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Lucas

Esta casa nova é muito legal. Ponho a pesada caixa no chão e me apoio na parede da sala. Respiro fundo e torno a pegar a caixa. São minhas coisas, ninguém melhor do que eu para carregá-las até o meu futuro-novo-quarto-incrível. Minha mãe me fez o favor de deixar a porta do quarto aberta, assim não precisei de mais esforço ainda para abri-la. Gostei do tamanho. Não é mais espaçoso que o antigo, mas a cor azul-clara combinou demais. Bem melhor que aquele verde-vômito que não combinava nada com o ambiente do quarto e muito menos comigo.

Meu pai deixara a cama montada mais cedo, então coloco a caixa em cima e tenho uma lembrança não muito agradável. Lembro das pessoas rindo, jogando rolos de papel higiênico em mim, zombando da minha cor. Eles me chamaram de "macaco" e fizeram sons parecidos com os dos animais. Foi a maior humilhação da minha vida. Nunca irei me esquecer disso. Ouço passos e vejo minha mãe parada na minha frente, com Luís nos braços, meu irmão de quase um ano. Ela vê que estou corando e logo senta-se ao meu lado.

- Não consigo parar de pensar naquilo, mãe. Por que fizeram mal a mim? O que eu fiz?

- Ah, meu filho... - sua voz começa a falhar. - Porque eles definiram você pela cor da sua pele. E isso é algo muito execrável. Racismo deveria ter sido erradicado juntamente com a escravidão, mas o Brasil não avança.

Assinto e me levanto. Toco em seu ombro para que minha mãe veja que já estou melhor.

- Vamos começar uma nova vida, mãe. Jamais irei deixar alguém me fazer mal por causa da minha cor.

Sorrimos e saímos do quarto. Ainda há muito o que carregar.

Já está anoitecendo e terminamos de carregar as coisas há duas horas e agora estamos pondo tudo em seus novos lugares. Abro uma barra de chocolate e ofereço à minha família. Sou completamente apaixonado por chocolate. Como praticamente todos os dias, embora a minha mãe queira me proibir. Meu pai é o único que aceita e logo volta a colocar o armário na parede. Minha mãe está pondo Luís para dormir. E eu... Bom, estou indo em direção ao meu quarto. Cama e guarda-roupas em seus devidos lugares. Prateleiras com livros já nas paredes. Meu jogo de dardos preso à porta e vejo que a caixa que estivera carregando antes ainda se encontra em cima da minha cama. Asopro as mãos e ponho minha mão lá dentro. Cuidadosamente, pego revista por revista e passo um pano quase úmido para limpar e tomo o maior cuidado para não amassá-las. A pequena estante de madeira do tamanho de um fogão, que eu havia comprado após economizar por seis meses, está ao lado da cama. Começo a agrupar volume por volume. Agora eu me sinto nostálgico ao folhear um dos volumes de X-Men, minha série favorita. Não costumo contar isto a ninguém, mas sou o Ciclope. Espero que a minha Jean Grey venha para a minha vida voando, assim como a personagem.

Levei mais de meia hora para arrumar tudo e agora me sinto cansado mas realizado. Começo a checar e vejo que um volume está faltando. Fico sem ar e saio do quarto.

Corro e pergunto ao meu pai:

- Está faltando o volume sete de Batman. O senhor viu ou sabe onde está? - estou suando frio.

- Não sei, filho. Olhe novamente nas suas coisas. Nas suas roupas. Já perguntou à sua mãe?

- Não. Mas acho que ela também não viu, pai.

Meu pai vê meu desapontamento e me abraça por trás.

- O que acha de irmos comprar um novo exemplar amanhã? Deve haver alguma livraria ou banca por aqui.

- O senhor é o melhor do pai do mundo!

Volto saltitando ao meu quarto e deito na cama. Adormeço num piscar de olhos.

Um Amor Em 94Onde histórias criam vida. Descubra agora