Notícias de quem está distante - 23

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          Assim que sai do mercado, começa a se aproximar do seu destino, ele já avista ao longe, uma casa na frente e seu quintal aos fundos, totalmente ocupado com amontoados de tralhas.

          — Está explicado por que o chamam de sucateiro. — Pensou Jow.

          Jow entra, atrás da porta há um sininho que informa ao comerciante a chegada de um novo cliente. Um senhor, já de idade, óculos de grau, cabelos e bigodes brancos o recepciona:

          — Boa tarde garoto. Pois não?

          — Estou procurando o Tatu.

          — Sou eu mesmo, pode dizer.

          — Preciso de algumas peças e equipamentos, acredito que o senhor possa me ajudar.

          — O que precisa?

          — Uma ignição de partida para motor tectônico a jato. E um retificador de distribuição elétrica inteligente para motos. Para começar. — Ele diz e retira as peças danificadas na mochila e coloca sobre o balcão para que sirvam de amostra.

          — Uma ignição de partida? Daquelas motos flutuantes?

          — Isso mesmo.

          — Fizeram um grande sucesso quando saíram, eu cheguei a ter uma, dos primeiros modelos, era um foguete.

          — A minha é dessas, Sharon 500.

          — Meu garoto, então você tem uma raridade preciosa nas mãos. Pois saíram poucas dessas, depois saíram 350, 300 e até 250. Eram mais seguras segundo eles, mas pareciam mais cadeiras de rodas eléctricas flutuantes. E vou te contar uma coisa. Tem uma dessas lá fora que está provocando um alvoroço danado entre aqueles malditos coiotes. Que cor é a sua?

          — Azul e verde.

          — Ah sim, a que eles estão procurando é preta com vermelho. Então, eu tenho as peças que você precisa, mas vão te custar uma nota, você tem créditos suficientes?

          — Não trabalho com créditos, trago aqui comigo outras coisas que talvez possa lhe interessar mais.

          Jow tira da mochila algumas latas de feijão, arroz embalado a vácuo e um pacote de café Premium.

          — Ulalá, menino, isso não é fácil de conseguir e não veio daqui de dentro.

          O velho tem um olhar ameaçador.

          — Não, não veio. Assim como aquele whisky que o senhor tomava quando eu cheguei. Parece ser de boa qualidade. Quantos anos têm? 18? 25? — Jow dá um breve sorriso pretensioso — Parece que não sou o único aqui que possui meios de acesso lá fora, ou pelo menos um bom contato.

          O velho parece ter ficado irritado.

          — Me diz então o que me impede de chamar os guardas aqui pra me fazerem uma visita?

          — Simples: essa espingarda calibre .12 que está debaixo do balcão, que o senhor manteve apontada para meu estômago desde que cheguei. Sem falar na caixa de balas, logo ao lado dela, só esperando ser necessária. Eu bem seria uma bela captura, mas o senhor iria parar no calabouço e nenhum de nós quer que isso aconteça. Pense bem, nós devemos nos unir para lutar contra o sistema opressor e não oprimir uns aos outros. Senhor Juarez, o Sr pode ficar tranquilo, não confio neste povo tanto quanto o senhor.

          O velho fica espantado e tira a mão da arma e dá uma risada.

          — Como soube das balas? E como sabe meu nome?

          Jow aponta pra atrás do velho.

           — O vidro da prateleira, logo atrás do senhor, está sujo e embaçado, mas eu enxergo bem.

          — Enfim, acho que isso basta pelas peças. Eu vou buscar. Me aguarde aqui.

          Ele volta lá de dentro com as peças e as coloca sobre o balcão. Jow as confere e coloca na mochila enquanto o velho observa o droid Norffi.

          — Esse é um daqueles robôs domésticos. Não é?

          — Sim.

          — Se eu não me engano eu tenho aqui um dos modelos mais novos, a maioria das peças estão intactas. Parece que só queimou o processador principal. Talvez você queira comprá-lo de mim.

          — Não. Muito volume. Ele inteiro daria muito trabalho para carregar até o centro novamente. Mas tenho interesse em algumas peças, se o senhor tiver disposto a tirar pra mim.

          — Isso vai depender do que você ainda tiver na mochila. Que peças você quer?

          — Além do que eu tenho na mochila, eu ainda te ofereço uma mensagem, um recado de lá de fora. O senhor me traz caneta e papel e só lê quando eu sair.

          — Como vou saber que não está blefando?

          — Nós temos uma coisa em comum, senhor Juarez, somos homens honrados. Nossa palavra é o que temos de maior valor.

          — Então quais são as peças?

          — As células de bateria, os dois propulsores a jato, a usina e a central eletrônica de mudança de modos.

          Enquanto o velho retira as peças do robô no chão, Jow anota alguma coisa no papel. Assim que termina, ele o dobra.

          Tatu retira as peças e coloca no balcão. Vai ao fundo e volta com um sorriso faceiro no rosto e algo na mão.

          — Garoto, eu tenho algo aqui que acho que vai gostar. Quando produziram esses robôs eles permitiam que fizessem modificações na sua programação para que ele pudesse executar diversas tarefas. Eu possuía um prédio que eu alugava para uma academia de luta. E lá eles tinham diversos desses robôs que lutavam. Eles promoviam lutas entre os robôs para diversão do público e também os usavam para treinar os alunos, era um negócio bonito de se ver. Aqui está um pendrive com os programas e os arquivos necessários para essa modificação. Como não tem a menor serventia pra mim, vou te dar de brinde, pois você demonstrou ser uma boa pessoa. E então, vamos ao que me interessa. O que você tem pra mim nessa mochila?

          Jow coloca sobre o balcão dois pacotes de sopa semi-pronta de macarrão.

          — Sopa?

          — Sim, tenho mais 15 aqui e te entrego todas pelas peças.

          — Tudo bem, mas é sopa.

          — Aos domingos, no final da tarde, minha avó sempre fazia uma dessa pro meu avô, e ainda com legumes frescos iguais aqueles que o senhor cultiva aí no fundo do seu quintal. Meu avô dizia que depois da minha avó, era a coisa que ele mais amava nessa vida.

          — Num sei se dá pra fazer negócio não. É sopa.

          — Tudo bem, eu deixo as peças do droid então.

          Jow coloca a mochila de volta nas costas e se vira em direção à saída.

          — Não, espere. — Tatu possui um sorriso e um olhar malicioso — Tem de quatro queijos?

          Jow volta ao balcão, coloca as sopas, recolhe as peças, as coloca na mochila e diz para Tatu antes de sair.

          — E antes que eu me esqueça, aqui está o recado que lhe prometi.

          Entrega o bilhete e sai. Tatu com o bilhete nas mãos fica olhando aquele estranho se afastar ao som do sininho da porta. Após ele sumir da vista, ele lê o bilhete.

          "Seu filho Alex, o Toupeira está bem. Casou, tornou-se um grande homem e fala muito no senhor. Seu primeiro neto nasceu. Está com seis meses e leva o seu nome em sua homenagem: Juarez Neto."

          Tatu não contém as lágrimas.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora