Lucas
Mari foi ao banheiro e, enquanto ela não volta, seguro o desenho com a minha caricatura. Eu me atrevo a dizer que gosto bem mais disso que minhas revistas em quadrinhos.
— Estou de volta, Lucas. — consigo ouvir quando ela deita-se novamente na cama. Os sons de seu corpo enquanto endireita-se. — Eu escovei os dentes. O gosto não está muito bom.
— É ruim, Mari. Por isso nem irei me levantar da cama. Mas acho que não estou com bafo.
— Como você sabe?
— Intuição masculina. Eu sei que minha boca não fede.
— Como você é convencido, Lucas!
Começo a rir. Mas meu peito dói.
— Estou com vontade de falar um palavrão. Acho que nós nunca dissemos nenhum enquanto conversamos, certo?
— É, mas é porque sou culta. E minha mãe não gosta de palavrões dentro de casa.
— Entendo. Bom, eu estou muito puto. Estou puto porque estou doente. Estou puto porque você está na mesma situação.
— Não sei se estou mais chocada por você ter dito um palavrão ou por tê-lo dito três vezes em sequência. Cacete!
— Mari? — não consigo conter minha surpresa.
— O que foi? "Cacete" não é palavrão!
— Meus pais já disseram que é, sim.
Desde criança meus pais me diziam para não falar palavrões, pois são coisas que estragam nossas vidas, momentos e vocabulários.
— Ok, Lucas. Sem palavrões. Combinado?
— Combinado. Só não te peço para estender a mão porque as minhas estão segurando o telefone e o desenho que você não teve coragem de entregar nas minhas mãos.
Ouço Mari engolir em seco. E sei que isso deve ter doído um pouco, dada a situação em que sua garganta encontra-se.
— Estou apaixonado pelo desenho. Você é uma artista! — elogio para quebrar a tensão do momento. — Mari? Perdeu a voz?
— Só estou feliz. Muito feliz. Bom, estar doente não é nada legal. Mas saber que você está apaixonado por algo que eu fiz é imensamente especial para mim.
— Também estou apaixonado por você. Sabe disso, não sabe?
Eu já deixei isso tão explícito.
— Eu sei, Lucas. Eu sei. Também estou apaoxona por você. — Mari sussurra.
— Por que está sussurrando? Está com vergonha de assumir isso?
— Não, bobalhão. — ela defende-se. — Só que minha mãe pode ouvir. O que não seria um problema, mas vamos com calma, por favor. Você me entende?
— Claro que sim, Mari. Vamos com calma.
Começo a sorrir como bobo e lembro que ela não consegue me ver. Mas não duvido que ela também esteja sorrindo à beça.
— Mas me diz, como é a escola? Estou curioso. — mudo de assunto porque não quero deixá-la tensa novamente.
— É grande. Com doze salas de aula, se não me falha a memória. A maioria dos professores é legal. Há um jardim repleto de tulipas onde eu costumo me encontrar com os meus amigos. Aliás, eu telefonei para cada um e eles estão ansiosos para conhecê-lo.
Sinto um tremor no corpo. Ainda não estou acostumado ao fato de voltar a frequentar uma escola. Ainda mais após o corrido do ano passado. Mas confio em Mari.
— Que legal. Meu pai comprou todo o meu material escolar. Não vejo a hora de lhe mostrar. E vice-versa.
— Você faz parte daqueles típicos garotos que só usam cadernos com capas de mulheres em trajes de banho?
— São legais. Mas gosto de comprar cadernos com capas de super-heróis ou de carros. O meu novo, inclusive, tem a capa do Capitão América. Muito maneiro.
— Você tem um sotaque muito bonito. Você é bonito. Por dentro e por fora.
— Você fala isso porque ainda não viu um sinal horrível que eu tenho na coxa esquerda, Mari.
— Palhaço!
Ambos começamos a rir.
— Mari, você poderia puxar a persiana da janela do seu quarto?
— Claro.
Levanto da cama e fico parado de frente para a janela do meu quarto, olhando para a rua, para a janela do quarto dela. Até que consigo ver a persiana ser puxada aos poucos. Vejo Mari com uma roupa larga, o telefone no ouvido. Aceno para ela.
— Consegue me ver? Amo você.
— Consigo. Também amo você.
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Um Amor Em 94
RomanceEm algum lugar do Brasil, 1994. Marina Lopes é uma bondosa garota de 17 anos que sonha em se tornar jornalista e cobrir uma Copa Do Mundo. Administra com a mãe uma pequena banca de revistas que já vira dias melhores. Fã de música internacional, a jo...