O Florescer da Caliandra - 124

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          Morgana encosta na porta e lentamente escorrega até se sentar no chão.

          — Como isso aconteceu? — Ela ainda estava absorvendo o choque da perda. Por muitos anos, tudo que ela tinha na Terra era sua mãe, o que ela faria agora? Seu coração começou a palpitar, sentiu sua garganta fechando, seu corpo arrepia em contato com o chão gelado do quarto, e ela não consegue conter as lágrimas...

          Então, seus cabelos caem por cima de seus olhos, trazendo-a de volta à realidade. Ela vai até o banheiro, fica diante do espelho e seus olhos são atraídos instantaneamente para seus cabelos, que por muito tempo os manteve assim por que sua mãe tanto gostava e elogiava, e para agradá-la nunca mexeu neles.

          — Ela se foi agora. Não está mais aqui. Eu jamais serei a mesma.

          Morgana vai até as coisas da sua mãe, sabe o que ela tem guardado. Pega uma pequena tesoura e volta para frente do espelho. Uma a uma, as mechas vão caindo ao chão, até que reste apenas um corte baixo, com franja levemente jogada para a direita, cobrindo parte da sua testa. Seu comprimento final não passa da nuca.

          Volta ao quarto, vai até a mala com suas roupas, veste uma calça e uma blusa escura, em seguida, apaga as luzes e senta no chão ao lado da porta para que seus olhos se acostumem com o escuro. Ela encosta as costas na parede, abraça as pernas, encosta o queixo nos joelhos e fica bem quietinha, sem emitir nenhum ruído, apenas tentando ouvir o máximo que puder, tentando fazer com que sua audição alcance a maior distância que conseguir. Até que tudo fica em silêncio quase total, ela pode ouvir apenas barulhos bem distantes do prédio em que se encontra.

          Ela fecha os olhos e se concentra no que vai fazer em seguida, seus próximos passos, e suas ações, calcula tudo com muito cuidado. Morgana repete o plano várias vezes em sua mente, levanta a mão até a maçaneta, gira devagar e abre a porta, deixando apenas uma pequena fresta por onde ela olha para fora, tira os sapatos para que seus pés não façam barulhos e sai. O prédio onde ela está é um alojamento feito para acomodar soldados, então não possui aparato de segurança, nem de vigilância, mas isso não significa que não possa ter alguém de olho nela. Ela precisa evitar os soldados transitando constantemente por ali. Está no terceiro andar, precisa chegar até o térreo. Essa primeira parte do plano não é difícil, e ela consegue evitando um militar aqui, outro ali.

          Ao sair do prédio ela olha pra cima:

          — Não há Lua no céu essa noite, parece que estou com sorte. Agora, só tenho que atravessar o pátio e chegar até o depósito. — Pensa consigo.

          Ela vai se esgueirando pelas sombras, às vezes tendo que andar mais pra poder evitar as partes iluminadas, até que ela chega diante da grande porta do depósito, ela olha pra porta e se pergunta se vai conseguir abri-la. Tenta uma vez, se esforça e não consegue. Suas mãos doem, seus olhos lacrimejam, então ela fecha os olhos, pensa na promessa que fez a sua mãe, lembra do Norffi preso lá dentro, abre os olhos e tenta novamente, agora com toda sua força, que vem além dos seus braços, que vem do seu coração, ela empurra e quando está quase esgotada a porta começa a se mover. Sua energia se renova e ela continua até que dê pra entrar e sobre uma folga extra. Rapidamente passa pra dentro, mas dessa vez não há nenhuma iluminação no corredor do galpão, conta os passos até chegar em um ponto marcado que havia decorado anteriormente. Caminha pra sua esquerda, se abaixa e começa a tatear o chão:

          — Tem que estar por aqui, eu acabei de ver ele aqui agora a pouco, não é possível que alguém tenha tirado... Ah, está aqui.... Achei.

          Com dificuldade, pega o objeto e quando estava se levantando apoia sua mão em algo cilíndrico, que rola, fazendo-a desequilibrar e cair. Irritada, olha o que a derrubou e percebe que é um bastão de baseball.

          — Pode ser útil.

          De longe Norffi a observa e se levanta na cela. Ela caminha até ele carregando as coisas.

          — Morgana veio libertar Norffi?

          — Não Norffi, eu não consigo libertar você, mas vou buscar quem pode.

          Ela sai do galpão de depósito levando o que pegou lá dentro, ainda tomando cuidado para não ser vista. Ao longe, ela vê uma maior movimentação diante de um dos prédios, mas sabe que este não é o que ela procura, ouvindo uma e outra conversa de canto dos militares, ela soube que os prisioneiros estão no subsolo do prédio da administração, o mesmo que está o escritório da General. É o edifício mais bonito do quartel. Ela fica de longe observando a movimentação, algumas paredes são de vidro e as luzes lá dentro estão acesas, com a iluminação lá fora bem insuficiente, ela obtém a vantagem de não ser vista por quem está lá dentro. Morgana se aproxima da vidraça e observa até que não haja ninguém no saguão, então corre pra porta e entra sorrateiramente, se abaixa atrás de um balcão e continua observando. Após o saguão, há uma porta que dá acesso às demais dependências do prédio, à esquerda há um corredor escuro e uma placa dizendo "Enxovia", ela presume que seja pra lá.

          Ao caminhar nesta direção, o corredor termina e há um grande espaço com algumas salas à direita, onde eles devem fazer a triagem com os prisioneiros antes de levá-los às celas, e bem ao final, à esquerda, está a porta de acesso às escadas que levam até as celas. Dois soldados vigiam a porta.

        — Dois eu acho que não consigo enfrentar, preciso esperar um deles sair."

          Ela fica ali por algum tempo, oculta nas sombras apenas observando enquanto os homens conversam, até que um deles se afasta, passa diante de onde ela está, entra no corredor por onde ela veio e desaparece.

        — Essa é a minha deixa.

          Ela ensaia um pouco: respiração ofegante e expressão de pavor; e aparece na parte iluminada do corredor ao alcance da visão do soldado:

          — Moço, moço, socorro!

          Ele saca a arma e aponta pra ela, que imediatamente levanta as mãos e faz expressão de mais assustada ainda.

          — O que foi garota. Você não pode estar aqui. Volta pro lugar de onde você veio.

          — É que tem um homem aqui no chão... e ele tá sangrando muito!

          Ainda atordoado pelo susto, pensado ser seu parceiro que acabara de sair, podendo estar caído no chão ferido, ele guarda a arma no coldre e vai rapidamente atrás dela que o leva para as salas de triagem.

          — Onde ele está?

          — Ali naquela sala. — Ela aponta para uma porta aberta.

          Ele saca a arma e caminha devagar, quando sente uma forte pancada no joelho que o derruba imediatamente, e ao virar para ver o que o atingiu, recebe outra, agora na cabeça e desmaia.

          — Desculpa moço, eu sou um pouco adiantada, na verdade é você o homem caído no chão.

          Ela o arrasta para a sala com a porta aberta, procura as chaves que estão com ele, o algema e pega sua arma, em seguida sai de lá e fecha a porta. Vai até as portas da escadaria, destranca e entra.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora