Você, de verdade (Romance lésbico)

CAPÍTULO 2. SE EU NÃO LEMBRO, EU NÃO FIZ

Já era noite quando Júlia conseguiu retornar ao quarto de Camila. Checou todo o prontuário junto à equipe e estava ansiosa para ver alguma melhora. Pediu à Guilherme e Gabriela que aguardassem do lado de fora enquanto estivessem juntas. Camila e Júlia tinham a mesma idade, os mesmos gostos, tratavam-se como irmãs desde pequenas. Júlia conhecia cada expressão de Camila, e sabia que a que viu ao entrar no quarto não poderia ser bom sinal.

— Oi! Tá tudo bem? – Perguntou desconfiada, mas sem perder o otimismo.

— Tudo ótimo, e você? – Perguntou em tom sarcástico.

— Bom... Eu tô bem. Vim dar uma espiadinha em você...

— Por que você mentiu pra mim? – Camila não fazia rodeios.

— O quê? Eu nunca menti pra você. – Júlia riu.

— Você disse que eu estava aqui há 8 dias.

— Você está aqui há 8 dias. – Afirmou com tranquilidade, ainda olhando o prontuário.

— Eu perguntei pra enfermeira que dia é hoje, e ela me disse que é 23 de outubro! O meu acidente foi há 3 meses!

— O quê?

— Eu já lembrei do acidente, vocês não precisavam mentir pra mim. Eu perdi o controle na neve, bati a cabeça e apaguei, mas isso foi há 3 meses! Vocês esperavam que eu simplesmente não fosse descobrir?

— Na neve?!

Júlia colocou a prancheta nos pés da cama e atentou-se em ouvir.

— É, Júlia! A gente tava esquiando e eu perdi o controle do esqui, fui de cara com um poste... Foi isso, não foi? Eu lembro de tentar desviar e, pelo jeito, não consegui.

A pergunta de Camila fez Júlia aproximar-se lentamente, ainda escolhendo as palavras que precisava, ao mesmo tempo em que também digeria a informação.

— Camila... Você tá falando da nossa viagem pra Bariloche?

— É, ué!

— Camila... – Segurou sua mão – Essa viagem foi há 4 anos. O seu acidente foi há uma semana. Você se acidentou naquela viagem, mas acordou no mesmo dia, só ficou desmaiada por alguns minutos. E depois disso... A gente viveu 4 anos. – Seguiu. – Há 8 dias, você sofreu um acidente de carro, a gente não sabe ainda o que aconteceu, mas... Mas isso foi na semana passada.

— Você tá falando sério? – Perguntou desconfiada e confirmou pela expressão de Júlia. – Ah, meu Deus... Você tá falando sério. Por que eu não me lembro de nada?

— Fica calma, é só... Olha, isso é totalmente reversível, é comum. Todos os seus exames estão normais. Eu vou dar mais uma olhada e conversar com a Dra. Rebeca e já volto, tá bem? O Guilherme vai te fazer companhia.

Júlia saiu do quarto e fechou a porta. Encontrou Guilherme sentado ao lado de Gabriela e não sabia o que dizer a eles. Sentiu o peso de uma responsabilidade dobrada, ao mesmo tempo que tentava conciliar o lado pessoal e profissional.

— Como ela está? – Gabriela pulou da cadeira instantaneamente.

— Ela tá bem, ela... Olha, eu preciso dar mais uma olhada nos exames dela. – Disse, afastando-se.

— Júlia, espera... O que aconteceu? – Gabriela olhava com olhos tão aflitos que Júlia sabia que deixá-la sem respostas seria desumano. 

— Tá bem! – Bufou. – ...Está bem. Sentem, os dois. – Disse firme, retornando. – Não tem nenhum motivo pra vocês se preocuparem com relação à saúde dela... Eu não sou a médica dela, só tô auxiliando, e eu não posso diagnosticar nada... Mas pode ser que a memória recente dela tenha sido afetada, talvez pelo acidente, ou pelo coágulo, ou na cirurgia.