Dois

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Tive uma crise de ciúme no mesmo dia. Acho que foi o excesso do vinho branco em minha veia. Minha consciência achou que estava aguentando demais as atitudes do Shawn sem nenhum posicionamento. Os pés mal entraram em casa, quando a gritaria começou.

Tudo começou desconexo, mas depois iria tomando sentindo. Era muita raiva acumulada. O papel de Amélia não me cabia naquele momento, eu só queria por para fora o que estava me incomodando, mas com cuidado. Não poderia acusar sem provas. Eu tinha a prova no celular, mas era no dele... Ele podia se negar a mostrar, se é que nessa altura do campeonato não tinha apagado o e-mail.

Eu era um fantoche nesse casamento. Sempre dei liberdade demais ao Shawn sempre me privei. Achei que assim manteria sempre o meu casamento intacto, mera ilusão. Não sei como ele não me trocou por qualquer uma nesses longos dos anos.

Eu era compreensiva demais. Submissa demais. Comportada demais. E tudo que é demais cansa. Eu estava cansada da minha atitude, e no papel que ocupava nesta casa. Não era, e nunca seria um casamento exemplar.

“Você estava paquerando a garçonete na minha frente”. Gritei furiosa. “Não me respeitou. Nem se preocupou com a minha presença ao seu lado, simplesmente flertou com ela, como se fosse à coisa mais natural do mundo”.

Shawn me olhou com muita raiva. Se existia uma coisa que ele destetava era quando eu explanava o meu ponto de vista. Estávamos no quarto, e eu tirava os meus acessórios.

“Claro que flertei com ela. E continuarei flertando com qualquer mulher que ver na minha frente. Você sabe que amo as mulheres. Não irei parar por lhe incomodar. Você me conheceu assim”. Shawn rebateu com a voz alta, estava tirando a sua gravata.

Isso me irritou mais. Muito. Estava tudo errado. Que mulher gostaria disso?

“Isso é desrespeitoso! Eu sou a sua esposa, você deveria está flertando comigo. Deveria está me enaltecendo, e não outra qualquer”. Retruquei, gesticulando.  “Você tem uma mulher em casa, não precisa ficar procurando outras na rua pra tentar se auto promover como irresistível. Não precisa ficar mendigando a atenção de outras mulheres, enquanto, estou aqui pra você!”.

Era verdade. Eu só queria um pouco de atenção. De cuidado. De zelo. De amor. Fazia muito tempo que não tinha isto. O casamento era uma via de mão dupla, mas eu estava sozinha nessa via e não sabia o que fazer.

“Não vou tolerar essa sua crise de meia-idade”. Shawn gritou. “Não tenho culpa se você é insegura. Não vou mudar minha atitude. Vou continuar flertando com cada mulher que ver na esquina porque isso faz parte de mim. Não vou mudar por você”.

Isso me enfureceu. Nenhuma mulher em minha posição gostaria de se manter em um relacionamento com um homem que não podia ver um rabo de saia.

“Faz realmente ser parte de você ser um cafajeste!”. Soltei num grito.

A resposta foi clara e objetiva: Uma tapa forte em meu rosto que me fez gritar e cair sentada. O meu rosto queimou e a dor foi espontânea. Ele iria deferir outra tapa em minha cara quando o Thor entrou no quarto e ficou entre nós.

“Não papai, por favor. Não bate na mamãe!”. Thor chorava. Eu chorava.

Minha mão estava no rosto. Pior que a dor física, era a dor psicológica. Eu chorava sem defesa. Não era a primeira vez que o Shawn me batia. Ele passou a mão nos cabelos, nervoso. Estava claro que o impedia de continuar a me bater era o nosso filho. Ele saiu do quarto, e o Thor me abraçou. Choramos juntos... Eu não queria que meu filho presenciasse isso, não queria que ele me visse fraca, mas não podia evitar a dor da minha alma...

Dormir no quarto do Thor. Não tinha estrutura emocional para ficar no mesmo quarto que Shawn. Não depois do que ele me fez. Acordei com um beijo carinhoso em meu rosto, achei que era o meu filho, mas quando abri os olhos era o meu marido com uma bandeja de café da manhã. Encolhi-me, achando que ele iria me bater.

“Não... Não precisa ter medo”. Shawn disse com a voz arrependida.  “Desculpe-me por ontem, perdi o controle, eu não queria fazer isso com você. Sinto-me péssimo”. Os seus olhos pareciam repleta de remorso. Mas sempre era assim depois da agressão.  “Prometo á você que isso nunca mais vai acontecer...”. A mesma promessa de sempre. Ele colocou a bandeja em cima da cama. “Você poderia me perdoar?”.

Como se tudo fosse muito fácil. Era sempre assim. Batia-me. Depois fingia arrependimento. Eu perdoava, e seguíamos em frente até a próxima agressão. Pensei em manda-lo embora do quarto e me deixar sozinha, porém, os seus olhos me advertiam que era melhor deixar isso pra lá do que remoer a ferida.

“Tudo bem”. A minha voz saiu até falsa para mim mesma.

Ele sorriu. Animado e me beijou. Eu senti asco com o beijo. Isso não é um beijo romântico, não é um beijo de sentimento e muito menos de desejo. Era um encostar de lábios grosseiros. Pela primeira vez, o meu corpo não se animou com a ideia de ter o Shawn junto.

“O que você acha de jantarmos juntos?”. Ele propôs depois do beijo. “Apenas eu e você. A luz de vela e depois a noite será toda nossa. Mandarei o Thor para casa da mamãe...”.

Por um momento, olhei para a faca em cima da bandeja. E uma vontade de enfiá-la em seu pescoço como uma galinha me atentou. Mas afastei esse pensamento. Se fosse em outro momento, estaria explodindo de alegria. Eu poderia dizer não. Mas bem... Eu fui culpada da briga, se ele me bateu foi consequência das minhas atitudes. Ele não faria novamente. Ele estava tentando. Afastei a raiva de mim, e soei positiva. Era o meu casamento. Casei com Shawn para vida toda.

“Ok”.

Ele ficou feliz e me beijou novamente.

“Já levei o Thor para escola, se quiser ficar descansando mais... Fique á vontade. Eu terei que ir trabalhar”. Mais um beijo.

 
“Bom trabalho”. Desejei.

Shawn acenou com a mão e saiu. Olhei para a bandeja e não senti nenhuma vontade. Levantei-me e fui para o meu quarto. Abri a minha bolsa e tirei o cartão da desconhecida.

Scarlett

Esse era o nome. Achei diferente. Será que era mesmo o nome dela? Geralmente as garotas de programas sempre usava um nome de “guerra”. Fiquei com o cartão na mão por um bom tempo. Escutei o barulho do carro do Shawn partindo. Olhei o meu rosto no espelho... Cinco dedos estavam desenhados. Agindo por impulso, liguei para Scarlett e marquei um horário no mesmo hotel que ficava á um metro de distância do meu consultório...

Eu não sabia o que estava fazendo nesse hotel. Já tinha tomado três garrafas de água e minha sede parecia que não tinha fim. Estava nervosa. Estava louca. Analisei a minha roupa no espelho centenas de vezes. Usava um vestido de alça com uma echarpe. Já tinha mexido diversas vezes nos objetos do quarto.

O que estava fazendo? Tinha marcado com uma prostituta em um hotel bem perto do meu local de trabalho onde todo mundo poderia ver por estar magoada com o meu marido. O Shawn errou, mas isso não era motivo para estar ali. Tinha decido que o perdoaria. Então, porque marquei com a Scarlett? Não fazia sentido.

Irei embora. Busquei a minha bolsa quando a porta do quarto se abriu... Scarlett adentrou. Ela estava espetacularmente bonita. A roupa que usava era totalmente distinta dos encontros com o cliente fixo. Sim. Eu tinha marcado isso também. Eu sabia cada roupa que ela usava... Porém, estava mais chique... Usava um vestido de alta costura na altura dos joelhos preto e branco, sapatos avermelhados e uma echarpe de pele falsa. Seus cabelos estavam soltos, e o seu perfume me enfeitiçou.

 
Nos olhamos... Eu não entendia como um olhar poderia ser tão marcante, tão profundo como o dela. Nunca tinha sentido essa sensação e ninguém nunca me preparou. Sempre achei que o olhar do Shawn era único. Porém, o de Scarlett era um labirinto que você fazia questão de se manter presa.

“Iria embora, Camila?”. O seu tom era suave, porém, a severidade estava presente. Ela tirou as suas luvas brancas. Uma por uma. Admito que a lentidão do ato a tornou sexy...

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