Tenho raízes, mais sou fluída.

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Um bom Natal pra vocês.

E uma Boa leitura .

POV. VOLTAN

Domingo de manhã. Meu quarto.
O domínio gabyevoltan.com está expirando. Sei disso porque a empresa que hospeda o site me mandou um e-mail dizendo que devo renovar ou desistir dele. No laptop, abro nossas pastas de anotações e dou uma olhada no que estavamos trabalhando antes de Abril. Mas, sem gaby para me ajudar a decifrar as abreviações, são só fragmentos sem sentido.

Nós tinhamos opiniões diferentes sobre a revista. Gaby era mais velha (e mandona), o que significa que geralmente ficava no comando e fazia as coisas do jeito que queria. Posso tentar salvar o site, talvez reformular e fazer algo novo ---- Um lugar onde escritores possam compartilhar seus textos. Um site que não seja só sobre esmaltes, garotos e música, mas sobre outras coisas também, tipo como trocar um pneu, falar frânces, ou o que esperar quando saímos pro mundo.

Anoto essas ideias. Entro no site, e vejo a última postagem, escrita um dia antes da festa - Duas interpretações do livro Julie Plum, garota exorcista. Nada importante ou surpreendente. Nada que diga :Essa é a última coisa que você vai escrever antes que o mundo mude.
Apago nossas anotações. Apago o e-mail da empresa que hospeda o site. Então esvazio a lixeira para que o aviso fique tão morto e enterrado quando Gaby.

POV. BÁRBARA.

Domingo a noite. Meu quarto.
No andar de cima, coloco uma música na vitrola, procuro um cigarro e mando Babi dos anos 80 ficar quieta. Afinal, foi eu quem a criei e posso sumir com ela quando quiser. Quando acendo o cigarro, no entanto, imagino meus pulmões ficando preto como asfalto e penso no que falava pro meu pai : Existem jeitos diferentes de morrer. Você pode pular de um telhado ou se envenenar aos poucos com a carne de outro ser vivo.

Nenhum animal morreu pra fazer esse cigarro, mais pela primeira vez não gosto como ele me faz sentir, como se eu estivesse me poluindo como se eu estivesse me
envenenando. Apago o cigarro e, antes de mudar de ideia, destruo todos os outros. Corto os pedaços e jogo no lixo, ligo o computador e começo a digitar :

11 de janeiro. De acordo com New York Times, quase 20% dos suicidios são cometidos pelo uso de veneno; entre médicos que se matam, esse número chega a 57% .
Oque acho sobre o método : Parece meio covarde. Preferia sentir alguma coisa. Tendo dito isso, se alguém apontasse uma arma pra minha cabeça ( ha, ha ---- desculpe humor suicida ) , e me obrigasse a tomar algum veneno, eu escolheria cianeto. Na forma gasosa, a morte pode ser instantânea , oque acaba com o propósito de sentir alguma coisa, eu sei. Mas, pensando bem, depois de uma vida inteira de dor, talvez faça sentido defender o rápido e repentino.

Quando termino, vou pro banheiro vasculhar o ármario de remédios. Advil, aspirina, um remédio pra dormir que roubei da tia Clara e coloquei em um frasco velho da Mii.

Falei a verdade pro Sr. Jesus sobre drogas. Não nos damos bem. Já é difícil controlar meu cérebro sem outra coisa pra atrapalhar.

Mais nunca se sabe quando um bom remédio pra dormir pode ser necessário. Abro o frasco, jogo os comprimidos na palma da mão e conto. Trinta. Alinho um a um na mesa do quarto.

Entro no Facebook, e na página da Voltan alguém escreveu que ela foi uma heroína por ter me salvado. Tem 146 comentários e 290 curtidas e, embora eu queira pensar que existem muitas pessoas felizes por eu estar viva, sei muito bem que não é isso. Entro no meu perfil que está vazio, a não ser pela foto da Voltan na lista de amigos.

30 Dias  30 Motivos - Babitan G!POnde histórias criam vida. Descubra agora