Encomenda paga - 102

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          — Há tempos, a Cia da minha família vem competindo por mercado de forma desleal com a corporação para qual vocês servem. Estamos sempre sendo sabotados e trapaceados, desde o surgimento da nossa empresa, ainda nas mãos do meu avô. Mas de uns tempos pra cá, começamos a vislumbrar possibilidades de virar o jogo a nosso favor, e o segredo para conseguir isso estava nos elementos que a Natihvus estava extraindo do centro da Terra e vendendo por aí como se fosse somente um suvenir: Necrômio e Tectonium... são bem mais que qualquer um de vocês pode imaginar. Não se trata apenas de uma matéria radioativa, aquilo é plasma, a única maneira de se encontrar esse elemento na Terra. E o potencial energético então... se eu fosse comparar pra vocês terem uma noção, eu poderia com Necrômio carregar no bolso uma usina nuclear. Eu poderia sustentar o consumo de uma cidade grande por anos com uma máquina do tamanho de um automóvel... energia limpa, sustentável, renovável, não poluente e facilmente mantida sob controle com Tectonium. E este então, mais que um simples metal, tem a maior condutibilidade de energia já vista, com a menor variação de temperatura. Aplicado da forma correta na tecnologia, poderíamos em um mês evoluir o equivalente a 100 anos ou mais... indestrutível e com propriedades pouco estudadas e exploradas. Mas nas mãos de gente ignorante, burra como homens primitivos que para qualquer coisa pontuda só são capazes de verem uma lança, tantas aplicações tecnológicas e científicas e eles só desenvolveram armas com isso.

          Nicholas demonstra empolgação na sua voz nesse momento, ele se levanta e caminha lentamente pela sala.

          — A Natihvus mantém um controle extremamente rigoroso nos depósitos dos materiais extraídos, fazem um embaralhamento muito complexo, tão confuso que nem mesmo eles sabem onde está cada um deles, misturam com carbonetos de titânio, entre outros compostos que fazem a mesma barra poder ter mesmo tamanho, peso e cor, tornando impossível a distinção sem teste de laboratório. Mas um dia conseguimos saquear uma caravana de transporte, e depois de meses de testes conseguimos separar cada elemento, que por incrível que pareça correspondiam apenas 10% do carregamento que estava sendo levado, ou seja, foi uma quantidade insignificante diante do que eles transportavam, mas tivemos que usar isso mesmo, e apesar de muito pouco fizemos coisas incríveis. O grande segredo dessa matéria está no composto necessário para ativar suas propriedades: Magma... mas não me refiro apenas aquela lama em chamas que escorre dos vulcões, falo de algo mais puro e mais quente, encontrado só na parte mais profunda do vulcão, difícil de extrair, difícil de manipular, mais difícil ainda de operar da forma correta pra que seja realmente eficaz. Mas nós dominamos a técnica, e com a pouca matéria que obtivemos pudemos trabalhar com ela e ter um vislumbre de como o mundo poderia evoluir instantaneamente. Ficamos frustrados em agora possuir tanto poder e conhecimento, mas não ter a matéria prima necessária, então vivíamos de infiltrar espiões na Corporação, coletar informações de transportes terrestres de estações de armazenamento para alguma base industrial e nos arriscar a saquear. Mas isso já estava deixando de ser compensativo, pois eram muito pouco de matéria coletada, chegando a ser nenhuma as vezes, e sempre com muitas baixas nas nossas equipes, e eles começaram a mudar as formas de transporte, usando transporte marítimo, aéreo...

          Nicholas caminha com as mãos para trás, lentamente pela sala ao redor da mesa e para logo atrás de Jow e repousa as mãos nos ombros dele:

          — Mas eis que um dia bate à nossa porta uma oferta que mais parecia um milagre... como se caísse do céu. De início, eu não acreditei que tal coisa pudesse acontecer, eu ri na cara do cidadão. Levei uns dias investigando, consultando meus contatos pra saber se as histórias que me foram contadas eram verídicas e pra minha surpresa bateram em cima. Foi aí que me dei conta que tinha nas minhas mãos o "engenheiro máster" da Natihvus Corp, responsável por toda base de dados do sistema de automação das estações de perfuração e armazenamento, me oferecendo o servidor que controla e coordena as operações de estoque e identificação de todas as estações, incluindo o algoritmo de encriptação para decodificar e ter acesso a todos esses dados. E o que ele me pede em troca? Não pediu grana, nem poderes dentro da minha Companhia, nem uma mansão cheia de bebidas e mulheres... na verdade ele pediu suprimentos, veículos e armas suficientes pra montar um exército. Diante dessa exigência eu acreditei no garoto, as informações que me vieram dos informantes de dentro da Natihvus confirmaram quem ele era e o poder que ele e sua família representava lá dentro, o grande John Jones e os outros Jones antes dele: as mentes responsáveis por trás de todo desenvolvimento e funcionamento da poderosa Natihvus Corp. Por isso eu não podia deixar passar essa oportunidade. Não foi fácil, mas consegui o que pediu: um hangar repleto de veículos, suprimentos, armas, trajes e equipamentos pesados de guerra. Eu o levei lá para reconhecimento do seu pagamento, achei que fosse deixá-lo impressionado, mas ele olhou com desdém e disse que bastava. E para provar sua parte me entregou um drive que meus programadores analisaram e confirmaram que se tratava de um software de decriptação muito complexo, em seguida me contou como seria o plano: Disse que teríamos que usar duas equipes, uma invadiria a ala de pesquisas zoológicas e libertaria as criaturas horrendas de lá com a ajuda de um deles para criar distração, e a outra equipe iria invadir a central de informações, ele nos passou os cartões e códigos de acesso que iríamos precisar para isso, informou a localização precisa de onde estaria o servidor certo que continha os dados prometidos e assim fizemos.

          Até aí, a operação foi um sucesso, aconteceu tudo exatamente como ele havia dito: libertamos os monstros, atraímos a atenção de toda a guarda, atacamos a base de dados e pegamos o servidor. Já estávamos cientes que mesmo com o algoritmo de decriptação, levaríamos aproximadamente 5 dias para quebrar todas as barreiras de segurança da máquina e ter acesso aos arquivos. E vou lhes contar uma coisa... nunca fomos tão perseguidos nesse tempo, nunca vi tantos soldados e mercenários, não imaginei que tivesse ficado tanta gente aqui pra fazer seu serviço sujo, invadiram 4 bases nossas, mataram pessoas, fizeram reféns, resistimos como pudemos, sabíamos que todo sacrifício seria recompensado, criamos um servidor móvel em um caminhão pra ficar fora do alcance da Corporação, e ao final dos 5 dias a grande surpresa: ele nos entregou o servidor errado. Não havia nenhum dado relacionado a estação de armazenamento, muito menos havia algum sistema ali, era apenas um servidor de arquivos inútil, nada de importante. Assim que percebi que tinha sido enganado, fiz uma verificação pra confirmar minha desconfiança, mandei que fossem verificar o hangar, e lá restava somente as paredes, estava totalmente vazio.

          Ele volta-se novamente para a cadeira que estava sentado, observa com um sorriso pretensioso a expressão de total espanto de todos os companheiros de Jow e dos militares.

          — Diante disso, tive que tomar decisões importantes, dei um jeito de devolver para a Natihvus o servidor que estava comigo, para que saíssem do meu pé de vez, me mantive observando o que se passava por lá, e descobri que o "tal servidor" que me foi vendido, de alguma forma realmente havia sido removido e estava desaparecido, e por coincidência uma pessoa também havia desaparecido... não só fisicamente, mas todo tipo de registro dela, simplesmente deixou de existir... se eu tivesse esse poder e quisesse me rebelar contra quem controla o mundo com certeza também faria isso. — Ele aponta e olha diretamente pra o Tenente Hans — Deve ser por isso que tiveram que aceitar qualquer nome que ele lhes desse, pois ele garantiu que não haveria mais registro dele no planeta. Então passei a monitorar as ações de todos os grupos insurgentes que ficaram na Terra: Islamitas, Indígenas, resquícios de corporações rivais, clãs de sobreviventes, grupos rebeldes... cada um deles, fiquei de olho nas suas movimentações, de ouvido em pé em tudo que se passava, procurando em cada boato, cada rumor vagando nos ventos, busquei o seu nome, busquei algo sobre essa máquina maldita, e aí quando eu menos esperava... "voilá"... aqui estão vocês, com o meu equipamento. Trazido pelo meu mascate favorito até as minhas mãos. Como eu já paguei há muito tempo por isso, não temos o que acertar, Senhor Jones. Pela cara dos seus irmãos de clã eu imagino que esse equipamento não foi pra eles. Mas agora eu tenho uma novidade, sabe o software de decriptação que me deu? Então, eu tive muito tempo pra estudar ele e descobri que não eram as camadas de seguranças que faziam levar 5 dias para ter acesso aos dados e sim que ele havia sido programado para que levasse 5 dias, então depois de algumas modificações que minha equipe conseguiu, eu acho que consigo tudo que preciso desse monte de sucata em apenas 6 horas de processamento.

          Nesse momento entram na sala dois homens carregando nas mãos o servidor e o apresentam a Nicholas.

          — E não há de ver que eu tinha razão? Olha o que meus meninos encontraram escondido em um de seus blindados, e considerando que é a única coisa de valor que estão levando, sendo escoltado por uma equipe tão grande e tão estranha, aposto um testículo que é o meu servidor. Estou errado, Senhor Jones?

          — Não, mas se você realmente estudou o algoritmo sabe que precisa da credencial de alguém da administração da Natihvus pra poder ter acesso ao sistema do servidor, assim que ele for ligado se conectará ao satélite automaticamente e vai exigir uma autenticação para qualquer tipo de ação. E não sei se está lembrado... deixei de ter credencial corporativa há pelo menos dois anos. — Jow recorda uma objeção.

          — Sim, Senhor Jones, nós analisamos esse algoritmo, e muito bem. E pra lhe informar, nós não precisamos de alguém administrativo, nós só precisamos de alguém que esteja listado no quadro da Natihvus, e olha o que você me trouxe, a tirar pela roupa é um Tenente dos Leviatãs, a guarda particular dos burocratas que dominam aquela empresa... é só o que eu preciso. — Ele se volta para o seu soldado atrás do Tenente. — Pegue as impressões digitais e levem eles para o depósito até que eu consiga os dados, depois eu vejo o que farei com eles.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora