Quatro crianças e uma tragédia

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- Creio que esse caso foi conhecido até mesmo nas Montanhas Amarelas. – Fagrir começou, olhando para Lordok que acenou positivamente com a cabeça.

Hunna ainda soluçava, mas estava calma o bastante pra explicar. Rodan estava sentado de mãos dadas com Carya; Devon e Rádara estavam sentados um ao lado do outro com um olhar sério e meio irritado pra Rodan, mal disfarçando; Lordok estava sentado entre os quatro, tentando amenizar com sua presença o clima tenso entre eles. Hunna e Fagrir estavam sentados de mãos dadas de frente para os cinco, ela um pouco curvada pra frente, olhos vermelhos de tanto chorar, um pouco vidrados de medo ainda.

- Eu... Eu acho que devo contar... – Hunna respirou fundo sentindo o aperto reconfortante do marido em sua mão. – Por quase quatro anos eu fui casada com o felino que temia. Mas, meu medo de Tigrésius vem de muito antes... Minha mãe e o pai de Tigrésius tinham algum negócio que não entendo bem, então acabamos sendo apresentados. A gente brincava juntos, mas ele sempre foi.... Estranho. Tinha algo nele que eu não sabia explicar... Ele era gentil e educado, mas, às vezes, ele parecia se divertir com acidentes, ou gostar de ver algum escravo sendo executado por roubar seus mestres... Mas, era algo mais profundo que isso. Algo que não sei explicar. Nós éramos um grupo de quatro crianças: eu, Tigrésius, Omar e Elim.

- Eu me lembro do caso. Se tornou uma lenda em toda Likastía. Lembro que, na época, meu pai, mesmo com as relações tensas entre nossos povos piorando, chegou à oferecer ajudar ao rei Tiger. – Lordok comentou.

- Sim. Me lembro que o rei Estefan quase aceitou, mas seu conselheiro-chefe, na época já era o pilantra do Leviatã, o aconselhou a não aceitar e foi quem sugeriu que seu povo tivesse relação com o caso. – Fagrir comentou.

- Eu não estou entendendo nada. – Carya confessou e Rádara e Devon balançaram a cabeça concordando.

- Isso porque você foi criada aqui, amor. – Rodan respondeu. – Entre os leoninos a história caiu um pouco no esquecimento e só nós que acompanhamos o caso na época lembramos com maior frequência.

- Em compensação, no reino Tiger os pais contam essa história como uma lenda pra assustar crianças desobedientes. – Fagrir disse.

- Quem dera fosse só uma lenda... – Hunna murmurou. – Omar era um doce de menino, sempre muito solícito, atencioso e um cavalheiro. Tigrésius era muito egocêntrico e sempre tinha alguma coisa desagradável pra dizer, sempre menosprezando todos nós, às vezes nos assustando à ponto de termos pesadelos, tudo porque ele achava divertido. Elim era a caçula. Tinha 6 anos na época, um ano a menos que eu, e a gente se entendia muito bem. Éramos sonhadoras, meio bobas e inocentes, sonhávamos com príncipes gentis e românticos mesmo nem entendendo direito o que isso significava. Sempre dizíamos que seríamos madrinha do casamento uma da outra. Lembro que a gente só andava de mãos dadas na rua, jurando que uma ia proteger a outra de todos os monstros das florestas. – Hunna sorriu, nostálgica. – Omar adorava alimentar nossas fantasias bobas. Os dois me apoiaram muitas vezes quando minha mãe me colocava pra dormir por dias, sozinha, sem comida ou água, por algum motivo tolo. Elim uma vez se esqueirou pra dentro da minha casa, não sei como, e levou comida pra mim na masmorra.

- Parece uma descrição do Seth. – Rádara sorriu.

- Sim. Meu garotinho tem muita semelhança com Elim nesse sentido. – Hunna concordou. – Houve uma vez que saímos os quatro pra brincar no riacho e Tigrésius propôs que a gente tomasse banho. Elim parecia meio peixe, nadava com perfeição. Mas eu tinha medo e ainda estava aprendendo. Ele e Elim tiraram a roupa e entraram na água. Eu e Omar ficamos pra trás enquanto ele me acalmava e me dava dicas de como entrar e nadar. Foi rápido, mas juro que vi Tigrésius parado de pé olhando pra Elim seminua com o olhar mais assustador que já vi. Ele olhou pra mim e, percebendo que eu estava olhando, ele fez um sinal com a unha na garganta, de um lado a outro, como se ameaçasse cortar minha garganta. Omar e Elim não viram e fiquei com medo de contar.

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