Lucas
A casa é imensa e linda. Reconheço que grande parte da mobília foi fabricada entre a década de quarenta e a de cinquenta. Há três sofás de madeira dispostos pela enorme sala, assim como uma TV de tubo, quadros e uma lareira. O chão, de carpete, muito brilhante. Há uma escada também de madeira próxima a um piano belíssimo, abaixo de um lustre com velas na cor dourada. Mas há uma lâmpada grossa centralizada, então, apesar do lustre, há energia elétrica. Não que para ter um lustre é necessário não ter energia em casa.
Sento no sofá à esquerda e Mari senta-se ao meu lado, com nossas mochilas um pouco afastadas. Arlete está em pé próxima ao piano e com Bolota nos braços. Ouvimos passos e Zézinho reaparece com uma bandeja em mãos. Vejo quatro copos de vidro com um tipo de suco que não consigo identificar pela cor. Ele serve um copo para cada um de nós e fica com o último. Bolota, já no chão, sai de nosso campo de visão e o casal senta-se no sofá à direita. Bebo um pouco do suco e descubro que é de maracujá com hortelã.
— Este suco é muito bom! — falo um pouco alto demais e logo diminuo o tom da minha voz. — É a primeira vez que experimento esta combinação de maracujá e hortelã.
— É muito bom, não é? — Mari sorri e vejo que ela está com um bigode por causa da espuma do suco. — Às vezes mamãe faz este mesmo suco.
Se estivéssemos sozinhos eu não hesitaria em passar um de meus dedos em seus lábios para limpá-los, mas com seu primo e Arlete, não consigo. Porque isso seria uma coisa boba, mas poderia ser vista como obscena.
— Vou tocar um pouco. — Arlete senta-se no banco no meio do piano e endireita o corpo. — Amor, você pode cantar?
— Sim, meu doce. — Zézinho, ainda sentado em outro sofá, sorri para a esposa e vira a cabeça em nossa direção, ainda sorrindo. — Podem me acompanhar caso conheçam a música, certo?
Eu assinto e Mari também, já sem o bigode de espuma.
Arlete começa a tocar plenamente e o som emitido pelas teclas traz uma calmaria. Uma sensação de conforto. De paz. É como se estivéssemos à margem de algo benevolente e bonito, como um riacho. Tomo o restante de meu suco, ainda fascinado pra melodia que seus dedos trazem à tona a cada toque.
— "Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade... se alguém levasse embora até o que eu não tinha..." — A voz de Zézinho combina com as letras do Legião Urbana. Ele demonstra entusiasmo, acho que deve ser um grande fã do Renato Russo e dos outros integrantes. — "Quem me dera ao menos uma vez..."
Ele para de cantar assim que Arlete para de tocar e o casal dá um abraço apertado e bonito. Olho para Mari e ela aperta minha mão com força. Sinto bastante energia na palma da sua mão.
— Arlete, você toca muito bem! — elogio e ela sorri, tímida. — E você canta muito bem, Zézinho. — Ele também sorri e me abraça inesperadamente. Ainda surpreso, aperto suas costas e ele dá tapinhas em meus ombros.
Desde que chegamos, já reparei, todos não param de sorrir. Assim como eu. Sorrir é tão bom.
— Acho que ainda é um pouco cedo para almoçarmos. — Arlete presume, de mãos dadas com o marido. — Mari e Lucas, fiquem à vontade. Estaremos lá dentro providenciando as refeições.
— Claro. Muito obrigada por toda esta recepção. Não é, Lucas? — Mari toca meu ombro, já em pé.
— É, sim. Muito obrigado. — confirmo. — Aqui parece a casa do Zé Leôncio, da novela Pantanal.
Todos riem e Zézinho franze o cenho em minha direção.
— Você era muito moleque quando esta novela foi ao ar. Não era para a sua idade.
— Mas eu também assisti, primo. Eu também viro onça! — Mari fala antes de eu abrir a boca e todos nós caímos na gargalhada.
Jamais irei me esquecer deste dia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Amor Em 94
RomanceEm algum lugar do Brasil, 1994. Marina Lopes é uma bondosa garota de 17 anos que sonha em se tornar jornalista e cobrir uma Copa Do Mundo. Administra com a mãe uma pequena banca de revistas que já vira dias melhores. Fã de música internacional, a jo...