Uma noite simbólica

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Kallys, a pequena lua verde água, e Éris, a grande lua cor de fogo, pairavam quase lado a lado no céu noturno. Fazia quase uma hora que Hunna estava escondida no jardim chorando. Os pêlos alaranjados com listras negras como a noite estavam úmidos, seu focinho negro com uma charmosa mancha branca no topo estava escorrendo e ela não tinha ânimo nem para limpar. Seus pais estariam procurando por ela? Claro que estariam. Mas não por amor à ela, disso ela tinha certeza. Estavam furiosos, sem dúvida. Nunca vira sua mãe tão irritada com sua negativa. Mas ela não iria ceder. Não podia ceder. Ela preferia viver no mato como um daqueles povos excêntricos do clã que vivia nas florestas sem classe ou cultura, preferia caçar sua comida com as próprias garras do que aceitar aquele inferno.

Instintivamente ela olhou as próprias garras. Eram enormes como devia ser com uma moça de sua posição. Estavam enfeitadas com desenhos e tintas azuladas, não eram garras acostumadas a caçar... Isso a fez chorar mais ainda. Ela morreria ali de frio e fome, talvez até fosse devorada por aqueles canibais leoninos. No jardim ela estava protegida, mas e quando saísse? Ela respirou fundo e tentou focar em um problema por vez. Primeiro tinha que achar uma oportunidade de sair do jardim sem ser notada. Seria difícil. O sistema de segurança de sua mansão era um dos melhores de toda Likastía. Mas ela não iria desistir. Ela preferia morrer do que... Ela não queria nem pensar. Ela arrumou um pouco as roupas luxuosas que estavam desalinhadas e praguejou mentalmente por não ter tido tempo sequer de colocar algo mais adequado à uma fuga. Mas, antes de se levantar, uma mão forte com garras pintadas de preto e aquele perfume floral forte não deixou dúvidas.

- Ma...Mamãe! – Hunna balbuciou ante o olhar feroz da tigresa.

- Você a encontrou! Graças às luas irmãs! – Seu pai disse se aproximando.

- Levante-se! – A mãe de Hunna disse num rosnado perigoso. Num reflexo, acostumada à obedecer as ordens tiranas de sua mãe, Hunna se levantou e começou a tremer como se todos os seus pêlos tivessem sumido de seu corpo.

- Querida, olha o seu estado! Vamos pra dentro. – Seu pai disse já perto dela, mas a mãe de Hunna o impediu de ir abraçar a filha como sempre fazia.

- Você vai entrar. Vai se arrumar decentemente como uma verdadeira Tiger e vai voltar para a sala de jantar para cumprimentar os convidados. – A mãe de Hunna disse naquele tom que claramente não deveria ser desafiado.

- Mas eu não quero! Eu nunca vou...

PLAFT!

A mãe de Hunna a calou com um tapa no rosto tão forte que o som ecoou no jardim e fez algumas aves voarem de seus ninhos. A jovem tigresa caiu sentada no chão com a força do golpe.

- Sua imunda ingrata! Você não tem que querer coisa nenhuma aqui! Você vai fazer o que estou mandando ou eu mesma vou arrancar cada um dos seus pêlos com uma pinça e queimar suas mãos de novo! – A mãe de Hunna disse com olhos brilhando de raiva e Hunna sabia que ela era capaz de fazer aquilo mesmo...De novo. – Será que fui suficientemente clara?

- Sim... Mamãe...

- Você é patética... Nem parece uma Tiger. Agora vá e não faça a família de seu noivo esperar... Para o seu próprio bem.

- Querida... Ela já entendeu... – O pai de Hunna tentou intervir para ajudar a filha a se levantar, mas parou no lugar com o olhar fulminante da esposa.

- É por isso que ela é fraca. Ela é um símbolo patético do inútil que você é! Deixe que essa estúpida levante daí sozinha. Vamos para dentro. AGORA! – Ela seguiu e o marido foi atrás de cabeça baixa, evitando olhar para Hunna.

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