Capítulo 48

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Ela

Estou no banco de trás ao lado do bebê conforto de Aurora e ela está dormindo tranquilamente depois de uma longa mamada. Sinceramente, nunca vi uma bebê tão quietinha. Ela geralmente acorda e resmunga um pouco para mamar e depois volta a dormir, é um anjinho.

- Sabe onde fica? - pergunto para Colin.
- Sei - responde simplesmente.

Ele ainda não aceita o fato de eu querer escutar o que Bob tem a dizer. Mas eu não vou voltar atrás. Me conheço o suficiente para saber que só vou conseguir seguir em frente depois que eu souber de toda a história.
Já li vários relatos na internet de várias mulheres que passaram pelo mesmo que eu passei. Algumas superam rapidamente, algumas não. Cada mulher é uma mulher e cada corpo é um corpo. E se preciso ficar de frente para aquele ser humano desprezível para seguir em frente, então farei isso.

Colin estaciona o carro a uma grande distância da lanchonete em que marquei de me encontrar com Bob assim como eu pedi.
Sei que se Colin o vir ele não vai se segurar, e não vai acabar nada bem.

Colin sai do carro e vem para o banco de trás para ficar ao lado de Aurora.
Ele olha para mim como se perguntasse se eu tenho certeza de que quero fazer isso. Eu apenas aceno para ele.

- Tudo bem - digo antes de sair do carro - estou com o meu celular então se ela acordar você me liga que eu venho correndo, mas não vou demorar mais de dez minutos.

É a vez de Colin simplesmente acenar e olhar para Aurora como se não quisesse mais tocar no assunto.
Eu também não quero discutir com Colin por causa disso então decido ficar quieta.
Olho para minha filhinha linda e dou um longo beijo em sua testa. Ainda não acredito que já vou ficar longe dela. Mas será por uma boa causa, e por pouco tempo.

- Mamãe já volta filha, eu te amo - digo para Aurora e saio do carro.

Começo a caminhar para a lanchonete que já está cheia e procuro Bob com meus olhos.
Eu já sabia que essa lanchonete era popular e foi por isso que marquei com Bob aqui. Queria vê-lo em um local que fosse público e cheio, eu não ia arriscar encontrá-lo sozinho.

De repente reconheço Bob sentado em uma cadeira olhando para sua mesa. Olhando fixamente como se ela fosse interessante ou que não quisesse ser reconhecido. Provavelmente a segunda opção.
Meu coração se acelera porque não sei como reagir a esse momento.
Tudo o que eu pensava depois do ocorrido era que eu queria que ele fosse preso ou morresse ou que qualquer coisa ruim acontecesse com ele, provavelmente que fosse atropelado por um trem. E agora que ele está aqui eu simplesmente não sei se realmente tenho certeza de que quero fazer isso.
Todos esses sentimentos voltando, toda essa imagem retornando, tudo aquilo que eu tanto espremo dentro de mim para que nunca saia e para que que nunca lembre agora volta para mim como se fosse um tiro atravessando em meu peito.
Agora é como se tudo em meu interior doesse e ardesse. É como se eu não pudesse mais guardar isso dentro de mim por mais nenhum segundo.

De repente minhas pernas começam a se mover involuntariamente e eu vou até ele sem medo e a passos largos.

Bob talvez ao ouvir meus passos levanta seu rosto da mesa. E eu automaticamente levanto minha mão direita e dou um tapa estalado em sua face.
Todos olham para nós.
Eu não sei se, ou como ele vai reagir, mas no momento eu não me importo.

Bob coloca sua própria mão em seu rosto agora vermelho como se estivesse tentando aliviar a dor e fecha os olhos.

- Eu mereço isso - diz calmamente.
- Merece.
- Na verdade eu mereço muito mais. Mas.. você pode se sentar?

Eu continuo imóvel à sua frente e cruzo os braços com os olhos ainda em chamas.

- Por favor? - diz apontando para a cadeira à sua frente.
- Quero que me conte tudo o que aconteceu aquela noite - digo me sentando e as pessoas voltam a prestar atenção em suas próprias vidas - e quero que me diga se.. se houve outras.. você já fez isso com outras?
- Eu..
- Não ouse mentir.
- Para começar, eu nunca fiz isso antes. E eu me arrependi de ter feito com você, eu juro que não sei o que deu em mim eu..
- Para - eu levanto minha mão - sem desculpas. Só conte o que aconteceu.
- Bom - ele respira fundo - no dia em que conheci você te achei linda e..
- Que nojo - interrompo - eu era sua enteada.
- E.. - ele continua - eu já tinha ficado com garotas jovens antes, mas você não deu a menor confiança para mim. Então eu esqueci isso e continuei com sua mãe. Mas naquele dia.. eu tinha bebido um pouco e feito uma batida em uma casa de viciados e acabei ficando com essa droga que te deixa alucinado e você não se lembra de nada no dia seguinte.
- Eu me lembrei - digo baixo.
- Eu sei.. mas eu não sabia que iria, eu só.. quando eu vi você tão linda e tinha acabado de chegar de uma festa eu simplesmente não pensei direito. Eu te levei lá para cima e tentei não ser agressivo.
- Tentou não ser agressivo? - pergunto incrédula entre os dentes.
- Eu sei.. eu sei.. tudo foi uma agressão por si só.
- Foi muito mais que isso - fecho os olhos.
- Eu pedi demissão. Estou realmente arrependido. Eu me entregaria, mas você não vai querer saber o que fazem com um policial na cadeia.
- Eu não me importo. Qualquer coisa que fizessem com você lá dentro não é nem de longe comparável com o que você fez comigo.. com o que eu passei durante todos esses meses.
- Então não me perdoa - ele conclui.
- Olha eu..

Eu penso bem e respiro muito profundamente.

- Eu não sei se algum dia vou perdoar você. Talvez já tenha perdoado.

Vejo de repente que não tenho mais medo daquele rosto. Não tenho mais medo, ou raiva, ou tristeza, ou afeto. Ele agora é simplesmente um rosto manchado que faz parte do meu passado e que eu não vou deixar me assombrar nunca mais.
Percebo que eu tentava tanto esquecer ele, tentava tanto esquecer aquele dia e o que aconteceu que na verdade era isso que me impedia de seguir em frente, focar todas as minha energias em esquecer foi o motivo de eu não conseguir esquecer.

- O que você fez comigo foi horrível e eu nunca vou esquecer completamente de tudo. Mas quer saber? Hoje, ao te ver eu me lembrei de tudo, de cada sensação de cada sentimento e de cada fôlego daquele dia. Eu lembrei de tudo. Acho que eu precisava te ver para entender que não vale a pena sofrer por você, não vale a pena me quebrar por você. Porque acredite, você me quebrou. Mas tem duas pessoas me esperando no carro agora que me consertaram, elas me curaram. E você.. você nunca saberá como é isso, você nunca saberá como é ter alguém que te ama incondicionalmente, você sempre será vazio e sozinho e talvez esse seja o preço que vai pagar pelo que fez comigo.

Eu me levanto olhando para aquele rosto que tanto me assombrou uma última vez. E dessa vez eu sei. Algo dentro de mim sabe que eu encerrei essa história. Finalmente uma peça dentro desse quebra cabeça de terror se encaixou e eu sei, eu consigo sentir que tudo vai mudar.
Ele olha para mim incrédulo e talvez um brilho de medo e culpa em seus olhos. Depois volta a olhar para a mesa de madeira a sua frente e se recusa a olhar em meus olhos.
Eu me viro e caminho de volta ao carro.

- Como está minha princesa? - pergunto enquanto abro a porta do banco traseiro.
- Ainda está dormindo - Colin diz um pouco baixo - o que.. como foi lá?
- O que quer saber exatamente? - olho em seus olhos.
- Você o perdoou?
- Ele vai pagar. Algum dia. A vida vai se encarregar disso. Mas não tenho mais espaço em minha vida para ódio e ressentimento, então eu diria que sim, teoricamente eu o perdoei se isso significa que não vou mais perder meu tempo odiando ele e desejando que ele morra todo o tempo.

Colin fica quieto por alguns instantes como se estivesse dando o seu máximo para me entender e poder concordar comigo.

- Eu não espero que você entenda. Nem eu entendo completamente, é só.. essa sensação de que eu preciso fazer isso para conseguir seguir em frente.

Eu não exigiria de Colin que ele concordasse comigo, sei que é difícil para ele ver a mulher que ama perdoando um homem que a fez mal. Mas no mínimo preciso que ele acredite em mim, e preciso que ele confie em mim quando eu digo que esse é o caminho que eu preciso seguir.

Por fim Colin faz que sim com a cabeça, se endireita no banco e olha para mim. Ele se aproxima e beija fortemente minha testa.

- Você sabe que eu não consigo concordar com isso. Tudo o que posso fazer é tentar entender.
- Eu sei - digo abaixando um pouco a cabeça.
- Mas eu amo você - Colin diz segurando meu queixo e levantando meu rosto para olhar para ele - e eu vou te apoiar e ficar do seu lado independente da situação.
- Eu também amo você - sorrio docemente - obrigada por sempre me apoiar.
- Sempre - ele diz e me puxa para um beijo.

Colin sai do banco traseiro e vai até o banco do motorista, se senta e começa a dirigir. Estamos indo para casa.

~

Eu tiro Aurora já chorosa de seu bebê conforto e Tata vem correndo até nós balançando seu rabinho amarelado freneticamente. Está tão animada que parece já saber que estamos trazendo o novo membro da família para casa, e que daqui a pouco vai estar correndo junto com ela pelo quintal.

Tayla não pula em cima de nós, mas tenta de todas as formas levantar o focinho até Aurora para conseguir cheirá-la.

- Tayla, conheça sua nova irmãzinha, Aurora - eu digo inclinando levemente Aurora até que Tata alcance o pequeno pezinho de Aurora com seu focinho.

Colin ri um pouco e nos leva para dentro de casa.
Ao entrar vejo o hall completamente diferente. Ele está repleto de balões com as cores lilás, rosa e branco. Laços de fita pendurados e alguns cartazes que dizem "seja bem vinda Aurora!", "parabéns, mamãe!" e "família".

Eu me viro e olho para Colin com o semblante denotando a mais pura felicidade.
Ele sorri e Aurora com seus pequenos olhos brilhantes solta um gritinho fofo que mesmo sem palavras dizia tudo o que eu precisava saber. Ela está bem, nós estamos bem e somos uma família completa agora. E eu posso jurar, nunca me senti tão feliz.

Amanhecer AgridoceOnde histórias criam vida. Descubra agora