Twenty Seven

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Seria estranho se eu contasse o local onde estou agora. A verdade é que desde que descobri isto que não me consigo afastar. Já há uns quatro dias atrás que sempre que tenho tempo livre venho para aqui. Estou numa árvore com uma copa exuberante da qual sobressaem leves flores brancas e aromáticas. Foi difícil subir para aqui da primeira vez e ainda é devido à minha perna enfraquecida, mas a vista e o certo nível de passividade que encontro aqui vale por toda a dor que cause. Tenho de admitir que pode parecer assustador estar no meio dos galhos como um leopardo que aguarda a presa. Porém eu sinto esta necessidade de me afastar das pessoas e dos padrões normais. As folhas ocultam a minha figura mas não me impossibilitam a visão de toda a paisagem envolvente. O estábulo enorme de madeira tingido de branco é circundado por acessos de paralelo e de gravilha. O picadeiro interior é bem ao lado deste. Por seu lado o hipódromo exterior é algo afastado e junto ao grande cercado principal onde alguns cavalos ruminam pacificamente. Existem prados envolventes em torno, onde começam a aparecer algumas flores silvestres e que se estendem até ao início do bosque verdejante delimitado pelas montanhas mais altas.

Não cavalgo já há umas semanas. Desde que o Sunlight partiu que nunca mais interagi com um cavalo sem ser para tratar de algum aspecto a nível de saúde ou até desferir carinhos que são renegados pela ignorância dos que passam e esquecem completamente de fazer um simples gesto animador. Admito que sinto falta da liberdade de cavalgar e sentir o vento embater na minha cara e secar os meus lábios. De sentir o meu cabelo esvoaçar livremente enquanto o meu corpo balança com o movimento descoordenadamente coordenado. Sei que montar um cavalo pelo qual não sinta tanta ligação emocional como sentia pelo Sunlight não será a mesma coisa. Porque para além de todos os cavalos terem hábitos deferentes, eu jamais conseguiria associar qualquer cavalo a ele. Há pessoas que marcam a nossa vida de uma maneira muito para além do que está à vista.

O Sunlight- embora não sendo propriamente uma pessoa-foi uma delas.

Sinto uma leve pinga cair na ponta do meu nariz e reconheço que está a chover. A chover generosamente da parte de fora. No entanto poucas pingas conseguem perfurar a copa desta árvore. Puxo o meu capucho por cima dos meus cabelos e deixo-me estar desfrutando do som delicioso das chuvas de primavera. Não sei ao certo se é normal este tempo. É quase Junho, poucos dias nos separam desse mês controverso. Se estivesse na Austrália o Inverno aproximava-se, mas estando no hemisfério norte quem se aproxima é o verão. E embora o tempo esteja visivelmente mais quente parece que as chuvas não tendem a parar por enquanto.

Eu gosto da chuva. Gosto da maneira que ela lava tudo e da maneira que o céu adquire a tonalidade dos meus olhos sem cor. A maneira como a água forma pequenas poças. A maneira de como tudo embate contra as várias superfícies e explode numa pequena bomba de água. É algo que me fascina.

Eu acho incrível a minha capacidade de divagar nas mais pequenas coisas e de pensar em tudo numa perspectiva diferente. A maioria das pessoas não presta muita atenção às pequenas coisas. Para mim são essas pequenas coisas e o facto de pensar tanto nelas que ajudam a minha cabeça a continuar a funcionar dentro dos possíveis. Talvez por não chamarem muito a atenção no geral, a mim me despertem a oportunidade. Ou por serem entendidas sempre como algo negativo. Dando o exemplo da chuva. Poucas pessoas gostam da chuva porque na maioria dos casos estraga planos, molha a roupa, molha o cabelo, provoca constipações entre outros factores. Tudo isso é verdade mas se experimentarem quem é que não irá gostar da sensação de liberdade que sentir os cabelos e a roupa molhada transmite? Quem não irá gostar de ficar a observar as pingas formarem corridas ao escorregar pelos vidros? Quantos pensamentos não se irão formar pelo simples facto de ouvir o barulho pacífico das pingas ensoparem toda a terra?

Eu acho que penso demasiado nas pequenas coisas e isso é um facto. Mas estando o meu mundo tão desmoronado, tão vazio e tão solitário… existirá maneira melhor de lhe dar cores alegres do que simplesmente aproveitar as pequenas coisas da vida e flutuar nos meus pensamentos absurdos e hipnóticos? Se existe peço desculpa mas irei optar por continuar assim.

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