Vampires will never hurt you ●Peterick● Parte 1

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O vento batia contra meu rosto, cada vez mais forte a cada passo que dava. O bom era que praticamente não sentia a dor que poderia me causar. Na verdade, não sentia a maioria das coisas que os humanos sentiam. Tinha perdido a habilidade de sentir há muitos anos. Quase tanto tempo que qualquer um esqueceria. Mas a imortalidade e a paixão me impediam de esquecê-lo.
Desde aquele dia, minha missão têm sido tentar encontrá-lo, perguntar o porquê de ter feito aquilo e depois desaparecido. Sei que éramos muito jovens quando aconteceu, porém, jamais fui capaz de esquecer o garoto que roubou meu coração e minha mortalidade. Ele estava literalmente marcado na minha pele como uma lembrança eterna de sua presença. Por séculos, procurei seu rastro, indo atrás de qualquer um que pudesse me dizer onde estava. Agora finalmente tinha uma pista concreta que poderia me levar a reencontrar o amor da minha vida mortal e imortal. Entretanto, para poder entender como cheguei aqui, é necessário compreender o início da minha história.
"O ano era 1348, a peste havia se espalhado por todas as regiões conhecidas. Pessoas estavam mortas por todos os lados, a maioria caía no chão e ali ficava, esperando apenas que o corpo fosse retirado. Ninguém entendia de onde a doença havia surgido, mas o desespero de que era castigo de Deus tomava conta das pobres almas.
Eu não me preocupava com aquelas coisas, sabia que aquela doença jamais chegaria ali em cima. Essa era uma das vantagens em ter muito dinheiro e viver isolado do resto da sociedade. Apesar de que tudo isso era mérito do meu pai. O grande Conde Wentz. Para o mundo, ele era uma pessoa horrível e amargurada. Para mim, era meu melhor amigo. Era o único com quem eu passava o tempo, nós líamos juntos, caçávamos e simplesmente éramos os únicos um para o outro.
Bem, não mais. Porque agora tínhamos convidados no castelo. Era a primeira vez em anos que alguém se hospedava ali, estava extremamente empolgado. Ainda mais porque havia um garoto da minha idade. Eles tinham chegado há apenas dois dias e eu não tive chance de falar com ele. Apenas o observei de longe. Eu não tinha informação alguma sobre aquela família, o que faziam ali ou o porquê exatamente foram parar no meu lar. Muito menos sabia a razão de meu pai concordar em hospedá-los, principalmente pela praga que se espalhava.
Ainda me lembro perfeitamente da primeira vez que conversamos. Estava encarando-o de longe, observando cada pequeno detalhe. Era quase como se ele fosse um pequeno inseto desconhecido que fitava na tentativa de entender tudo ao seu respeito. Tinha cabelos ruivos e bochechas rosadas que pude ver do outro lado do salão. Usava roupas ainda mais sofisticadas do que as minhas. Certamente deveria ser alguém de muita importância. Era muito educado, também, o que era estranho, considerando a posição em que se encontrava.
Eu havia conversado com poucas pessoas da minha idade, então, não fazia a menor ideia de como me aproximar. Felizmente, o Conde Stumph facilitou essa etapa para mim. A sugestão no momento pareceu excêntrica, por qual razão iríamos para a biblioteca depois da ceia? Seria muito tarde, todos deveriam estar dormindo. No momento não me importei. Era empolgante ter um amigo para quebrar as poucas regras que existiam.
Naquele dia, tudo mudou. Descobri que ele era muito inteligente e interessante. Patrick se tornou meu mundo. Nós passávamos as madrugadas acordados a vagar pelo castelo silencioso. Os únicos sons emitidos eram de nossas risadas. Às vezes, os irmãos dele se juntavam a nós, mas na maioria dos dias éramos somente nós dois. E isso era perfeito.
No começo, não consegui entender, obviamente. Ninguém havia me ensinado como era se sentir apaixonado. Achava que gostava muito dele como meu amigo. Eu me perguntava se era assim que era ter um irmão. Bem, estava totalmente errado. O que sentia, depois descobri, era algo muito mais forte e intenso. E errado. Tão errado, mas tão bom. O dia em que percebi isso foi como se meu mundo tivesse sido destruído.
Nós estávamos sentados na varanda do meu quarto, olhando a Lua brilhante. O silêncio reinou por segundos, até que ele disse:
- Gostaria de poder morar aqui para sempre.
- Por quê?
- A liberdade é tão boa. Aqui em cima não há preocupações. Pode fazer o que bem entender.
- Eu nunca tinha visto por esse lado. Por que... simplesmente não fica comigo para sempre?
- É muito complicado.
- Nós somos amigos. O que há de complicado nisso?
Ele deu um sorriso triste e uma lágrima escorreu por sua bochecha. Era a primeira vez que o via daquele jeito. O desespero percorreu meu corpo ao perceber que tinha feito-o chorar.
- É a primeira vez em muito tempo me sinto feliz assim. É uma pena que tenha que acabar tão cedo.
- Como... assim?
- Pedi para te contar antes do anúncio oficial. Vamos embora em alguns dias.
- Por quê? Não! Não pode ir!
- É necessário, Peter.
- Não! Não pode ir! - comecei a chorar e quase gritar.
- Acredite em mim, não queria que fosse desse jeito.
Ele se levantou, entrou no quarto e foi em direção à saída. Antes que pudesse sequer pensar, puxei-o pela manga e o empurrei contra a parede.
- Não pode ir! Não posso ficar sozinho!
- Peter, por favor, eu...
Quando percebi, ele não falava mais. E quando percebi a razão, era tarde demais para voltar atrás. Os lábios dele estavam ocupados com os meus. Não fazia a menor ideia de onde havia surgido aquele desejo incontrolável de beijá-lo. Só sabia que havia cumprido-o.
Pensei em parar, juro que pensei. Mas era bom demais. A maneira como nossos rostos pareciam em perfeita sincronia, a maciez de sua pele e a maneira como explorava cada canto de sua boca, tudo me deixou em êxtase. Fui incapaz de parar. Minhas mãos saíram de seus ombros e foram parar em sua cintura, pressionando-o contra a pedra com mais força. Podia sentir meus dedos afundados em sua carne.
Eu nunca me sentira daquela maneira. Nem perto disso. Era como se finalmente tudo fizesse sentido. Mas nada é eterno. A realidade nos atingiu e me afastei. Não conseguia respirar direito. Não conseguia pensar direito. O mundo se resumiu à imagem de Patrick com os olhos fechados e um sorriso na face.
- Me perdoe, por favor, me perdoe - comecei a murmurar.
Finalmente percebi o erro cometido. Afastei-me dele rapidamente, até sentar em minha cama. Coloquei os joelhos junto ao peito e chorei. Ele nada disse ante aos meus soluços desesperados, o que foi bom. Estava com medo da punição que receberia assim que ele contasse o que fizemos.
- Eu... me perdoe, Patrick, por favor, me perdoe!
- Está tudo bem. Peter, olhe para mim!
De forma delicada, levantou meu queixo até que nossos olhares se encontrassem.
- Não fez nada de errado.
- É claro que fiz! Você é um garoto, eu jamais deveria tocá-lo dessa maneira.
- Sei disso. Mas...
- Agora estamos condenados!
- Eu já estou condenado há muito tempo.
Parei, pensando a respeito de suas palavras.
- Já fez isso antes?
- Oh, não - ele desviou o olhar- essa foi a primeira vez que... beijei alguém.
Fiquei em silêncio total. Não tinha palavras para descrever como me sentira. Tinha total consciência do quão errado e pecaminoso fora. Porém, também sabia do quão bem estava me sentindo.
- Nunca contarei isso a uma alma sequer. Dou a minha palavra - falou.
- Esse segredo morrerá conosco, certo?
- Claro - novamente o sorriso triste.
- E foi só uma vez, seremos perdoados. Não há porquê em se preocupar.
- Fique calmo. Nós ficaremos bem. Confie em mim.
Segurou minha mão, acariciando-a lentamente. Encostei minha cabeça em seu ombro, deixei que meus pés tocassem o chão e parei de chorar. Ele me fizera sentir seguro como jamais havia sentido antes. Naquele instante, entendi de forma clara e assustadora o que era realmente estar apaixonado.

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