Babá ●Peterick● Parte 1

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Pete subiu as escadas em direção a porta da grande casa branca. Tentava controlar seu nervosismo, seria sua primeira noite cuidando das crianças Stumph e não poderia cometer erro algum. O segredo era fazer com que os pequenos o amassem tanto que se tornasse impossível chamar outra pessoa sem que fizessem um verdadeiro escândalo. Claro que precisava causar uma boa impressão nos pais, fazer tudo como pediam e deixar a casa em perfeito estado, contudo, sabia que o que mais prezavam era que os filhos deixassem-nos em paz, então, uma confusão sobre quem cuidaria deles era indesejada.
Enquanto aguardava ser atendido, pensou no quão bom seria se conseguisse tornar aquele um emprego permanente, afinal, eram mais ricos que as famílias do seu bairro e pagariam mais por aquela noite do que ganharia em uma semana. Isso também levantava a dúvida da razão de não terem alguma babá fixa, daquelas que andava com eles para todos os lados, mesmo em viagens. Tinha ficado surpreso quando ligaram, ainda mais por ter sido uma recomendação do jardineiro, que descobriu ser seu vizinho.
Logo uma mulher bem vestida apareceu, carregando uma pequena bolsa e trajando um longo vestido de festa. Permitiu que entrasse e começou a falar:
- Olá, Peter, não é? Você é um salvador, de verdade. Nossa babá se demitiu ontem, sem aviso algum, e precisávamos ir a esse jantar para fechar negócios, muito obrigada por conseguir vir tão em cima da hora.
- Não tem problema, senhora, vai ser um prazer ajudar.
- Oh, peça para o Kevin te dar um tour na casa, estamos atrasados e ele vai adorar isso. Ele e a Megan estão na sala de cinema, pode esperar o fim do filme para que comam, só, por favor, não deixe que durmam antes da comida. Precisam estar na cama até dez horas, jamais pode passar disso.
- Certo.
- E, ah, antes que esqueça de avisar, meu filho mais velho está no quarto dele e provavelmente não vai sair de lá, então, não precisa se preocupar. Ele tem a sua idade, está passando por uma fase rebelde de se isolar, sabe? Provavelmente não vai te incomodar, então, pode ficar despreocupado.
- Claro.
Ela sorriu mais uma vez, antes de colocar a mão no ombro do garoto e dizer:
- Muito obrigada, está salvando nossa noite. Agora, preciso ir. Não posso me atrasar se não quiser que meus investidores me matem. Deixei uma lista na cozinha para que não se esqueça do que precisa fazer. Até mais, Peter.
- Tenha um bom jantar, senhora - respondeu, vendo-a se afastar.
O local estava silencioso e frio, diferente da maioria das casas em que costumava trabalhar. Não havia crianças correndo de um lado para o outro, gritando e brincando. Parecia um pouco triste e sem sentimentos. Tudo era tão branco e cheio de luzes que fazia seus olhos doerem. Caminhava lentamente, com medo de esbarrar em qualquer coisa, para tentar achar a cozinha e a sala de cinema. O local era inteiramente branco, sem nenhuma outra cor para decorar além de poucos traços em preto.
Surpreendentemente não demorou a encontrar o primeiro cômodo e leu a lista preparada pela mulher. Era bem mais detalhada do que as que estava acostumado, já que geralmente suas únicas tarefas eram evitar que alguma morte acontecesse. Eles tinham horários bem específicos para fazer as coisas, mas conseguiria lidar bem com isso.
Colocou o papel no bolso para seguir a busca pelas crianças. Percorreu os longos corredores até escutar o som do que parecia um filme infantil. Quando adentrou no recinto, ficou sem palavras. Aquela sala deveria ser maior que sua casa e tinha poltronas e uma tela enorme. Havia um cheiro de pipoca amanteigada, não ficaria surpreso se tivessem uma daquelas máquinas de fazer pipoca.
- Oi - falou, vendo que estavam tão concentrados no programa que não notaram sua presença.
Ambos se viraram em sua direção, analisando-o profundamente antes de sorrir. Seres humanos de seis anos de idade não agiam diferente, mesmo sendo de famílias completamente opostas das que estava acostumado. Todos faziam exatamente a mesma coisa.
- Qual o seu nome? - a garotinha questionou.
- Pete. E o seu?
- Megan! E ele é o Kevin!
- É muito bom conhecer vocês. O que estão assistindo?
- Hotel Transilvânia!
- Oh... adoro esse filme. Posso assistir com vocês?
- Claro.
Ele se sentou numa das fileiras traseiras e começou a mexer em seu celular. Às vezes escutava as risadas dos outros, olhava para o filme e ria junto. Por mais que gostasse de vampiros, aquilo definitivamente não era sua versão favorita. Revisou a lista mais uma vez antes do programa acabar e convidar os gêmeos para um tour. Eles animadamente concordaram, como a mulher disse que fariam.
A casa era ainda maior do que parecia, tinham tantos quartos que se sentia perdido. Um chamou sua atenção: o do mais velho. Tinha um desenho de uma lua na porta e era possível ouvir música alta tocando, algum tipo de rock que não conseguiu definir exatamente.
Logo que terminaram, levou-os para a cozinha e esquentou o jantar que havia deixado preparado. Observou-os comer enquanto contavam piadas infantis e fingia achar a coisa mais engraçada do mundo.
O fato era que ninguém esperava que alguém como ele gostasse tanto de crianças, porém, depois de muito tempo cuidando delas por obrigação, percebeu que realmente aproveitava aqueles momentos. Nunca havia pensado em como aquilo impactava na maneira que via seu futuro, até ver o sonho de ter filhos se desenvolver cada vez mais. No último ano, sua cabeça tinha sido povoada por dúvidas de diversas formas, com aquilo sendo um agravante. Agora, havia aprendido mais sobre si mesmo e parecia ter descoberto quem era.
Podia ver isso acontecer com todas as crianças que cuidava. Assistia-as criando personalidades, gostos e aprendendo a viver por si mesmas pouco a pouco. Achava um processo fascinante e gostava de ter uma pequena participação.
Mesmo que passasse uma noite ao lado delas, sentia que podia fazer alguma diferença, ensinar algo diferente que mudaria-as, nem que fosse por um tempo apenas.
Por isso, contava piadas de halloween, sua especialidade, para eles naquela noite. Nem sequer estavam perto da data, mas aproveitou o filme que assistiram como desculpa. Elas riam tanto que parecia que a qualquer segundo suco sairia de seus narizes. Felizmente, isso não aconteceu, então, seria menos bagunça para limpar.
Logo que terminaram, levou-os para o andar superior e deixou que se preparassem para ir dormir. Ambos caíram no sono rápido, bem mais rápido do que a maioria das crianças, o que foi bom, já que precisava desesperadamente usar o banheiro. Tirou uma foto deles, mandou para a mãe deles, para mostrar que tinham ido para a cama meia hora antes do horário, e saiu do quarto. Estava feliz porque tinha sido muito mais fácil do que a maioria das noites. Sem choro, gritos ou animais. A paz reinava no ambiente, exceto pela música que ainda ecoava pelo corredor, fruto do dormitório do outro garoto.
Sem pensar muito, entrou no primeiro banheiro que encontrou, localizado no corredor. A luz estava apagada, mas conseguiu ver claramente a cena que se desenrolava: um menino estava sentado sobre o vaso fechado, nu da cintura para baixo enquanto se masturbava. E o pior, conseguia ver claramente a tela do celular do garoto, que permaneceu tão focado em suas ações que demorou alguns segundos para vê-lo, parado na porta, totalmente paralisado pela situação constrangedora.
- Uh, me desculpe, eu - fechou os olhos, sentindo o rosto se aquecer intensamente - me desculpe.
Saiu praticamente correndo do local. Era a primeira vez que acontecia aquilo em seu trabalho. Na verdade, era a primeira vez em toda sua vida que encontrava alguém em um momento tão íntimo como aquele. E esperava que fosse a última.
Estava totalmente desesperado, com a certeza que os pais não o pagariam depois que soubessem o que tinha acontecido. Sua noite inteira teria sido em vão. Eles poderiam até contar para o jardineiro, que contaria para seu bairro inteiro e perderia todas as casas, sendo considerado um pervertido. Mas não tinha como saber que havia alguém ali. A porta estava tornando impossível saber que estava ali dentro.
Começou a andar de um lado para o outro, ansioso demais para conseguir ficar parado. Estava pensando em todas as situações horríveis que poderiam acontecer e considerava seriamente implorar para que aquilo não saísse do controle. Por que tinha que ser tão burro? Óbvio que a sua paz tinha que terminar alguma hora.
Após alguns minutos péssimos, o Stumph saiu do banheiro, completamente vermelho e envergonhado. Não conseguia nem fitar o outro, mantinha o olhar fixo no chão.
- Olha, uh, me desculpe - Pete começou - por favor, me desculpe mesmo. Não sabia que tinha alguém ali. Bem, estava destrancada e não tinha luz alguma, mas não deveria ter entrado daquele jeito. Por favor, me desculpe. Se puder não contar para os seus pais...
- Espera, por que acha que contaria para eles? Essa é uma situação que definitivamente quero evitar.
- Não sei, você podia achar que sou, sei lá, algum tipo de pervertido.
- Queria pedir para você não contar para eles.
- O que? Por que contaria?
Respirou fundo antes de continuar a falar.
- Porque você pode ser algum tipo de homofóbico que acha que meus pais tem o dever de saber que o filho deles é gay e contar que você viu... bem, a tela do meu celular - pareceu mais envergonhado ainda.
- Nunca contaria isso! E não sou homofóbico, eu sou gay, então, jamais falaria isso para os pais de alguém, entendo como é isso.
- Espera, você é gay? Isso só torna as coisas mais constrangedoras ainda, céus.
Começaram a rir, sem saber exatamente o porquê. Ao mesmo tempo que estavam envergonhados, pareciam aliviados por saber que ficaria entre eles.
- Uh, me desculpe, de verdade. Mas você não tem tipo uma suíte?
- Está em reforma. Só funciona o chuveiro.
- Deveria aprender a trancar a porta, é bem recomendável se quiser que não aconteça mais isso.
- Espero que nunca mais aconteça. Céus, isso foi a pior experiência da minha vida. Estou tão envergonhado que acho que vou explodir.
- Eu também. Tipo, você é filho da minha chefe e isso foi tão, tão, tão constrangedor.
- Quero abrir um buraco no chão e me enterrar, sem brincadeira.
- E nem sei seu nome e já vi... coisas.
Fechou os olhos e balançou a cabeça, tentando apagar as cenas de sua mente.
- Meu nome é Patrick, se isso te deixa melhor.
- Não ajuda muito, mas sou o Pete.
Ficaram em um silêncio desconfortável por alguns segundos, sem coragem para encarar um ao outro.
- Eu acho que vou, uh, esperar seus pais no andar inferior.
- Sim, claro.
- Você realmente teve sorte que não foram eles que te encontraram.
- Ah, já estaria morto a esse ponto. Que bom que também não foi nenhuma daquelas babás idosas que sempre pareciam estar me julgando. Apesar de todo o desconforto, até que foi sorte ter sido um garoto bonito da minha idade... merda - falou assim que percebeu do que havia dito.
- Ouvi isso direito? - agora não estava mais tão desconfortável, estava apenas curioso.
- Talvez. Olha, me desculpe por isso, saiu sem que eu pensasse. Consegui deixar a situação pior ainda.
- Não, até que melhorou um pouco.
- Espera, sério?
Cruzou os braços e analisou-o dos pés a cabeça. Não podia negar que era bonito, mesmo usando um pijama temático do Batman. E, bem, não era o tipo de pessoa de se jogar fora.
- Você também é... bonito. E seus pais ainda vão demorar a chegar - arqueou as sobrancelhas.
- Está dando em cima de mim? Faz isso com todos os irmãos mais velhos das crianças que cuida?
- Só com os bonitos. E os que pego nesse tipo de situação desconfortável.
- Isso já aconteceu antes?!
- O tipo de criança que costumo cuidar não tem irmão mais velho. De onde eu venho, os mais velhos cuidam dos mais novos para que os pais não tenham que pagar alguém.
- Então, sou o primeiro?
- Podemos dizer que sim.
- Eu... uh, você é tipo muito bonito e adoraria, uh, o quer que estava sugerindo. Mas não posso com simplesmente tudo que aconteceu. Aquela situação foi constrangedora demais para que esqueça em um segundo.
Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, como se tentasse magicamente esquecer o que acontecera.
- Vamos começar do início, então.
O mais alto deu uma volta, abriu um sorriso, estendeu a mão e disse:
- Olá, me chamo Pete. Qual o seu nome?
- Vai fingir que nada aconteceu? - riu.
- Nem te conheço, como pode ter acontecido algo? Cara, você deve estar me confundindo com outra pessoa.
Não conseguiu conter o riso. Ele era um péssimo ator, porém, ao menos estava tentando, o que era fofo. Ninguém havia tentado deixá-lo confortável daquela maneira antes.
- Patrick, está tudo bem. Você foi um pouco idiota e descuidado, mas não precisa ter tanta vergonha assim. Nós temos a mesma idade, sei muito bem como é isso. A única diferença é que eu sei trancar a droga da porta. Além disso, nunca mais vamos nos ver. Você vai ter alguma babá idosa e eu não vou mais passar perto desse bairro de gente rica. Tudo que acontecer nessa noite vai ficar aqui. Mas... jamais poderia te pressionar, Patrick. Não me perdoaria se fizesse isso. Enfim - disse, sentindo que estava tornando o clima estranho - vou esperar seus pais no andar de baixo e deixarei que volte a se divertir com seu celular. Foi bom te conhecer.
Patrick observou-o se virar para descer as escadas enquanto refletia sobre suas palavras. Parecia ser realmente gentil, diferente da maioria dos garotos com quem estivera. Era estranho que mesmo querendo algo com ele estivesse tão de boa em ser recusado, o que era o mínimo que qualquer ser humano decente deveria fazer.
Além disso, ele não tinha nada a perder. Oportunidades de ficar sozinho em casa eram raras, ainda mais com alguém tão lindo e educado. Por ele, estava disposto a esquecer a vergonha dos instantes anteriores. E estava certo, estar com ele seria bem melhor do que sozinho com seu celular.
- Espera - sorriu - acho que você poderia fazer um tour no meu quarto.

→Continua...→


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