CAPÍTULO 5. ATÉ QUE QUALQUER COISA NOS SEPARE

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Do lado de fora, Gabriela, sentada, olhava o chão com os braços apoiados nos joelhos. Em silêncio, nenhum pensamento completo passava por sua cabeça, apenas flashes, frases pela metade, nada se encaixava. Se sentia uma intrusa, uma estranha que precisava ir embora, mas, ao mesmo tempo, se sentia roubada e sentia que tinha o direito de entrar naquele quarto, com direito a pé na porta, para tomar de volta a mulher que amava. Todos os pensamento que tinha foram distraídos pelo copo de café flutuante que viu e, em uma fração de segundo, percebeu estar sendo segurado por uma mão de unhas impecavelmente feitas.

— Toma. – A voz, que vinha de cima, ofereceu. Gabriela reconheceria aquele tom entre mil vozes, tinha um misto de autoridade e carinho, que não sabia se era amor ou ódio.

— O que você tá fazendo aqui?

— Fiquei sabendo do que aconteceu com a sua namorada. – Sentou ao seu lado, cruzando as pernas. – Toma. – Ofereceu novamente, dessa vez com um tom que mais pedia do que ordenava.

— Obrigada, não precisava. Como você soube?

— Não foi difícil, bastou questionar o motivo da comida do meu restaurante estar horrível há dias e eu soube em 3 segundos.

— Paola, é quase um crime você falar isso. Você tem pessoas espetaculares trabalhando pra você.

— Bom... – Falava entre goles – Nenhuma é você.

Paola usava, estranhamente, um certo tom de desdém, que contradizia a frase. Conversavam viradas para frente, ambas olhavam uma pequena tv que exibia informativos e comerciais. Entre goles dos seus copos, ficaram em silêncio. Gabriela odiava admitir, mesmo que só em pensamento, a tensão que existia entre ela e sua chefe. Odiava cada pêlo de seu braço que ousava erguer-se ao sentir o toque de leve que, volta e meia, aquela mulher espetacular insistia em fazer, com ar de casualidade. Tinha absoluto respeito pelo seu relacionamento, mas sabia que não havia inocência em toda aproximação da chefe. Era uma mulher que exalava poder até nos passos que dava. Intercalava um jeito doce com uma personalidade que a levava de um "por favor!" para um "faça agora mesmo!" em segundos.

— Então... Quem é aquela pessoa que está no seu lugar? 

— É o Murilo, ele estudou comigo.

— Na faculdade? – Ajeitou os óculos.

— É.

— ...Ele faz muita burrada. – Disse, séria.

— Ele só precisa pegar o ritmo, não tem a mesma vivência na área. Acredite, é difícil ganhar experiência na prática.

— Ele tem a mesma formação que você teve. – Finalizou, levantando-se. – Bom... Quando não precisar mais ser a babá da sua namorada, me avise. E torça pra esse Murilo não ficar bom da noite para o dia enquanto você estiver fora. – Deu-lhe um sorriso que anulava a ameaça.

— Você já vai?

— Já.

— Achei que faria uma visita à Camila.

— Por que eu visitaria sua namorada? – Paola esboçou um certo ar de desdém.

— Porque... Você veio até aqui!?

— Eu vim ver como você estava, você é minha funcionária, não ela. Mas, se ela estiver bem, você também vai estar. – Disse, em um certo descaso, enquanto conferia as unhas.

— Entendi. Bom, obrigada, eu acho.

— Não precisa levar para o lado pessoal. – Esboçou um sorriso, aproximando-se – Sua namorada jamais iria querer minha visita.

— Você... Sabe que ela perdeu a memória recente, né!?

— É... Mas eu, não. – Piscou, em uma forma de despedida.

Gabriela apenas observou, junto às outras pessoas próximas, enquanto Paola se afastava. Eram duas pessoas completamente opostas, tinham níveis sociais diferente, conhecimentos diferentes, gostos e amores diferentes. Gabriela jamais daria ordens como Paola, achava 80% das suas atitudes questionáveis mas, talvez por ser tão oposta, tinha uma forte atração por mulheres com esse tipo de poder, e isso vinha desde sempre. Mas aqueles dois opostos se completavam na cozinha. Paola nunca admitira, mas adorava tudo que vinha das mãos de Gabriela, e transmitia isso apenas com o olhar e um sorriso tão mascarado que era quase imperceptível, sem uma única palavra.

— Gabriela? – A mão chamou tocando seu ombro e despertando-a do transe.

— Oi! – Respondeu, quase como um reflexo.

— Calma! Está tudo bem? – Leonardo riu.

— Tudo, tudo bem. – Disfarçou.

— Como você está?

— Bem, e o senhor? – A resposta recebeu um olhar desconfiado.

— Não, eu não estou sendo educado, quero saber como você está de verdade.

— Bom... Vou levando.

— Nós vamos superar tudo isso. Nós dois sabemos quem ela realmente é. E agora ela não é só mais minha filha e sua noiva, ela vai ser a mãe de alguém. E você também.

— Vocês já sabem?! – Gabriela não pôde conter a expressão de espanto. – Ela contou pra vocês?

— Ela não precisou me contar. Está idêntica à mãe dela quando estava grávida dela. Ela pode ter puxado meu jeito em muita coisa, mas tem a beleza da mãe. – Sorriu. – Como você está sobre tudo isso?

— Eu... Eu também só descobri agora, mas não sei como as coisas vão seguir daqui pra frente.

— E por que seriam diferentes?

— Como eu posso estar com uma pessoa que nem sabe quem eu sou e nem sei se quer estar comigo?

— Ela vai saber quem você é.

— Como? – O tom de desânimo era evidente.

— Podemos subir agora pra vê-la.

— Ela não quer me ver.

— E como você espera que ela saiba quem você é, estando aqui embaixo escondida e longe dela? Ela precisa de você nesse momento e vai precisar de você daqui pra frente. – A frase deixou Gabriela sem resposta. – Vamos fazer assim, você toma um café comigo e depois subimos juntos, ok?

Leonardo pôs seu braço em volta de Gabriela. Quis parecer que a guiava, mas na verdade a abraçava com medo de que fugisse. Queria ser o melhor pai naquele momento e sabia o que era o melhor pra sua filha.

Você, de verdade (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora