Promessa - 122

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          Um soldado empurra um carrinho de bandejas até uma porta, ele bate e uma moça ruiva sai de lá de dentro:

          — Senhoras, o Coronel mandou trazer o jantar. A caravana deve partir do batalhão daqui a algumas horas, quando estiver faltando 1 hora exata para a partida eu venho lhes avisar. Bom apetite. — Deixa o carrinho e sai.

          — Obrigada.

          Morgana leva as bandejas pra dentro. Desta vez, elas foram colocadas em um quarto bonito, limpo, organizado, com mais cara de alojamento do que de apenas acomodação provisória.

          — Chegou a comida mãe, o cheiro está bom. É tão bom poder comer algo decente de novo, sentir que o mundo não acabou totalmente.

          Dona Constância apenas dá um leve sorriso enquanto pega seu prato, seus movimentos estão lentos, suas mãos trêmulas e seu rosto parece inchado. As duas comem em silêncio até terminarem, Morgana arruma os pratos, recoloca as coisas no carrinho e o coloca de fora da porta, quando volta, sua mãe já está deitada. Morgana vai até ela, senta com cuidado ao seu lado e deita a cabeça em seu ombro:

          — Mãe, isso tudo já vai acabar. Daqui a pouco saímos daqui, e em quatro dias sairemos desse mundo de vez. Pode descansar.

            — Filha...

          — Não mãe, fica quietinha, a Senhora precisa descansar, não pode fazer esforço...

          — Não, você fica quietinha e me escuta. Eu preciso falar agora mais do que preciso descansar...

          Morgana faz cara de assustada, mas a obedece, se cala e presta atenção na mãe.

          — Minha filha, eu tive uma boa vida, um bom marido, e com ele lindos filhos... Você é minha caçula, minha pequena encrenqueira e a que mais me deu trabalho quando criança... Mas você cresceu, e se tornou uma mulher incrível. Quando tivemos a chance de ir para o novo mundo eu escolhi ficar, não pra cuidar de você, mas pra poder ver de perto o que se tornaria, e o que vejo diante dos meus olhos é maravilhoso: você se tornou uma mulher forte, determinada, que corre atrás do que quer, e que além de tudo, tem um coração enorme. E quero que saiba que me orgulho muito de você por isso.

          "Eu sei que tenho sido um atraso pra você. Teve que largar as pessoas que gostava e todas as coisas legais que estava fazendo, pra se dedicar a cuidar de mim. Se submeteu a viver uma vida que nenhuma mãe quer pra um filho... por minha causa... tentando garantir que eu vivesse um pouco melhor, e com isso, abrindo mão dos seus planos. E esse foi um gesto muito nobre, mas não é justo com você, tão jovem carregando problemas tão grandes. Você tem um sonho, e ele não inclui cuidar de velhos moribundos... existem desafios maiores e mais glamourosos lá fora, esperando por você, e é isso que você merece."

          Morgana ouve sua mãe com atenção, tentando se adiantar ao que ela diz pra entender a razão daquela conversa, mas não a interrompe.

          — Ultimamente eu tenho estado muito fraca, minha pequena, não sei se vou aguentar a ida até a base espacial, quanto mais a viagem pro outro mundo. Além do mais, você não disse como conseguiu essas passagens pra gente de uma hora pra outra, depois de algum tempo, isso ficou muito caro e mesmo depois de muitos meses juntando, não conseguimos o suficiente pra pagar por elas. Mas eu sei que se você não pagou, alguém o fez.

          Antes de dormir, eu tenho um último pedido pra te fazer... — Constância é tomada por um impulso de tosse por um instante, o que demonstra o quão comprometidos estão seus pulmões e o quão fraca ela está. Respira fundo, se recupera e continua o que dizia: — como já disse, eu não sei o que você fez pra conseguir com esse povo sujo essas passagens, mas quando não tiver mais que se preocupar comigo, eu quero que você me prometa que vai dar um jeito de consertar tudo isso. Eu bem que poderia pedir pra você aproveitar o que conseguiu e embarcar nesse expresso pro mundo novo, era o que o meu coração de mãe gostaria, mas eu sei que lá não é o seu lugar... seu lugar é aqui... é na Terra que você vai fazer a diferença, e eu sei que é isso que você quer.

          — Está bem mãe, eu prometo. Mas não fale assim, eu preciso da Senhora comigo, já estamos quase conseguindo. A Senhora vai ficar bem, vamos ver de novo o papai, os meninos. — As palavras de sua mãe tocam uma ferida recente em seu coração e Morgana não contém o choro. Em um misto de choro e sorriso, tentando acalmar a mãe e a si mesma, enquanto acaricia o seu rosto.

          — Eu sinto que não os verei novamente, mas se você os vir, diga que os amo... E aquele rapaz que esteve lá em casa esses dias... que levou sopa pra gente?

          — O Jow, mãe... O que tem ele?

          — Eu gostei dele, ele é um bom rapaz, dá pra ver nos seus olhos. Se você o vir de novo, diga que deixei um abraço... Faça isso por mim.

          — Faço sim, mãe.

          — Eu estou com muito sono... — Sua voz começa a ficar mais trêmula e fraca. — Segura minha mão, segure forte, quero sentir você enquanto durmo... Eu te amo, minha filha...

          — Eu também te amo mãe, obrigada por ter ficado por mim, ter sua companhia é muito importante.

          Morgana olha para a mão da mãe em seu colo e a segura firme, e sua mãe retribui.

          — Está frio aqui... cubra mais meus pés, está muito frio.

         Morgana olha para os pés de Constância, que estão cobertos mas ela procura por mais alguma manta e com a outra mão a coloca sobre seus pés, quando ela sente a mão de sua mãe afrouxar da sua, olha para as mãos juntas e abre a sua devagar, até que sua mãe a solte totalmente.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora