CAPÍTULO 1. COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI

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Gabriela sempre fora uma garota religiosa, apesar de não frequentar nenhuma igreja. Sagitariana, sonhava em conhecer o Mundo e aceitava o seu tamanho, comparada à grandeza do Universo. Rezava mais que o comum naquela semana. Costumava agradecer, mas nos últimos dias, tudo que fazia era pedir.
Despertou naquele manhã de Outubro, igual aos anteriores. Ainda sem abrir os olhos, por alguns segundos não soube onde estava, mas a dor intensa no pescoço e nos ombros logo a fez lembrar. Estava no único lugar possível, exatamente onde deveria estar. Sentia que a cadeira de hospital já tinha adquirido o formato do seu corpo – ou, talvez, o seu corpo havia adquirido o formato da cadeira.

Respirou fundo e esfregou os olhos, apressando o despertar com esperança. Ajeitou a postura e olhou para Camila, que ainda dormia. Teve esperança de ver os dedos dos pés se mexerem, de ouvir os grunhidos que fazia quando acordava; esperava, até mesmo, a voz reclamando de toda a claridade excessiva no quarto. Levantou-se lentamente e foi até a cama. Segurou sua mão e estendeu-lhe um "bom dia" sussurrado, quase com medo de que a voz a despertasse, mesmo sabendo que o seu despertar era o que mais queria naquele momento.

— Bom dia... – A voz masculina cumprimentava com um tom sorridente.

— Bom dia.

— Trouxe flores. Bom, um vaso com flores. – Aproximou-se.

— Obrigada, Gui. – Gabriela sorriu pelo gesto.

— Como ela está? – Guilherme colocou o vaso ao lado da cama e segurou a outra mão direita de Camila.

— Igual, até agora tudo igual.

— Há quanto tempo você não vai pra casa?

— Por quê? – Gabriela mantinha os olhos fixos em Camila. Sabia o que viria e tentava disfarçar.

— Você tá péssima. – Sussurrou.

— Eu tô bem. Eu preciso ficar com ela. – Tentou encerrar o assunto.

— Não, você precisa ir pra casa, tomar um banho, comer e dormir decentemente, pra quando ela acordar, não ver você desse jeito, ou pode desapaixonar. – O rapaz brincou.

— ...Eu não posso deixar ela sozinha.

— Ela não vai ficar sozinha, eu fico aqui e faço companhia pra ela. Eu não sou a primeira pessoa que ela vê quando acorda há uns 12 anos. – Guilherme desfez o sorriso. – Crescer é um saco. A gente era tão unido quando era mais novo...

— Você ainda é o melhor amigo dela.

— Não, acho que não, hoje em dia eu sou só o irmão mais velho chato e engravatado.

— Ela não acha isso.

— Não?

— Não te acha engravatado.

Os dois se entreolharam e trocaram uma risada.

— Vai pra casa, Gabriela. Descansa. Eu tomo conta dela enquanto você estiver fora, não se preocupa, ela também é tudo pra mim. – Sorriu.

— Tudo bem. – Gabriela respirou fundo e cedeu após alguns segundos em silêncio.

— Tudo bem?

— Tudo bem. – Despediu-se de Camila com um beijo na testa. – Qualquer coisa, me liga, por favor.

— Não se preocupe...

Gabriela seguiu, quase que em modo automático, sem pensar em muita coisa. Cumprimentou com um sorriso as pessoas que já conhecia e ganhava leves toques nos ombros dos profissionais que encontrava. Acenou de longe para o pequeno senhor que cuidava dos carros no estacionamento e sentia que já estava naquela rotina há muito tempo. Dirigiu até sua casa sem pensar em nada, quase como um aparelho com pouca bateria. Subiu o elevador e sentiu o cheiro de Camila assim que abriu a porta. Tudo naquela casa tinha o seu perfume, da sua pele, do seu cabelo... Parou em frente a parede da sala e olhou as fotos de todo o tempo que estavam juntas. Conhecia cada detalhe de cada registro, desde a mais antiga, até a mais recente. Sabia que havia encontrado a metade que tanto havia procurado, e não entendeu o motivo de estarem passando por aquele momento, mas não quis questionar.

Você, de verdade (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora