com ele três vezes no mesmo dia? Eita! Vocês realmente se deram bem hein!

Thais riu em meio a crise, sua irmã sempre tinha esses tipos de comentário em meio a assuntos sérios.

-- Mas e a camisinha? Como que vocês não usaram camisinha?

-- A gente usou. Mas tivemos um problema de percurso, provavelmente quando transamos na banheira. A Lari e eu pesquisamos isso depois que o teste deu positivo.

-- Você contou pra Lari e não contou pra mim? -- Luciana, que até agora estava debruçada sobre a mesa, se recostou na cadeira cruzando os braços, visivelmente chateada.

-- Eu contei pra ela porque fui fazer o teste na casa dela, não podia fazer em casa... Você sabe. -- Aquela explicação pareceu apaziguar o desgosto da irmã mais velha.

-- Meu Deus, o pai e a mãe vão surtar! Você sempre tão certinha.

-- Pois é. Agora eu não sei o que fazer. Eu tenho que fazer uma escolha e não tenho tempo pra isso.

-- Escolha? Você está pensando em abortar?

-- Se eu te disser que essa idéia não passou pela minha cabeça, eu vou estar mentindo. -- A irmã balançou a cabeça como se entendesse. Thais sentiu que tinha feito a coisa certa ao abrir o caso para a irmã. Sabia que dela não sairiam julgamentos ou recriminações. Sabia que seria acolhida, não importando o que decidisse. -- Mas ao mesmo tempo que penso nisso, penso que sempre quis ter um filho. E se essa for a minha única oportunidade de ter um filho biológico? Eu não sou mais tão nova. E seria um filho só meu. O pai está do outro lado do mundo literalmente, ele nunca vai saber dessa criança.

-- Olha Cabeça, me parece que você já tomou uma decisão. Sendo sua irmã eu sei bem que você sempre quis ser mãe e no final sou eu que tenho três filhas. Vai entender essa vida! -- Disse meneando a cabeça.

Thais pensou no que a irmã acabara de dizer.

-- Tá, mas se eu decidir mesmo ter essa criança, como vai ser? Eu não tenho mais emprego. E se eu conheço bem o nosso pai, nem casa direito eu vou ter mais.

-- Você vem morar comigo uai! Oxi! Onde cabem cinco, cabem mais dois. A gente dá um jeito.

Olhos marejados foram a resposta de Thais a irmã.

-- Nossa, você tá chorando de novo! Nem precisa disso! Vamos comer que eu sou uma mulher que está amamentando, tô morrendo de fome! A gente falou um monte e ainda não apareceu um garçom pra tirar o pedido. -- Luciana fez um gesto para o garçom mais próximo da mesa e Thais sorriu em meio as lágrimas. Sabia que a irmã também estava de certa forma emocionada e só queria mudar de assunto.

Elas fizeram os pedidos e quando o garçom foi embora, Luciana pegou novamente a mão da irmã mais nova.

-- Você sabe que pode contar comigo sempre né? -- Thais confirmou com um gesto de cabeça. -- Único conselho que te dou é orar. Já orou?

-- Ainda não. Estava em negação ainda. Inclusive já arrumei as malas pra viagem que, provavelmente, nem vou fazer.

-- Então ora. Acho que Deus vai te dar a resposta que você precisa, de como lidar com tudo.

-- Obrigada Lu!

-- Que nada! Irmãs são, ou pelo menos deveriam ser, pra essas coisas. Além disso, sei que você é guerreira, independente do que acontecer eu sei que você vai conseguir seguir em frente. Só siga em frente.

-- Tá bom! -- Foi a resposta de voz embargada de Thais.

-- Ai para de chorar, porque tá me dando vontade também e eu ainda tenho que voltar a trabalhar e o pessoal fofoqueiro daquele serviço vai querer saber o porquê deu estar chorando. Então pára!

As duas começaram a rir em meio as lágrimas.

****

Assim como a personagem ficou emocionada, preciso dizer que eu tb fiquei escrevendo essa parte da história. 

Eu também tenho pessoas com quem eu posso contar nesse mesmo nível. E você? Com quem vc pode contar até debaixo d'água? Me contem.

Beijos!

Don't Leave Me [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora