Capítulo 71: perdas e reencontros.

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[Bárbara Passos]

Peguei estrada com minha mãe, depois de 2 horas finalmente chegamos no apartamento que aluguei. Entramos e os móveis já estavam montados e em seus devidos lugares, andei pelos cômodos do apartamento que da última vez estavam completamente vazios e agora estão todos a minha cara, do meu jeitinho. Era libertadora a sensação de finalmente ser independente.
Meus pais depois de me ajudarem a terminar de ajeitar as coisas por aqui voltaram pra BH e oficialmente eu estava sozinha. O que eu fiz? Isso mesmo, conectei meu celular na caixinha de som e aumentei o volume da musica. Comecei a dançar igual louca pela minha casa. Abri uma garrafa de vinho e tomei sozinha, duas. É, talvez eu tenha extrapolado meus limites. Percebi isso quando após a última taça eu simplesmente apaguei na minha cama.
E acordei com minha mãe ligando pra mim. Olhei pro relógio a minha frente que já marcava 13:40 da tarde do outro dia.

call on • Mãe da Babi:

Babi: ah, oi, mãe — falei um pouco grogue me levantando e a dor de cabeça me atingindo.
Mãe da Babi: Bárbara, minha filha. Como está? — perguntou com a voz baixa, notei um tom estranho nela.
Babi: um pouco enjoada e com dor de cabeça, bebi uns copos de vinho ontem e... — ela me interrompeu.
Mãe da Babi: filha, eu e seu pai esquecemos as chaves da porta dos fundos em cima do seu sofá, estamos indo para aí buscar
Babi: hum, tudo bem então — concordei mesmo sem entender.
Mãe da Babi: chegaremos em 40 minutos.

call off

Desliguei o celular e fui até o banheiro tomar um banho pra acordar de fato. Depois de sair de um banho quentinho, meu corpo já era outro, fui até a cozinha pra fazer algo pra comer, passei pela sala e analisei meu sofá. Nenhuma chave, estranhei. Procurei por elas pela sala e nada. Eles realmente esqueceram isso aqui? — falei comigo mesma.

Fiz um omelete pra mim e enquanto comia lembrei do que mamãe havia me dito. 40 minutos daqui? Talvez eles já estivessem na estrada quando me ligaram, verifiquei quantas ligações haviam perdidas, e me surpreendi não só com as ligações da minha mãe, como também as de Carol. Resolvi ligar pra ela. Nada, ela não atendeu também. E então der repente meu interfone tocou, deixei que meus pais subissem. Fui em direção a porta para abri-la enquanto lia as várias mensagens de Carol no whatsapp e uma delas me atingiu assim que abri a porta para meus pais.
Babi: é verdade? — falei segurando as lágrimas ao ver no rosto deles a confirmação da minha pergunta.

Fechei os olhos para deixar a dor me atingir de fato. Eu nunca havia perdido ninguém próximo a mim, não sabia lidar com essa dor que só crescia no meu peito. Minha mãe me abraçou forte, mas mesmo assim sentia que ia desabar ali mesmo.
Mãe da Babi: eu sei filha, eu sei — disse acariciando meus cabelos — seja forte.
Babi: como, mãe? — falei tentando entender a situação — nós vimos ele ontem, parecia tão bem, estava com aquele bom humor de sempre.
Sim, ontem visitei Antônio e ele logo me abraçou como se nunca mais fosse me ver e quando eu estava indo embora, senti uma vontade enorme de dizer que eu queria vê-lo novamente, e agora... ele se foi. Eu sabia que deveria ter insistido um pouco mais e o levado ao médico. Eu deveria ter ficado.
Babi: o que aconteceu com ele? — falei em meio a lágrimas. Era inevitável tentar segura-las.
Pai da Babi: ainda não descobriram a causa certa, filha.
Fechei meus olhos mentalizando que tudo aquilo fosse mentira, meus olhos a essa altura já estavam vermelhos e inchados. Eu não queria aceitar.
Naquele momento, perdida na minha própria dor, vieram várias memórias que criei com aquele homem, foram tantos conselhos, tantos sermões que me ajudaram e muito a crescer. Foi ele quem me ajudou a entender os obstáculos que a vida coloca em meu caminho e a maneira certa de passar por cada um deles. Na minha mente o som de sua voz era nítido, nossa ultima conversa antes de eu resolver me mudar graças ao seu empurrãozinho. "Eu espero que um dia você pare de ter medo de tentar, de se arriscar. A vida é um sopro minha menina" Realmente, a vida é um sopro. Era irreal imaginar meus dias agora sem meu maior incentivador.
Exausta de chorar, deixei meus pais na sala e me tranquei no quarto. Eu só precisava entender tudo isso.
Algumas horas depois, minha mãe apareceu no quarto trazendo um copo de leite. Ela se sentou ao meu lado me fazendo carinho.

Mãe da Babi: seu pai acabou de saber que aconteceu durante o sono. Ele foi em paz, filha — assenti, encolhida.
Babi: o fio vermelho não está mais esticado — falei encarando a parede do meu quarto onde estavam uma de nossas fotos juntos — agora ele está ao lado dela.
Antônio viveu os últimos 15 anos lamentando a morte de sua esposa. Ele não demonstrava tanto, mas a falta que ela fazia em sua vida tirou boa parte de seu brilho, sua vontade de continuar. E agora, ele levou parte do meu.

Meus pais passaram o dia comigo, mesmo que eu tenha ficado deitada boa parte dele. Vou voltar com eles pra BH e ajudar com o que deve ser feito. Espero conseguir me despedir.
Já no carro, perdida nos meus pensamentos me dei conta de que Victor precisava saber da notícia. Esqueci completamente dessa parte, e eu estava destruída demais para falar com ele a essa altura do campeonato.
Babi: mãe, Victor já sabe? — perguntei com a voz baixa. Ela se virou pra trás para me olhar.
Mãe da Babi: sim, filha — disse mansa — seu pai repassou a notícia para Tim assim que soube.
Fiquei um pouco aliviada por não ter sido eu a escolhida para dar essa notícia que me quebrava cada vez mais quando me lembrava. A ficha está caindo aos poucos.
Assim que chegamos em casa, tentei comer alguma coisa, mas foi em vão. Eu precisava ir até a chácara, olhar aquele lugar pela última vez, eu não fazia ideia do que aconteceria com ela depois disso.
Peguei as chaves do carro e segui estrada até la.
Tudo em seu devido lugar, o copo que ele bebeu aquele seu café de sempre e sua manta marrom ainda estavam ali no sofá. A memória dele aqui ainda está bem viva, eu podia escutar sua voz me chamando pra comer algo incrivelmente delicioso, como as rosquinhas de leite que só ele fazia. Caminhei até a janela da frente onde ele costumava me receber quando escutava o barulho do meu carro ainda no portão principal. Me escorei ali e fechei meus olhos, um vento calmo beijou meu rosto enquanto alguns raios de sol esquentavam minha pele. Instantaneamente sorri — espero que esteja finalmente com sua amada, Antônio — falei olhando pro céu completamente tomado pela cor azul.
Depois de olhar cada cantinho daquela casa, decidi ir embora. O velório seria hoje as 19:00. Não sei se seus parentes estariam lá, lembro dele ter mencionado algumas vezes uma irmã e sobrinhos apenas. Peguei estrada novamente enquanto escutava uma música pra acalmar o coração.

Cheguei em casa subindo direto pro quarto e me deitando. Deixei que algumas lágrimas rolassem para aliviar toda a saudade que eu estava sentido. A morte de Antônio também me fez pensar no quão idiota eu fui em ter cortado minhas ligações com Victor, eu queria muito que ele estivesse aqui. Era tudo que eu precisava.
Adormeci inevitavelmente, meu corpo estava cansado porque claramente não consegui dormir bem na noite passada. Sonhos e mais sonhos de saudade. Quando acordei horas depois já eram quase sete, em um pulo fui para o banheiro tomar um banho e me arrumar. Lavei meu cabelo pra tentar tirar aquela aparência de acabada, mesmo que por dentro naquele momento tudo estivesse realmente destruído.
Depois de alguns minutos saí do banho e me vesti. Uma calça e blusa simples. O tempo estava frio, típico clima de Minas Gerais no outono. Dias com sol, noites geladas. Peguei um cardigã e minhas chaves, meus pais avisaram que iriam da empresa para o local onde ocorreria o velório. Fui sozinha então, chegando lá me surpreendi com a quantidade de pessoas. Todos parentes? Antônio nunca havia mencionado amigos próximos. Sempre tão misterioso.
Caminhei pra perto das pessoas, mas aquela sensação que começa quando tem alguém te olhando estava me assombrando. Obvio, tinha várias pessoas ali, mas nenhuma ainda havia percebido minha presença, parecia. Mas multiplique essa intensidade por mil vezes e foi isso que me fez correr meu olhar por cada parte daquela capela. Eu o senti em meus ossos, na aceleração dos meus batimentos cardíacos. A questão não era mais se Victor estava olhando pra mim, mas de onde ele estava olhando.
Não demorou muito para descobrir, e eu não conseguia mais desviar o olhar mesmo quando eu deveria. Victor estava bem na minha frente, a pouco metros de mim. Um arrepio tomou conta do meu corpo igual no primeiro dia que o vi. Ele me olhava com uma expressão que dessa vez não conseguia decifrar. Estava mais forte, mais velho e mais irresistível. Deus, eu não sabia que ele poderia ficar ainda melhor com o passar dos anos.

E quando ele se afastou sem olhar pra trás foi como se tivessem jogado sal em uma ferida aberta que se recusava a curar. Não me movi, continuei observando seus passos ficando cada vez mais distantes de onde eu estava, até vê-lo abraçando uma mulher de lado. Suas mãos tocaram sua cintura e ela se aconchegou em seus braços fortes. Ver aquilo não foi tão pior quanto a dor que eu já estava sentindo, mas admito que foi a última martelada para me despedaçar por completo.

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