Coração de mãe

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Alguns dias após o casamento, Carya tinha cada vez mais certeza de que tomara a decisão certa. Conviver com Rodan não era pacífico. Ela morreria se fosse. Eles discutiam por coisas bobas... Bem, na verdade, Carya discutia, Rodan ficava sempre daquele jeito sério e sábio que a idade lhe ensinara. Era raro ele responder ou discutir por algo, exceto o assunto de sempre: ciúmes. Mas ela não se incomodava mais, ela sabia que ele não tentava controlar o jeito dela ou como ela agia com todos. Ele só se incomodava quando alguém realmente tentava mexer com ela e, nesse caso, quase sempre esse alguém era Rádara. A princesa leonina ficara furiosa com o casamento e discutira feio com Rodan de tal forma que Lordok precisou apartar a briga quando Rádara deu um soco no queixo do comandante. Nos dias que se seguiram, ela mudou de tática. Ao invés de brigar abertamente com Rodan, Rádara passara a dar em cima de Carya abertamente, investindo cada vez mais. A própria Carya estava incomodada com isso, mas nada que dissera fizera a amiga (ou ex-amiga?) respeitar seu novo status. Devon, por outro lado, passara a evitar até mesmo os treinos habituais onde todos os soldados de alta patente treinavam juntos, tudo para não encontrar com ela ou Rodan. Quando se viam, ele mudava seu rumo ou dava qualquer desculpa pra se afastar. A mágoa emanava de cada gesto e olhar dele.

Que se dane. Carya pensou indo pra casa. Não vou deixar essas coisas pequenas atrapalhar minha felicidade com meu comandante bonitão.

Vó e Hunna discutiam diariamente. Hunna não se conformava com o casamento apressado, sem uma festa bonita e digna de uma princesa. Vó, por outro lado, apoiava a presa de Carya porque, de acordo com a velha, não se podia perder tempo com festas quando o melhor do casamento acontecia quando o casal finalmente estava sozinho. Embora ela tenha dito isso com menos palavras sutis. Carya sorriu lembrando da discussão entre a mãe e aquela velha que ela amava. As duas viviam brigando, mas só andavam juntas o tempo todo. Carya não vira sua mãe andar tão grudada nem mesmo com sua madrinha Teira. As duas eram muito diferentes, mas se adoravam, por mais que Hunna vivesse reclamando de Vó o tempo todo.

- Carya, amor, você viu sua mãe? – Rodan perguntou da varanda.

- Não. Porque? – Carya perguntou preocupada.

- Ela devia ter encontrado Rádara hoje de manhã para organizar algumas coisas no castelo, mas ela não apareceu.

- De manhã? E porque só avisaram agora? – Carya perguntou, o sol havia sumido no horizonte a mais de 6 horas.

Rodan olhou pra Carya sério. – Advinha... Rádara não contou porque eu estava de plantão no palácio e ela não queria falar comigo.

Carya se virou, arrepiada de raiva, pronta pra arrancar a cabeça de Rádara com os dentes. Rodan a seguiu, evitando abrir a boca ou tocar na esposa. Ele sabia como ela explodia fácil com qualquer um quando estava com raiva.

~o~

- Confesso que quando meu espião informou sobre sua proposta fiquei surpreso. – Eltar disse, parado ao lado do cavalo onde a tigresa havia vindo.

Dias antes, Hunna percebera alguém espionando a casa de Carya e Rodan. Infelizmente, o espião a descobrira e quase a matara. Ela queria ter visto o rosto dele, mas ele usava aquela roupa dos coletores de mel, totalmente coberto e nunca retirara a espécie de capacete de tecido grosso. Fosse quem fosse, pela voz rouca quase animalesca, ela podia jurar que era o tal Lino que a filha descrevera. Isso explicaria porque ele parecia emanar ódio contra ela o tempo todo e, quando saíram das Montanhas Amarelas, ele usava um capuz e um pano escuro cobrindo boca e nariz. Ela só não sabia o motivo de tanto ódio, mas, já que ele se escondia tanto, ela devia conhecer ele. Mas, olhando naqueles olhos deformados, ela não conseguia reconhecer ninguém ali. Tudo que via era um ódio dificilmente contido. Pensando nisso, quando ele tentara matá-la dias atrás, uma ideia lhe ocorreu. Ela poderia salvar a própria vida e a de seu filho. Então, assim que Lino confirmou que Eltar aceitara a proposta dela, ela deu um jeito de sair sorrateiramente de casa, mudou seu caminho habitual, se embrenhou na mata e vestiu uma calça-saia de montaria e casaco simples de camponesa, uma bolsa simples com poucos mantimentos e uma espada que ela sabia usar um pouco, apenas o suficiente pra se defender. Ninguém naqueles tempos andava desarmado em Likastía. Não era prudente.

Likastía- planeta dos felinosOnde histórias criam vida. Descubra agora