POV. BÁRBARA
DIA 64 DESPERTA.
No último domingo do recesso de primavera neva de novo e por mais ou menos uma hora tudo fica branco. Passamos a manhã com a Tia Clara. Ajudo Decca a construir no jardim um
homem metade de neve, metade de lama, depois caminhamos seis quadras pra andar de trenó na colina que fica atrás da escola onde fiz o jardim de infância. Apostamos corrida e deixo Decca ganhar todas as vezes porque isso a deixa feliz. No caminho pra casa, ela diz:
— Espero que não tenha me deixado ganhar.
— Jamais. — Coloco o braço em volta dos ombros dela e Decca não se afasta.
— Não quero ir pra casa do papai — diz.
— Nem eu. Mas você sabe que no fundo isso é muito importante pra ele, mesmo que não demonstre. — Minha Tia me disse isso uma vez. Não sei se acredito, mas talvez Decca acredite. Por mais durona que seja, ela precisa se apegar a alguma coisa.À tarde, vamos pra casa dele, ficamos lá sentadas, espalhadas pela sala, assistindo hóquei em mais uma tela plana gigante que foi pendurada na parede.
Meu Tio alterna entre gritar com a televisão e ouvir Milena contar sobre Colorado. Kaio está sentado ao lado dele, assistindo o jogo e mastigando cada garfada quarenta e cinco vezes. Sei disso porque estou tão entediada que comecei a contar.
Em determinado momento, levanto e vou ao banheiro, menos por vontade e mais pra esvaziar a cabeça e mandar uma mensagem pra Voltan, que volta hoje. Fico ali sentada
esperando que ela responda, abrindo e fechando as torneiras. Lavo as mãos, lavo o rosto, vasculho os armários, estou indo pra prateleira do boxe quando meu celular vibra.Voltan : Cheguei! Vou até aí?
Escrevo : Ainda não. Por enquanto estou no inferno, mas vou embora o quanto antes.Trocamos mensagens por um tempo e depois saio pelo corredor, em direção ao barulho e às pessoas. Passo pelo quarto de Kaio e a porta está entreaberta e ele está lá. Bato e ele
diz, desafinado:
— Pode entrar.
Entro no que parece ser o maior quarto que um garoto de sete anos poderia ter. É tão gigante que me pergunto se ele precisa de um mapa, e está cheio de todo tipo de brinquedo, a maioria a bateria.— Você tem um quarto e tanto, Kaio Fernando. — Tento não deixar que isso me incomode porque a inveja é um sentimento ruim e desagradável que nos destrói por dentro e não preciso ficar aqui, com quase dezoito anos e uma namorada muito gostosa e linda, ainda que ela não tenha mais permissão pra me ver, me preocupando com o fato de que ele parece ter milhares de Legos.
— É legal. — Ele está vasculhando um baú que contém, acredite ou não, mais brinquedos, quando vejo dois cavalinhos de pau antigos, um preto e um cinza, esquecidos em um canto.Eram meus cavalinhos de pau, aqueles com os quais brincava por horas quando era mais nova
que ele, fingindo ser Clint Eastwood em um dos filmes antigos que meu pai costumava assistir na nossa TV de tubo pequena. Aquela que, coincidentemente, ainda temos e usamos lá em casa.
— Esses cavalinhos são incríveis — digo. Lembro que os nomes eram Meia-Noite e Sentinela.
Ele olha em volta, pisca duas vezes e diz:
— São legais.
— Como eles chamam?
— Eles não têm nome.
De repente tenho vontade de pegar os cavalinhos de pau, marchar até a sala e bater na cabeça do meu Tio com eles. E depois levá-los pra casa. Eu daria atenção a eles todos os dias. Andaria com eles por toda a cidade.
— De onde eles vieram?
— Meu pai comprou pra mim.
Não seu pai, quero dizer. Meu pai. Vamos esclarecer isso aqui e agora. Você já tem um pai, e ainda que o meu não era muito legal, era o único que eu tinha.Mas aí olho pra esse garoto, pro rosto fino e pro pescoço fino e pros ombros magros, e ele tem sete anos e é pequeno pra idade, e lembro como isso me fazia sentir. E também lembro
como foi crescer com a companhia do meu Tio
— Sabe, eu tive dois cavalos há um tempo, não tão legais quanto estes, mas eram bem durões. Meia-Noite e Sentinela.
— Meia-Noite e Sentinela? — Ele olha pros cavalos. — São nomes bacanas.
— Se quiser, pode colocar nos seus.
— Sério? — Ele olha pra mim de olhos arregalados.
— Claro.
Kaio encontra o brinquedo pelo qual estava procurando — um tipo de carro-robô — e quando saímos pela porta ele pega minha mão.
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30 Dias 30 Motivos - Babitan G!P
Fanfic*CONCLUÍDA E EM REVISÃO* " Nunca imaginei que iria me apaixonar por uma garota." "Me dê 30 dias, e te darei 30 motivos para você ficar!" " Porque você se foi ? Porque fez isso? Eu poderia ter feito algo?" Depois da perda de sua irmã Carolina Volta...