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Marina

Já anoiteceu e continuamos a conversar pelo telefone. Hora ou outra um de nós tosse, espirra, escarra e está tudo bem. Sabemos que estamos assim por causa de nossas vontades. Mas passar todo este tempo com ele tem sido maravilhoso.

— Estamos conversando muito. Eu quero que isto dure muito. — digo, mas na verdade estou um pouco apreensiva por causa da conta de telefone.

— Sim. Mari, eu não me levantei nem para levar a louça da canja.

— Menino! Vai encher de formigas. Vai levar isso lá para baixo. Não espere que a sua mãe apareça e lhe dê uma bronca. Lembre-se que ela está brava porque você saiu do quarto hoje mais cedo. Tudo bem que foi para tentar falar comigo, diga-se de passagem. Mas seja mais cauteloso.

— Não preciso de cautela quando estou apaixonado.

Sorrio e gostaria que ele visse o meu sorriso. Tive que puxar a persiana de volta porque está frio e não quero piorar.

— Que fofo! Lucas, você sabe que eu quero me tornar jornalista, não é? — pergunto não para que ele confirme, mas para que não se esqueça disso.

— Eu lembro, Mari. A profissão combina com você.

— Obrigada. Mas e você? Tem algo em mente?

— Eu nunca penso muito sobre isso. Acho que não sou tão bom em diversas coisas como você, Mari. Você é diversificada.

— Eu? Por que você acha isso?

— Ora. Você tem uma bela dicção e desenvoltura. Certamente será disputada pelas grandes emissoras do país. Você desenha muito bem. Vide minha caricatura. Entende muito de músicas e poderia ser produtora ou até compositora. O que mais? Sabe lidar com negócios. Você trabalha numa banca. Sabe atender pessoas e ser irreverente. Você é muito diferente e isso é legal demais para mim.

Estou um pouco surpresa com suas afirmações. Eu nunca pensei muito em outras profissões a não ser a de jornalista. Mas acho que seria legal investir em outras áreas caso a primeira não dê certo. Mas eu farei de tudo para dar certo.

— Obrigada. Sério, fiquei sem palavras. Mas você é tão diferente quanto, sabia?

— Eu sou preto. Aqui no Brasil não há muitas oportunidades para mim.

— Mas você é você, Lucas. Imagine quantos caras gostariam de ser você. De gostar tanto de revistas em quadrinhos e barras de chocolate. Seu pai é engenheiro. Alguma vez você ficou interessado na área?

— Não. Eu gostaria de trabalhar em alguma editora. Talvez traduzindo livros, histórias em quadrinhos, gibis. No ramo da literatura, você me entende, Mari?

— Você gostaria de ser cartunista como o Ziraldo? — assim que pergunto lembro de alguns exemplares de "O Menino Maluquinho" que ganhei de meu pai alguns anos atrás e que estão guardados no meu roupeiro.

— Você acha que daria certo para mim?

Minha visão começa a ficar turva novamente e sei que já está na hora de ir descansar um pouco. Logo, respondo:

— Claro que sim. Você daria certo em qualquer área. Você é muito inteligente.

— Obrigado, Mari. Quando nós estivermos juntos, já recuperados, vamos falar mais sobre isso, não vamos?

— Vamos, sim. Aliás, o que acha de fazermos um passeio no domingo, um dia antes da volta às aulas?

— Terei que pedir permissão aos meus pais, mas não consigo imaginá-los negando. Para onde você quer me levar?

— Para um lugar muito especial. Faz anos que não vou até lá. Gostaria de ir com você. Poderíamos levar alguns lanches e até uma toalha de mesa. E se você quiser levar barras de chocolate, sinta-se à vontade, pois eu vou querer.

— Espertinha! — Lucas começa a rir e logo para, pois a tosse reaparece. — Espero que possamos melhorar o quanto antes. Eu estou muito incomodado.

— Eu também, Lucas. Eu também.

Nos despedimos e logo caio no sono. Até que minha mãe me acorda para que eu possa tomar o meu remédio.

Um Amor Em 94Onde histórias criam vida. Descubra agora