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Lucas

Alguém bate à porta e interrompemos nosso beijo. Ainda bem que já não fico nervoso quando Mari me beija e vice-versa. Agora é algo natural quanto respirar e piscar. Beijá-la é como observar um beija-flor colher o pólen de uma flor em uma dia de primavera.

Mari abre a porta e Arlete está segurando Bolota.

- Vamos almoçar, crianças! - ela diz e franze o cenho para nós dois.

Ajudo Mari a guardar o LP e deixamos a vitrola no mesmo lugar. Vejo que suas bochechas estão rosadas. Não estávamos fazendo nada que fosse considero proibido, mas eu sei que a esposa de seu primo pode estar imaginando o contrário.

Fecho a porta do quarto de seu pai e descemos as escadas em um piscar de olhos. Mari me guia até a cozinha. Zézinho está organizando os pratos e talheres. Faço menção de ajudar, mas ele pede para que eu me sente. Sorrio e me sento ao lado de Mari. Na mesa há uma travessa de arroz carreteiro, salada de couve com repolho e cenoura, galinha caipira com batatas, farofa de banana, feijoada e um suco natural de limão. Que banquete!

- Daqui nós ouvimos uma música do Tim Maia. O tio é muito fã dele, não é, prima? - Zézinho pergunta para Mari enquanto começamos a nos servir.

- Sim, muito. Mamãe foi em alguns shows do Tim só para curtir e ao mesmo tempo chorar com as músicas.

Arlete desamarra o coque que eu não notei antes e agora seus cabelos balançam por causa do ventilador no telhado. Graças a Deus nada está sendo levado pelas rajadas de vento.

Começamos a comer.

Faz mais de uma hora que almoçamos e estou com Mari no alpendre da casa. Ela abre sua mochila e me entrega uma pasta catálogo com adesivos na capa.

- São os seus desenhos? - pergunto, lembrando de minha caricatura.

- Sim. Achei que aqui seria um bom lugar para mostrar a você.

Sorrio e começo a folhear tudo.

O primeiro desenho é uma réplica perfeita da Magali devorando uma melancia. Depois vejo uma caricatura incrível da Xuxa com algumas Paquitas. Mari desenha tão bem!

Após mais alguns desenhos incríveis, encontro o último, que nada mais é do que a caricatura de um homem de mais ou menos quarenta anos, barbado e de sobrancelhas finas. Sei que é seu pai. Desde que nos conhecemos esta é a primeira vez que vejo o rosto de seu pai e a semelhança entre ambos me faz perder o equilíbrio.

- Somos praticamente gêmeos, não somos? - ela me pergunta, sorrindo e com os olhos fechados. - Só puxei o tom de pele e o nariz da minha mãe.

- Parecidos em tudo. Fisionomias semelhantes demais. Estou abismado, Mari.

- Este visual de meu pai é de uma foto que tiramos com a minha mãe algumas semanas antes do sumiço dele, no parque lá do bairro. Hoje o parque não é mais o mesmo, infelizmente. Assim como não tenho certeza se meu pai continua da mesma forma...

O embargo em sua voz me faz engolir em seco. Entrego a pasta e seguro sua mão direita com força, para que ela sinta todo o calor que vem de dentro de mim. Porque a ausência de seu pai também me machuca.

Bolota aparece correndo e faço um pequeno carinho em seu focinho.

- Lucas, você sabe que eu quero que você me conte tudo o que aconteceu, não sabe?

Olho para Mari e ela esboça um olhar triste, bem mais triste que o anterior. Sei do que ela fala. Amanhã iremos juntos para a escola e eu prometi contar tudo o que me aconteceu na antiga escola.

- Contarei tudo, Mari.

Respiro fundo e as memórias que eu gostaria de esquecer voltam à tona.

Um Amor Em 94Onde histórias criam vida. Descubra agora