Bitter coffee.

7 2 3
                                    

Violet on.

Hely me ligou de madrugada e me pediu para ir até o cafeteria dela bem cedo. Ela era ansiosa, deve ter pensado em me convidar a noite toda e quando já estava explodindo, me ligou.
Ela era uma espécie de gangster, a menina problema de Wisconsin, as pessoas costumavam ter medo dela, mas secretamente ela estava sempre cuidando de mim.
Lembro que as vezes no meio da noite, ela pulava a janela do meu quarto e dormia comigo, cheirando a álcool e perfume infantil. Hely sempre roubava bebidas do cassino do pai dela, ela sempre falava dele com ira, mesmo que aparentasse ser um bom homem.
Talvez fosse o cassino, era a única diversão noturna para homens e mulheres, era coisa para gente grande, as pessoas diziam que era um lugar imundo, o púlpito do pecado, vai ver aquilo manchava o nome da família, as pessoas sempre olhavam torto para Hely, quem sabe ela culpava o pai por ser vista com maus  olhos.
Sobre o pai, Arthur James, não haviam boatos de agressão ou coisa do tipo, eu nunca ouvi ele falar alto, era sempre pacífico.
Quando o pai dela faleceu pouco antes do meu, ela não chorou, estava apática e me falou que aquele era o dia mais feliz de sua vida, mas eu sabia que ela estava sentindo, os olhos dela emitiam um pedido de socorro, Hely silenciosamente sempre clamava por salvação, mas ninguém nunca ouvia, eu era tudo que ela tinha e me sinto suja por tê-la deixado sozinha naquela cidade sem ao menos se despedir.

...

- Você veio laranja!
- Pare de me chamar assim, não tenho mais dezesseis anos. - Respiei fundo -
Eu sinto muito por não ter me despedido.
Falei abaixando a cabeça, fitando meus saltos vermelhos.
- Você age como uma criança, vamos olhe para mim.
Foi o que fiz, ela riu e puxou minha bochecha.
- Não tem nada demais, aquilo foi pesado até para mim. Sua mãe se enforcou, matou o filho que carregava e te deixou órfã, isso não acontece todo dia. Não se pode esperar uma despedida com beijos e abraços depois disso.
As palavras dela eram duras, como sempre foram, Hely não parecia possuir uma divisória entre o bom e o ruim, ela só despejava seus pensamentos, sem se importar com como eles atingiam quem ouvia.
Engoli a seco, os meus olhos arderam e eu olhei a rua pela vidraça.
- Você fala tão naturalmente.
Falei, sem conseguir olha-la.
- Não posso mudar as coisas, foi assim que aconteceu Violet. Sabe, você se parece uma cópia da Amelia Hill, as roupas são as mesmas?
- Não.
- Claro que não. Seria crueu demais com você. Foi a forma que encontrou de mante-la viva?
- Foi.
- Bom, agora eu sou a dona desse café fudido.
Ela disse abrindo os braços.
- Ele era seu tio né? Eu sinto muito.
- Não sinta! Eu não sinto. Para mim tanto faz, aquele velho nojento te molestou não foi?
Espremi os lábios, lembrando da cena.
- É. Você estava lá no dia. Não me reconheceu?
- Eu pensei, ela me lembra alguém. Mas eu tinha que ter certeza que era você. Você estava irreconhecível, a menina doce de Wisconsin mais parecia uma versão minha, só que com roupas de boneca.
- Talvez fosse isso, uma versão fajuta de você. Antes eu pensava que era bobo se comportar como alguém rebelde, mas era uma defesa, mesmo que no fim do dia eu chorasse como a garota de Wisconsin.
- É, agora você me conhece. Quer beber algo, Jolieta traga um café para Violet!
- Não, eu vou buscar!
- É o trabalho dela!
- Eu já trabalhei nessa pocilga Hely, é uma merda ser mandada.
- Olha só! Você xinga?!
Me levantei da mesa e fui até o caixa de Jolieta.
- Essa mulher é uma vaca!
- Jolieta, é você mesma?
Ela me olhou severamente antes de cochichar.
- Ela é pior doque o falecido Sr.Miller, ela é crueu e arrogante, fique longe dela Violet.
- Ela é assim mesmo, mas não se preocupe, não é má pessoal.
Afaguei a mão de Jolieta que recuou meu toque.
- Acho que sua definição de boa pessoa está muito falha, não quero que se relacione com alguém desse tipo.
Fiquei olhando Jolieta se afastar e entrar na cozinha.
- Está moendo o café?
Hely parou ao meu lado, levei a xícara aos lábios, sentindo o líquido quente banhar-me o paladar, estava puro, como fel, mas eu gostava assim.
Senti Hely deslizar as mãos pelos meus cabelos e o seu olhar me queimando.
- Eu senti sua falta, os dias após sua partida foram ainda mais sombrios. Ninguém sabia onde estava a flor de Wisconsin. Todos se questionavam sobre qual fim teria tido a podre órfã.
- Pare de me chamar assim, não vê que é crueu e arrogante?
Deixei a xícara sobre o balcão e a olhei, naquele par de janelas vazias.
- Não foi minha intenção, mas não é como se ouvisse mentiras. Não é isso que você é?
- É exatamente isso, mas eu tenho consciência, não preciso das suas palavras duras como lembrete.
- Você mudou mesmo, a sua dor te tornou forte.
Ela me olhou com aquele sorisso sádico de sempre.
- O que é no mínimo ótimo, algo bom tinha de sair de todo aquele mal.
- Claro!
Ela puxou minha xícara, deu um gole mas cuspiu o café de volta.
- Desculpa! O seu paladar é... adulto!
Hely gostava de café amargo, ela só estava me zoando.
- Você gosta de café amargo, cuspiu no  meu café porque quis!
Falei num tom pacífico, desistindo da bebida cuspida.
- Estava te testando. Agora você e sincera, noutros tempos teria relevado a situação com um sorriso.
- Noutros tempos, as coisas mudam despois dos dezesseis.
- Depois das perdas, você quer dizer.
- É, isso, depois das perdas!





Pride And GuiltOnde histórias criam vida. Descubra agora