Tentativa de suicídio "Sou impossível de amar"

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Último cap de hoje. Amanhã posto mais cap.

Se você tiver passando por algo, saiba que pra todos os seus problemas, existe uma única solução, VOCÊ.

BOA LEITURA .

POV. VOLTAN MARZIN
10 DE MARÇO.
Meu celular toca depois da terceira aula; é a Babi . Ela diz que está esperando lá fora, perto do rio. Quer dirigir para o sul, até Evansville, pra ver as Casas-Ninho, que são cabanas
construídas com mudas de plantas por um artista de Indiana. São como ninhos de pássaros para humanos, com janelas e portas. Babi quer ver se restou algo deles. Enquanto estivermos lá, poderemos cruzar a fronteira de Kentucky e tirar fotos, um pé em Kentucky, o outro em
Indiana.

- O rio Ohio não corre por toda a fronteira? Então teríamos que ficar numa ponte...
Mas ela continua falando como se não me ouvisse.
- Aliás, a gente devia fazer a mesma coisa em Illinois, Michigan e Ohio.
- Você não vai pra próxima aula? - Estou com uma das flores que ela me deu no cabelo.
- Fui expulsa. Vem pra cá.
- Expulsa?
- Vamos! Estou desperdiçando gasolina e luz do dia.
- São quatro horas até Evansville, Babi. Quando chegarmos lá já vai estar escuro.
- Não se sairmos agora. Vamos, vamos, vamos sair daqui. Podemos dormir lá.

Ela fala muito rápido, como se tudo dependesse da nossa visita a esses ninhos. Quando pergunto o que aconteceu, ela diz apenas que me conta mais tarde, mas que precisa ir agora, o.mais rápido possível.
- Hoje é uma terça-feira de inverno. Não vamos dormir numa casa-ninho. Podemos ir no sábado. Se você me esperar depois da aula, vamos hoje a algum lugar um pouco mais perto
que a fronteira entre Indiana e Kentucky.
- Quer saber? Por que não deixamos pra lá? Por que não vou sozinha? Acho que prefiro ir sozinha mesmo. - Pelo telefone, sua voz parece vazia, então ela desliga.

Ainda estou olhando pro celular quando Bak passa de mãos dadas com Marri Tavares.
- Está tudo bem? - pergunta.
- Está - respondo, me perguntando o que acabou de acontecer.

POV. BÁRBARA.
DIAS 66 E 67
As Casas-Ninho não estão lá. Está escuro quando paro no centro de New Harmony, com seus prédios de cores vivas, e pergunto pra todo mundo que encontro onde estão as tais casas. A
maioria das pessoas nunca ouviu falar delas, mas um velho me diz:
- Sinto muito que tenha vindo até aqui. Infelizmente elas foram consumidas pelo tempo e pelas intempéries.

Como qualquer um de nós. Os ninhos atingiram sua expectativa de vida. Penso no ninho de lama que fizemos pro passarinho lá em casa há tantos anos, e me pergunto se ainda está lá.
Imagino os ossinhos no pequeno túmulo e acho que é o pensamento mais triste do mundo.

Em casa, todos estão dormindo. Subo a escada e me olho no espelho do banheiro por muito tempo e chego a desaparecer diante dos meus olhos.
Estou desaparecendo. Talvez já tenha desaparecido.

Em vez de entrar em pânico, me sinto meio fascinada, como se fosse uma macaca num experimento. O que faz com que a macaca fique invisível? E, se você não pode vê-la, pode tocá-la se estender a mão para o lugar onde ela estava? Ponho a mão no peito, na cabeça, e sinto a carne e os ossos e o pulsar forte e irregular do órgão que me mantém viva.

Entro no closet e fecho a porta. Dentro, tento não ocupar muito espaço nem fazer barulho, porque se fizer posso acordar a escuridão e quero que a escuridão durma. Me esforço para que minha respiração não seja muito alta. Se for, não há como prever o que a escuridão pode fazer comigo ou com Voltan ou com qualquer pessoa que eu amo.

Na manhã seguinte, ouço os recados gravados na secretária eletrônica de casa. Tem uma mensagem do sr. Jesus pra minha mãe, de ontem à tarde.
- Sra. Passos, quem fala é Jesus do colégio Loud. Como a senhora sabe, tenho aconselhado sua sobrinha. Precisamos conversar sobre Bárbara. É muito importante. Por favor,
me ligue.

Ele deixa o número.
Ouço a mensagem mais duas vezes e apago.
Em vez de ir à aula, subo a escada de novo e entro no closet, porque, se sair, vou morrer. Aí lembro que fui expulsa, então nem posso ir pra lá mesmo.

A melhor coisa sobre o closet: nada de espaço aberto. Fico sentada bem quietinha e parada e controlo a respiração.
Uma corrente de pensamentos passa pela minha cabeça como uma canção grudenta, de novo e de novo sempre na mesma ordem: Sou defeituosa. Sou uma fraude. Sou impossível de amar. É só uma questão de tempo até Voltan perceber. Você avisou. O que ela quer?
Transtorno bipolar, minha mente diz, se rotulando. Bipolar,bipolar, bipolar, bipolar.
Então começa tudo de novo: Sou defeituosa. Sou uma fraude. Sou impossível de amar.

Fico quieta durante o jantar, e depois do Conta pra gente o que você aprendeu hoje, Decca e conta pra gente o que aprendeu hoje, Bárbara,
minha Tia e Decca também ficam quietas.
Ninguém percebe que estou ocupada, imersa em pensamentos. Comemos em silêncio e depois acho o remédio pra dormir no armário da minha Tia.

Levo o frasco inteiro pro quarto e
mando metade dos comprimidos garganta abaixo e, no banheiro, me debruço sobre a pia e engulo com água. Vamos ver como Cesare Pavese se sentiu. Vamos ver se tem algum clamor valente pra isso. Deito no chão do closet com o frasco na mão. Tento imaginar meu corpo sendo desligado aos poucos, paralisando completamente. Quase sinto o peso caindo sobre mim, apesar de saber que ainda é muito cedo.

Mal consigo levantar a cabeça, e meus pés parecem estar a quilômetros de distância. Fique aqui, os comprimidos dizem. Não se mexa. Deixe-nos fazer nosso trabalho .

Uma névoa de escuridão cai sobre mim, como uma neblina, mas escura. Meu corpo é pressionado contra o chão pela escuridão e pela névoa. Não há clamor nenhum. É essa a sensação de apagar.

Penso : Se eu morrer agora quem vai cuidar de Voltan? Se ela subir naquela ponte de novo?

Me obrigo a levantar e me arrasto até o banheiro, onde enfio o dedo na garganta e vomito.
Não sai quase nada, apesar de eu ter acabado de comer. Tento de novo e de novo, então calço o tênis e corro. Meus membros pesam e estou correndo na areia movediça, mas respiro, determinada.

Faço minha rota noturna de sempre, desço a estrada Nacional até o hospital, mas em vez de passar reto, cruzo o estacionamento. Forço meus membros a atravessar as portas do pronto-socorro e digo pra primeira pessoa que vejo:
- Engoli comprimidos e não consigo tirar eles de mim. Tirem eles de mim.

Ela segura meu braço e diz alguma coisa para um homem que está logo atrás. Sua voz é fria e calma, como se estivesse acostumada com pessoas entrando e pedindo uma lavagem
estomacal, depois um homem e outra mulher me levam pra um quarto.

Então apago, mas acordo um tempo depois e me sinto vazia mas acordada, desperta, uma mulher entra e, como se pudesse ler meu pensamento, diz:
- Você está acordada, que bom. Precisamos que preencha alguns documentos. Procuramos sua identidade, mas não encontramos. - Ela me entrega uma prancheta e sinto minha mão tremendo.

O formulário está em branco, exceto pelo nome e pela idade. Fernanda Silva, dezessete anos. Não coloquei meu nome verdadeiro. Começo a tremer mais ainda e percebo que estou rindo. Boa, Babi. Você ainda não está morta.
Curiosidade : A maioria dos suicídios acontece entre meio-dia e seis da tarde.
Caras tatuados são mais propensos a se matar com um tiro.
Pessoas de olhos castanhos são mais propensas a se enforcar ou se envenenar.
Pessoas que tomam café têm menos tendência a cometer suicídio.

Espero a enfermeira sair, me visto e, devagar, saio do quarto e desço as escadas e vou embora. Não preciso mais ficar aqui. Logo eles vão mandar alguém pra me ver e fazer perguntas. De alguma forma, vão encontrar meus pais, mas se não encontrarem, vão trazer uma pilha de formulários e fazer ligações e, de repente, não poderei mais sair. Quase me pegam,
mas sou rápida demais pra eles.
Estou muito fraca pra correr, então ando de volta pra casa.

30 Dias  30 Motivos - Babitan G!POnde histórias criam vida. Descubra agora