Marina
Subindo as escadas que levam aos quarto, paro faltando três degraus. Eu não me sinto totalmente preparada para isto, mas não vou desistir quando estou tão perto assim. Olho para Lucas e ele me conforta com um mais doce dos sorrisos que alguém poderia mostrar para mim.
Vejo a porta de madeira gasta e a maçaneta já um pouco enferrujada. Zézinho prometeu jamais mudar algo e eu vejo que ele vem cumprindo sua promessa. Pego a mão de Lucas e abro a porta do quarto que um dia foi de meu pai.
Não há teias de aranha no telhado e a fama continua com a mesma colcha de antes. Sei que Arlete costumava lavá-la com frequência, pois o cheiro de amaciante está forte e agradável. Olho ao redor das paredes e vejo os quadros que um dia foram colocados por meu pai, durante sua juventude, ou "Época Das Vacas Magras", como ele costumava dizer quando estava comigo e com minha mãe. Eu era muito pequena para entender tudo isso.
Lucas, ainda parado atrás da porta, dá alguns passos após o meu chamado e percebo que ele está fascinado pelo ambiente rústico que meu pai adorava. Mesmo as cortinas de tecido grosso e um pouco surrado combinam com o quarto.
— Faz alguns anos que não entro neste quarto. Muitas recordações. Minha mãe e eu sempre passamos alguns dias aqui duas vezes ao ano, mas nem mesmo ela sente-se bem quando entra aqui.
— Compreendo, Mari. Apesar de tudo o seu pai sempre teve muito cuidado com as coisas dele. — Lucas aponta para uma vitrola em cima de um branquinho e eu assinto, permitindo que ele pegue-a. — Que incrível! Será que funciona?
— Não sei. Na última vez em que estive aqui, funcionava. Vamos testar!
Lucas me observa enquanto eu abro a cômoda de meu pai e encontro uma caixa com um LP que meu pai sempre ouvia. Ele possuía dois exemplares: este e outro que está na minha casa, guardado no guarda-roupas de minha mãe.
Posiciono o disco e a voz de Tim Maia começa a ecoar.
Estou com muita vontade de chorar. Porque meu pai faz falta e eu me arrependo de todas as vezes em que critiquei sua ausência. Eu apenas estou cansada de esperar por ele. Eu tinha apenas oito anos quando ele partiu e nos deixou. Às vezes eu penso, mesmo que isso me machuque, que ele já não está mais entre nós e eu nem pude me despedir dele. Por isso eu guardava a maioria das coisas que ele me deu. Os discos, as fitas, as revistas, os livros, as roupas. Até uma boneca que fala da Estrela que foi muito cara na época, mas que ele comprou com metade de seu salário.
Meu pai sempre foi um homem bom demais. Minha mãe sempre diz que a ausência dele e as lembranças com ele doem mais que qualquer coisa, mas tê-lo escolhido como marido foi a melhor decisão de sua vida.
Lucas me abraça com suavidade. Eu afago suas costas e meio que estamos dançando ao som de Tim.
"Não vale a pena sofrer em vão. Pode crer você pôs tudo a perder..."
Eu consigo sentir a presença de meu pai. Sua essência. Até o cheiro dele. Meu pai era tão cheiroso. Jamais saía de casa sem passar seu perfume da Avon no corpo. O modo como ele beijava minha mãe e me abraçava permanece vivo dentro de mim. De meus atos e minha imaginação. Onde quer que ele esteja, iremos nos reencontrar algum dia e eu irei perdoá-lo. Porque o amo demais e amar Lucas me faz ter certeza que há homens bons no mundo e que eu posso, sim, abrir o meu coração, porque meu pai sempre foi apaixonado por minha mãe e isso significa muito para mim.
Quero viver o amor.
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Um Amor Em 94
RomanceEm algum lugar do Brasil, 1994. Marina Lopes é uma bondosa garota de 17 anos que sonha em se tornar jornalista e cobrir uma Copa Do Mundo. Administra com a mãe uma pequena banca de revistas que já vira dias melhores. Fã de música internacional, a jo...