Natal ●Frerard●

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Nota: parcialmente inspirada pelo filme Holidate (Netflix) e por parentes insuportáveis que insistem em perguntar de namoro.
Boas festas!!!

Revirei os olhos enquanto meus pais falavam novamente sobre como tinham uma garota linda para me apresentar. Era filha de alguma amiga da minha mãe, ou algo parecido. Sinceramente, não poderia me importar menos.
Continuavam a murmurar algo sobre o quão legal era a faculdade dela de medicina e o quanto de dinheiro ganhava por turno, mas deixei que meus pensamentos vagassem pela extensa lista de decepções amorosas que haviam me causado. Por exemplo, meu primeiro namoro oficial. Ah... como poderia esquecer da garota mais do que perfeita, para eles, mas que me destruiu completamente ao longo dos dois anos em que ficamos juntos? Na frente deles, era a namorada carinhosa, comportada e que me amava muito. Nas suas costas, me ameaçara de morte algumas vezes.
Desde então, prometi a mim mesmo que jamais deixaria que escolhessem alguém. Anos de terapia tinham feito com que superasse aqueles acontecimentos, porém, o fantasma dela sempre assombraria minha mente.
- Gerard?! Não está escutando? - a voz de minha mãe me acordou do transe.
Encarei-a, tentando parecer o menos entediado o possível, para evitar um grande sermão.
- Estou... estou.
- Quer conhecê-la? É natal, o amor está no ar.
- Estou muito ocupado essa semana.
- Ocupado? Você desenha o dia inteiro - meu pai falou com escárnio.
- Querido, você não pode passar a vida inteira sozinho nos feriados conosco. Faz anos que seu irmão não passa aqui, já que mora em outro estado. Apesar de nunca ter dito nada, ele com certeza teve ter uma namorada. Você também precisa de alguém, já tem mais de trinta anos.
Tentei não revirar os olhos naquela hora, juro que tentei. Mas foi fisicamente impossível. Quando percebi, ela estava me encarando com uma expressão de irritação extrema.
Mikey era o grande orgulho da família. Bem-sucedido, tinha se mudado para Los Angeles a trabalho, e com certeza tinha uma namorada. Ri, pensando no quão errada era a ideia deles a respeito de tudo isso. Tinha se mudado para morar com o namorado, Ray, que era um músico, uma das coisas que eles mais odiavam no mundo. Um dia, ele contaria a verdade e eu não seria um filho tão ruim, mas, por enquanto, estava feliz em proteger meu irmãozinho dos ataques deles.
- Mãe, sei me cuidar. Não precisa se preocupar comigo. Eu sei muito bem como arrumar alguém para namorar.
- Não parece.
- Bom, acho que já está ficando tarde, vejo vocês semana que vem no natal. Ou não, quem sabe não me case e vá morar na Holanda.
Levantei da mesa de jantar e caminhei rapidamente até a porta. Precisava sair dali logo, não aguentaria mais cinco minutos com meus pais. Enquanto escutava-os resmungar, olhei para a cadeira em que minha avó costumava sentar, lembrando de como ela sempre me defendia nessas situações. "Ah, ele é jovem e bonito, vai encontrar uma boa pessoa! Deixem-no em paz!" Nunca superaria não tê-la ao meu lado, por mais que fizesse anos desde sua partida. Ela era a única que verdadeiramente me apoiou em toda minha vida.
- Tudo bem, Gerard. Até semana que vem - falou.
Meu pai nem se deu o trabalho de levantar da mesa para se despedir, apenas murmurou um 'até logo', que mais parecia querer dizer 'nunca mais quero te ver'. Ela me deu um abraço fraco e me fechou para o lado de fora.
A única razão de eu continuar indo lá era o pedido que minha avó fizera antes de morrer. Ela dizia que tinham essa postura, porém, me amavam muito e precisava cuidar para que ficassem bem. Jamais deixaria de cumprir uma promessa que fiz a ela, então, passaria mais um natal cheio de tortura. Assim que entrei no carro, liguei para Mikey. Teria que aguardar alguns minutos para não pegar um trânsito infernal, então, não tinha problema em gastar o tempo parado conversando com ele.
Assim que atendeu a chamada de vídeo, pude ver seu cabelo escuro bagunçado e seu rosto levemente inchado, como se tivesse acabado de acordar.
- Ei, orgulho da família, ainda dormindo? -  sorri, fazendo-o revirar os olhos.
- Passei a noite acordado em um show, não enche.
- Acabei de sair da sessão de tortura, ou almoço com nossos pais, como queira chamar.
- E como foi?
Finalmente colocou os óculos e encarou a tela com um sorriso surpreso.
- Espera, você pintou o cabelo de preto?
- É, eles nem perceberam.
- Típico.
- Enfim, eles ficaram o tempo todo falando de uma mulher, filha de sei lá quem, perfeita para mim. Mais uma vez tentaram me juntar com alguma estudante de medicina por aí.
- O tipo favorito deles.
Fechei os olhos, absorvendo o som da risada dele. Sempre tinha sido nós dois contra o mundo. Sentia falta de vê-lo pessoalmente, contudo, ainda me valia das longas conversas por telefone.
- Sinceramente, Gee, não entendo o porquê de ainda continuar indo. Por que não vai viajar com seus amigos?
- Eu não tenho amigos. Você roubou o único amigo que tinha. Finalmente arrumei um amigo e boom ele se apaixonou pelo meu irmão e foi morar em outra cidade. Agora, estou preso com idosos que me odeiam. Seria muito bom se eles simplesmente parassem de falar.
- Imagina se você aparecesse com a personificação de tudo que odeiam, acho que ficariam loucos de vez.
- Dá vontade de criar um robô com todas as características que mais odeiam, só para dar um susto neles. Imagina aparecer na casa deles com um cara, sim, teria que ser um cara, com muitas tatuagens, que abandonou a faculdade para ser músico? Infarto.
Ri, pensando no quão bom seria esse mundo de fantasia em que o cara perfeito para isso existisse. Mikey, no entanto, estava pensativo e deu apenas um sorriso maldoso, como uma criança prestes a atirar uma pedra na janela dos vizinhos chatos.
- E se esse cara existisse?
- O quê?!
- Isso é literalmente a descrição de alguém que conheci aí em Jersey. Talvez eu possa ver se ele ainda mora por aí e está disponível para o natal.
- Está falando sério? Acha que aceitaria ser meu namorado falso?
- Pelo pouco que conheço dele, com certeza sim. Digo, ele é um verdadeiro pé no saco, mas nossos pais são muito piores.
- Não acredito que estou realmente considerando isso. Seria uma oportunidade incrível para ensinar a eles uma lição ou para me deserdarem de uma vez por todas.
- Sabe que não fariam isso.
Estava certo. Meus pais não eram homofóbicos do tipo "queimem os gays!!", apenas assumiam que todos eram heterossexuais, incluindo seus dois queridos filhos.
- Seria muito divertido ver a reação deles.
- Por favor, preciso que faça isso e filme.
- Ok, vou fazer.
- Sério? - seus olhos brilharam como faziam quando éramos criança e ganhava um quadrinho novo na manhã de natal.
- Claro. Não tenho nada a perder.
- Vou tentar falar com o Frank o mais rápido o possível. Isso vai ser... épico.
- Com certeza.
Soltei uma risada, pensando no caos que estava prestes a se instaurar em nossa família.
- Gee, isso é um verdadeiro ato de coragem. Quero vídeos e fotos.
- Pode deixar, Mikey.
- Agora preciso te arrumar um namorado de mentira, até mais.
Desligou, antes de escutar minha despedida. Era nítido o quão empolgado estava com toda aquela situação. Apesar de uma parte de mim gritar o risco que estava correndo, a outra também estava animada. Afinal, passei minha vida inteira escutando aquelas coisas, tinha mais que trinta anos, era realmente a hora de enfrentar meus pais. E não tinha nada melhor para confronta-los do que o Diabo em pessoa.

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