O misto dos sons das buzinas de carros e pássaros despertaram Camila lentamente algumas horas depois. Incrivelmente, estava feliz por não ter sonhado. Esfregou as mãos com delicadeza no rosto e percebeu que havia dormido da mesma forma que deitara: atravessada, quase sem rumo na própria cama.
Quando lembrou de Gabriela, sentiu-se uma hóspede folgada. A menos, é claro, que Gabriela também ainda estivesse dormindo - o que não seria de todo ruim.Resolveu tirar as roupas que havia usado mais cedo, para não denunciar toda a arrumação feita, e vestiu algo mais leve para ficar em casa. Caminhou em passos preguiçosos até a porta e, já a alguns passos para fora, viu Gabriela sentada no sofá. Imaginou que também tivesse acordada há pouco tempo, pela posição, mas viu que a postura não era de alguém que acabara de acordar; as mãos entrelaças apoiavam-se sobre os próprios joelhos e a cabeça baixa parecia aguardar a chegada de Camila na sala.
- Oi...
- Tem alguma coisa que você queira me contar?
Gabriela foi direto ao assunto. Camila sentiu um frio descer pela espinha, que a deixou paralisada no mesmo instante; aquilo não poderia ser bom sinal. A última vez que alguém havia feito aquela pergunta, naquele tom, foi seu pai, quando encontrara um baseado no jardim de casa.
"Porra, ela descobriu do beijo com o Pedro. Ou descobriu que mexi no celular dela. Será que eu sonhei e gemi enquanto dormia e ela ouviu?"
- Pra... você?
Camila se fez de desentendida - O que, de fato, era parcialmente verdade.
- Sim.
- Eu... Acho que não. Por quê?
- Porque eu fui lavar a nossa roupa, e lembrei que as suas ainda estavam na bolsa do hospital, e aí... Achei isso em um dos bolsos.
Gabriela jogou, na mesa de centro da sala, o comprimido que Camila havia recebido de Pedro. Da ótica de Camila, a cena acontecia em câmera lenta. Engoliu a seco e tentou pensar friamente.
- Isso... Isso não é exatamente o que parece.
- Parece um comprimido de Citotec. Não é o que parece? - O tom sarcástico soou como um ranger de dentes ao ouvido de Camila.
- É, mas...
- Isso tem alguma coisa a ver com o sangramento que você teve no hospital? - Gabriela tinha uma angústia nos olhos que, até então, era desconhecida por Camila. Sentia o coração trincar de culpa.
- Não, é claro que não! - Agachou-se de frente à Gabriela, apoiando uma das mãos sobre seu joelho. - Me desculpa, eu... Eu jamais teria tomado.
- Então como isso veio parar nas suas coisas? E por que ficou?
- Uma pessoa me deu quando eu estava fragilizada e com medo, mas eu...
- E você cogitou isso sem me consultar? - Gabriela levantou-se, deixando Camila encostada ao sofá.
- Não, eu não cogitei, eu... Tá certo, talvez, por um momento, mas... Mas eu não teria coragem de fazer isso com você!
- Sabe o que me deixa mais irada nessa história, Camila? Você, em nenhum momento, conversou comigo que essa situação tava te incomodando! Eu não... Eu nem sei se tenho o direito de ficar brava por isso! É o seu corpo, eu nem sei se poderia opinar. Se você quiser desistir, você não tem obrigação de me consultar ou pedir minha permissão.
Gabriela andava em círculos, visivelmente nervosa. Camila tentava seguí-la.
- Gabriela, me escuta: A gente vai ter esse bebê. Não importa, se eu topei engravidar, nós vamos até o fim.
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Você, de verdade (Romance lésbico)
RomansLivro 2 concluído - Sob Nossas Peles: https://w.tt/2RUs4tJ O que acontece depois do "felizes para sempre"? Essa é a história de Camila e Gabriela, um casal que vivia feliz para sempre. Até o capítulo seguinte. Após um acidente de carro que quase lhe...